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História Judaica Pensamento Judaico

O conceito de povo eleito para os Judeus

É importante entender o povo judeu não só do ponto de vista da descrição feita por Deus – “primeiro entre as nações” – mas de sua autodefinição. O povo “eleito” é como o judeu se definiu desde o início de sua história. Isto emergiu como um poderoso fator na sobrevivência judaica. Na Idade Média, quando ele foi reduzido a um humilde servo, ele acreditava que ele, e não o senhor feudal, fora eleito por Deus. Isto lhe deu a força interior para resistir a numerosos e poderosos conquistadores. A história judaica é o único registro escrito e duradouro que contém o ponto de visto do vencido.

A noção de ter sido escolhido foi reconhecida como algo tão formidável que não podia simplesmente ser desprezado ou “preenchido” pelo cristianismo que procurava sobrepujá-lo. O conceito, portanto, foi cooptado pela fé emergente que seguiu em frente, ensinando que eles haviam suplantado o “antigo” povo escolhido, os judeus, e que, de agora em diante, eles eram o povo eleito. Foi sua atitude, mais do que qualquer outra coisa, que dividiu e continua a dividir ambas as fés. A própria ideia dos cristãos, que alegam ser “o verdadeiro Israel de Deus” implica a completa rejeição dos judeus e a revogação da aliança eterna com Deus – e isto é impensável, até absurdo, e portanto é um anátema para o povo judeu.

Que a fé “filha” tivesse de provar seu próprio valor pela negação da validade da religião “mãe”, da qual ela deriva virtualmente todo seu DNA espiritual, foi algo extraordinário e trágico. Este estratagema pode ser compreensível para os apóstolos dos tempos antigos que buscavam dar validade à nova ordem. É muito triste que, ainda hoje em dia, isto seja uma das principais pregações dos ministros por toda a parte. O judaísmo no final do século XX, nos Estados Unidos, ainda é denominado, sem causar espanto, “a religião da morte”.

O mesmo padrão foi usado não só para o povo, mas também para a Torá. A nova religião precisava revogar a Torá, o que ela fez criando uma “nova” aliança, ou testamento, que substituiria o “antigo” testamento. De fato, para confirmar a validade do “novo” testamento, alegou-se que o “antigo” teria sido dado por Deus como presságio para o “Novo Testamento”.

Os judeus resistiram firmemente, fosse nas prisões, tocando os rebanhos ou carros de boi, a sucumbir a qualquer declaração, sugerindo que a aliança feita entre Deus e Abrahão, Isaac e Jacob não tivesse validade eterna, ou que o “verdadeiro Israel de Deus” não fossem os judeus que assiduamente adoravam o “verdadeiro Deus de Israel”. O fato de o judaísmo ter resistido a esta insistente calúnia e que, apesar de persistentes perseguições, os judeus tenham contribuído tanto para as estruturas morais da civilização; e, apesar de um Holocausto que aniquilou um terço da população judaica, eles tiveram sucesso em retornar à Terra Santa, revigorados e não exauridos, é um testemunho perene de que foram eleitos por Deus, Todo-Poderoso e Todo-Sapiente.

 

OS JUDEUS – POUCOS, MAS ETERNOS

Uma das provas que a nova religião apresentava de que os judeus não eram mais o povo escolhido é que eles não tinham pátria e vagavam de lugar em lugar desde o início da cristandade – uma premissa que tem dado o que pensar ao “establishment” teológico, especialmente desde 1948 e a recriação do Estado de Israel independente

Na verdade, a história e a demografia nos fornecem um perfil de quem somos e quem fomos quando perambulávamos sem lar por todo o globo, durante séculos, e como respondemos aos desafios que continuamente encontramos para sobreviver como um povo. Embora muitos de nosso povo tenham optado por sair da família, a maioria dos judeus se manteve tenazmente apegada à oferta de Deus, mesmo diante de perseguições assustadoras.

Há quarenta séculos, o judaísmo começou como uma minoria de um e até hoje, virtualmente, nunca atingiu superioridade numérica. Mesmo na Israel moderna, seu status de maioria é constantemente ameaçado pela população árabe do país. Certamente, não há outra nação que tenha resistido a tais ataques em massa e ainda ressurgisse com notável vitalidade – como se a perseguição fosse o próprio motor da sobrevivência, conduzindo-a com ainda mais determinação a maiores alturas. Hoje, os judeus são cerca de treze milhões em uma população mundial de cinco bilhões e meio, constituindo apenas um quarto de um por cento da humanidade!

A ameaça que desafia o povo judeu não vem somente de seu pequeno número, mas das condições de sua existência. Enquanto os judeus viviam em sua pátria, eles estavam apegados a uma estreita faixa de terra ao longo da margem oriental do Mediterrâneo, cujo valor provinha de sua posição geográfica como ponto de encontro da Europa, Ásia e Europa, e não por causa de seus recursos.

O povo judeu viveu em sua Terra durante apenas uma pequena fração de sua história. O período desde a conquista de Josué até a destruição do Primeiro Templo durou seiscentos anos. A Segunda Comunidade começou quando os judeus puderam retornar à Terra de Israel e terminou quando os romanos destruíram o Segundo Templo, no ano 70 e.c. – novamente um período de seiscentos anos. A isto pode-se acrescentar mais cento e cinquenta anos, durante os quais a Terra de Israel continuou sendo o centro espiritual da comunidade judaica em todo o mundo, até que foi eclipsado pela Babilônia.

A independência judaica foi ainda mais curta. Na era bíblica, a independência judaica durou quatro séculos, desde os dias de Saul até a destruição do Primeiro Templo, depois pouco menos de oitenta anos, na era pós-bíblica, desde a proclamação de independência judaica por Simão, o macabeu, em 142 a.e.c. até a conquista da Terra de Israel pelo general romano Pompeu, em 63 a.e.c. No total, o povo judeu viveu em sua pátria por menos de um terço de sua história e gozou de independência durante menos de um oitavo de sua existência.

O exílio dos judeus também foi notável: eles precederam a própria formação das nações que constituíram o “velho mundo”. Houve judeus na Espanha antes de haverem espanhóis; na França, séculos antes da emergência de um estado nacional francês; na Alemanha, séculos antes da criação do Império Alemão. Os judeus foram estrangeiros em toda parte, mas não foram cidadãos em nenhum lugar, e sua existência foi através de sofrimentos, não direitos – à disposição dos caprichos dos reis ou da Igreja, que permitiam sua presença quando a mesma parecia útil naquele momento. Depois que acabava sua utilidade material, como quando eles foram bem-sucedidos em criar uma classe média para Carlos Magno na França, no século IX, eles eram expulsos sem cerimônia; obrigado e adeus.

 

MAS O JUDEU SOBREVIVEU

A autopercepção dos judeus como “escolhidos” não é um projeto elitista para fomentar o orgulho judaico, mas o único modo de traduzir a Revelação Divina em termos humanos. Isto é algo que o povo judeu realizou não através de Cruzadas ou Guerras Santas, mas imperceptivelmente por meios dos preceitos e exemplos. O tempo todo, entretanto, eles tiveram de suportar o fardo de serem servos em sofrimento, aguentando a perseguição com infinita paciência. O antissemitismo é a outra face de ser escolhido. Deus escolheu os judeus para liderar; pessoas cheias de ódio escolheram os judeus para açoitar.

Por que odiar os judeus? Qualquer que seja o modo escolhido pelos pensadores para racionalizá-lo, no fundo, bater nos judeus é uma revolta contra o Deus dos judeus. Isto era a mentalidade comum em todas as gerações, até que a era moderna trouxe ao antissemitismo novos disfarces embalados em conceitos que ofuscam em vez de revelarem. Por exemplo, é uma manifestação de xenofobia, o mundo sempre está precisando de bo­des expiatórios ou simplesmente o já bem conhecido e antiquado racismo.

Embora tais conjecturas tenham, sem dúvida, algo de verdade, a motivação predominante para odiar os judeus é o judaísmo. O Talmud observou há muito tempo: “É uma lei bem conhecida: Esaú odeia Jacob”. Uma ilustração simples e contemporânea: o fim do comunismo na Europa Oriental. Após a Segunda Guerra Mundial, havia muitas cidades polonesas nas quais não restara um só judeu, após terem sido mortos nas câmaras de gás durante o holocausto nazista. Em 1989, após a liberdade ser milagrosamente obtida, o antissemitismo retornou com toda sua virulência. Não havia judeus, mas de alguma forma, o judaísmo ainda pairava no ar! Como tais pessoas poderiam expressar seu ódio? Onde não havia judeus, aqueles que os odiavam vandalizavam os seus cadáveres nos cemitérios. É como a “síndrome do membro amputado”: mesmo quando a perna é removida, ela continua a doer. Os rabinos estabeleceram uma ligação entre a palavra Sinai, onde a Torá foi entregue, e Siná, ódio – desde que a Torá desceu do Céu até o Sinai, a Siná desceu sobre os judeus.

Neste capítulo, tentamos abrir uma pequena janela na Casa de Israel para que o convertido possa dar uma rápida espiada e ver quem realmente somos. Naturalmente, não há nenhum meio de esquadrinhar a teologia, misticismo e história judaicas, os amores e temores do povo, suas forças e fraquezas, em um capítulo pequeno.

Um convertido, uma vez, aproximou-se de Hilel, o grande sábio do século II a.e.c., e pediu-lhe que ensinasse toda a Torá enquanto ele conseguisse se manter sobre um só pé. Hilel respondeu: “Ama a teu próximo como a ti mesmo; o resto é comentário. Vai e estuda.”
Vai e estuda.

 


Trecho extraído do livro Bem-Vindo ao Judaísmo – Retorno e Conversão – Nova edição!
Autor: Maurice Lamm
Editora Sêfer
Páginas: 430

O rabino (ortodoxo) Maurice Lamm, busca esclarecer o candidato à conversão, ou récem-convertido, o que é o judaísmo, por que vale a pena juntar-se a ele, como fazê-lo corretamente, de acordo com a lei judaica e, finalmente, como superar problemas decorrentes desta corajosa decisão que é um antiquíssimo ritual, liberando-o de uma teia de conceitos errôneos popularmente difundidos, e trata ainda da aplicação da lei nas situações contemporâneas.

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