Imagem retrata levitas sentados diante de Nabucodonosor, que os convida a tocar para ele da maneira como faziam no Templo de Jerusalém, enquanto desfruta de sua refeição. Os levitas mostram a ele que seus dedos foram amputados e explicam que não são capazes de tocar. Nas palavras do Midrash, “‘Às margens dos rios da Babilônia, nos sentávamos e chorávamos, lembrando de Tsión’ (Salmo 137:1) – O rei babilônio Nabucodonosor saqueou o Templo, capturou e exilou os judeus (…) Sentados, eles choravam, e o rei lhes disse: ‘Por que chorais?’ Então ele chamou os levitas e disse: ‘Preparem-se! Quando comermos e bebermos, quero que toqueis harpas diante de mim, como costumáveis fazer em seu Templo diante do seu Deus!’ Disseram eles a si mesmos: ‘Não basta termos destruído o Seu Templo Sagrado por meio dos nossos pecados, e agora ainda deveremos tocar nossas harpas diante deste anão?!’ Eles então tomaram uma decisão: penduraram seus instrumentos sobre os salgueiros próximos e, numa tremenda demonstração de autocontrole, arrancaram seus dedos com os dentes. Extraída da obra O Templo Sagrado de Jerusalém, da Editora Sêfer.
Batido em sua tentativa de ajudar os assírios contra os babilônicos, o Egito cede a Nabucodonosor o predomínio sobre as nações anteriormente satélites da Assíria: Síria, Fenícia e o que restava da Samária. Algumas cidades filisteias, bem como Judá, conservam uma precária liberdade. As simpatias de Joiaquim, não se sabe por que, tendem para o Egito, mas a Babilônia é mais poderosa e é a ela que Judá passa a recolher os tributos anuais. Entre os oficiais e sacerdotes, políticos, populares e “profetas”, uns advogam a pacata aceitação da situação, outros estão ansiosos por reconquistar a independência. E não param de agitar contra a Babilônia, confiantes nas promessas de ajuda militar dos egípcios.
Jeremias está proibido de falar em público, mesmo continuando a ter influência na corte. À semelhança de Isaías duzentos anos atrás, usa os mesmos argumentos: nação após nação surge e desaparece, a força gera força, a violência gera violência. O papel de Judá entre os povos não pode ser o de partícipe da perversa ciranda militar. Ela tem de ser testemunha de Deus, o Único e Universal, viver de acordo com Sua Lei e abjurar de ambições políticas. O crepúsculo dos deuses assírios evidenciou para Jeremias a última fragilidade dos gigantes imperiais e a futilidade de pensar numa vitória militar sobre qualquer um deles. Se Judá se conduzir como as outras nações, usar os mesmos expedientes – a babilonização – ela terá fim idêntico ao dos outros: o desastre.
Correm boatos em Jerusalém de que na corte trama-se uma nova conjura contra a Babilônia. Jeremias envia Baruc ao Templo para que aí faça uma leitura pública das suas advertências, a fim de mobilizar a opinião popular. O discípulo lê o pergaminho no pátio do Templo, num dia de grande aglomeração, causando enorme comoção, inclusive entre altos funcionários do governo, partidários da paz. Eles estão chocados com as terríveis consequências da frívola política real anunciadas pelo profeta, e decidem encaminhar o documento a Joiaquim. “Estava o rei sentado em frente a um braseiro aceso, e na medida em que o secretário lia três ou quatro colunas, o rei as cortava e atirava às chamas, desprezando os rogos dos seus ministros” (Jeremias 36)
Jeremias responde com um manifesto à nação: “Palavra do Senhor: Há vinte e três anos falo-vos para que renuncieis todos e cada um de vós à maldade e aos ídolos que vossas mãos fabricaram! Já que não escutastes Minhas palavras vou conclamar Meu servo Nabucodonosor contra este país. Esta terra converter-se-á em angústia e solidão e por setenta anos servireis ao rei da Babilônia. Só decorridos estes setenta anos é que castigarei o rei da Babilônia e transformarei o país dos caldeus em deserto” (Jeremias 25).
Os que entendem a linguagem bíblica ficam chocados: a expressão “meu servo” é uma distinção, a Bíblia a reserva para muito poucos: Abrahão, Moisés, David, alguns dos grandes profetas – mas Nabucodonosor! É que Jeremias, prosseguindo nos passos de Isaías (“A Assíria, vara da minha ira” – Isaías 10:5), recorda ao povo que não existe confinamento para o poder divino, JAVÉ não é uma divindade tribal, chamar o rei babilônico de instrumento dos desígnios divinos é uma maneira de Deus manifestar Sua autoridade sobre tudo e todos.
De nada adiantam as palavras do profeta. Robustecido em sua leviandade por um pacto militar com o Egito, Joiaquim desafia a Babilônia, suspendendo o recolhimento dos tributos devidos. Inicialmente tudo corre bem, pois Nabucodonosor tem problemas a resolver em outras regiões do Império e Jeremias e seus partidários passam vexame, são chamados de covardes e traidores e cobertos de desprezo.
Joiaquim morre subitamente, ainda sob a ilusão de ter sido vitorioso. O problema passa para seu filho Jeoiaquin. Mal terminam os festejos de sua coroação e chega a Jerusalém a notícia da aproximação de Nabucodonosor à frente de um poderoso exército. Judá, como de praxe abandonada por seus aliados, não tem muito o que fazer. Jeoiaquin, com seus apenas dezoito anos, rei somente há algumas semanas, demonstra a coragem da covardia: manda abrir os portões da cidade e coloca-se à mercê do rei da Babilônia, acompanhado no seu gesto de toda família real.
O sacrifício de Jeoiaquin evita uma calamidade generalizada. Mesmo assim, Nabucodonosor é extremamente severo: o Templo é despojado de todos seus valores, Jeoiaquin é levado acorrentado para Babel, onde ficará aprisionado por 37 anos. Igualmente deportados são os ministros e os sacerdotes, os mais graduados funcionários civis e militares, bem como milhares de artesãos e artífices – a elite de todas as camadas sociais. Para trás, fica uma nação desarticulada e acéfala. Era o ano 597, o primeiro exílio.
Nabucodonosor concorda com a preservação da dinastia davídica e indica para ocupar o trono Sedecias, tio de Jeioaquin, filho mais novo de Josias. A situação econômica do país é angustiosa, verdadeiro caos social, com milhares de propriedades rurais e urbanas abandonadas, seus legítimos donos deportados. E, por sobre tudo, paira uma nuvem de desesperança política e de sentimentos de ódio e vingança.
Sedecias não controla a situação, tornando-se um joguete das facções políticas e das paixões revanchistas, sempre estimuladas pelos países vizinhos que todavia prometem e nunca cumprem. Também lá de longe, os exilados da Babilônia fomentam novos levantes, cujo êxito, assim esperam, os conduzirá de volta à pátria.
Jeremias sabe que o dia do regresso está longe: setenta anos era sua visão profética. Ele envia uma epístola aos exilados dizendo: “Edificai casas e habitai nelas, plantai hortas e comei seus frutos, tomai mulheres e gerai filhos, multiplicai-vos em vez de diminuir! Buscai o bem da cidade para onde fostes exilados. Tão logo se completem 70 anos, Deus vos fará voltar” (Jeremias 29:5).
Mas, em Babel e em Jerusalém há muitos “profetas” que instigam, provocam, tecem intrigas e exortam os patriotas a rebelar-se, chamando Jeremias de traidor. Um deles é Hananias quem anuncia à multidão reunida no pátio do Templo e na presença do rei e dos embaixadores estrangeiros: “Palavra do Deus de Israel: Vou romper o jugo do rei da Babilônia e daqui a dois anos farei voltar Jeoiaquin e todos os deportados!”. (Jeremias 28:11) Mal Hananias acaba de falar, a massa popular abre caminho para uma estranha aparição – é Jeremias, os pés arrastando grossas correntes iguais às usadas pelos prisioneiros de guerra, e sob seus ombros carrega um pesado jugo:
Ao rei de Edom, rei de Moab e rei de Amon!
Rei de Tiro, rei de Sidon e tu, Sedecias, rei de Judá:
Assim diz o Senhor: Eu fiz a terra e os
homens e entreguei-os a Nabucodonosor,
Meu servo. Vossos profetas e adivinhos só falam
mentiras. Sedecias, rei de Judá: metei vosso
pescoço no jugo do rei da Babilônia, servi-o e vivereis!
(Jeremias27)
Jeremias tira o jugo dos ombros e estende-o a Sedecias numa muda súplica: “Toma sobre ti este jugo e salva teu povo e teu país!”. Mas Hananias, postado ao lado do rei, bruscamente arranca o jugo das mãos de Jeremias, quebra-o ao meio e arremessa os pedaços aos pés do profeta: “Assim fala o Senhor, Deus de Israel: Eu quebrei o jugo do rei da Babilônia!”
A multidão delira e aplaude, Jeremias ergue as mãos e no silêncio que se faz a seu gesto, diz com desprezo e dor: “Hananias, um jugo de madeira quebraste. Jugos de ferro nos esperam! E tu, Hananias, ainda este ano morrerás, pois falaste mentiras em nome do Senhor!” (Jeremias 28).
Hananias morreria sete meses depois, sem presenciar os frutos de sua agitação. Enquanto isso, no Egito, Apris, um novo faraó – porém com os mesmos planos de seus antecessores – ascende ao trono disposto a retomar a Síria e subjugar a Mesopotâmia. Quando a notícia da mobilização egípcia contra os babilônicos chega a Jerusalém, os patriotas acreditam que havia soado a hora da sua libertação. Contagiado pelo entusiasmo generalizado, Sedecias susta o pagamento dos tributos. A reação vem imediata. Assumindo pessoalmente o comando de um formidável exército, Nabucodonosor marcha sobre Judá. Mais uma vez abandonadas por seus aliados, as cidades interioranas caem rapidamente e só a capital continua resistindo. A estratégia de Nabucodonosor é de deixar todos entrarem, mas ninguém sair. Jerusalém fica abarrotada de refugiados e a fome se alastra.
Os ouvidos do rei abrem-se novamente à voz do profeta. Há muito que Jeremias se empenhara a fundo na solução de um dos grandes problemas sóciorreligiosos da nação: a aplicação do preceito bíblico da libertação dos servos a cada sete anos, mandamento amplamente descumprido. Em obediência ao profeta e para aplicar a ira divina, Sedecias agora “proclama um decreto de alforria e todos aceitaram este acordo” (Jeremias 34:8). Uma vez mais Jerusalém é salva milagrosamente: a notícia do avanço de uma poderosa força expedicionária egípcia faz Nabucodonosor levantar o cerco da cidade e marchar de encontro ao inimigo. O povo dança nas ruas e, para horror de Jeremias, os escravos recém-libertados são caçados e retornados à servidão.
Sem maiores dificuldades, Nabucodonosor desbarata as forças egípcias e reinicia o cerco de Jerusalém. Sede, fome, doenças e desordem reinam na cidade. Sedecias convoca Jeremias outra vez, mas o veredicto já não pode ser mudado: “Traíram a promessa sagrada, profanaram Meu Nome, violaram Minha Aliança – Nabucodonosor tomará esta cidade e a destruirá!” (Jeremias 32:28).
Jeremias acrescenta à sentença o aviso de que só uma rendição incondicional e um apelo à clemência do rei da Babilônia podem evitar uma calamidade total. Acusado de alta traição, eleé encarcerado, mas Sedecias manda pô-lo em liberdade. Daí a pouco, o profeta é novamente preso, pois não cessa de pregar a submissão.
Num insólito gesto simbólico, Jeremias proclama sua fé no futuro de Israel: em meio à derrocada da ordem social, os ricos enterrando seus tesouros e os pobres vendendo suas propriedades a preços vis, Jeremias compra, de um primo que veio se refugiar em Jerusalém, um pedaço de terra em Anatot, sua cidade natal. É uma terra completamente inútil neste momento e a adquire por um preço, nas circunstâncias, absurdo, unicamente para que a propriedade permanecesse no patrimônio da família. Do cárcere, perante as testemunhas prescritas em lei, Jeremias ben Helcias concretiza a bizarra transação, proclamando:
Casas, campos e vinhas continuarão
a ser compradas nesta terra.
O Senhor reunirá os exilados e os
trará aqui para que habitem em segurança,
e solidamente os colocará nas montanhas
e nas planícies de Judá!
(Jeremias 32)
Após meses de tenaz resistência, aparecem as primeiras brechas nas muralhas de Jerusalém. Sedecias e uma forte escolta tentam escapar, mas à altura de Jericó toda a comitiva é capturada e levada ao quartel general de Nabucodonosor. A sentença é impiedosa. Os filhos do rei são degolados ante as vistas do pai, que em seguida tem seus olhos vazados. Arrastam-no, cego e acorrentado, para a Babilônia, onde fica encarcerado até sua morte. Era o último da longa linhagem de reis de Judá iniciada por David, há mais de quatrocentos anos. Se a esses quatro séculos acrescentar-se os mil e quinhentos anos em que os descendentes da Casa de David viriam a liderar o povo durante o exílio babilônico, tem-se a mais duradoura dinastia de toda a História.
No dia 9 de Av (586), cai Jerusalém. As muralhas da cidade são niveladas, o palácio real incendiado, os objetos de culto de ouro e de bronze do Templo são desmantelados e levados para Babel. Finalmente, o Templo de Salomão é incinerado. Curiosamente, entre a detalhada lista dos tesouros que os babilônicos carregaram, não há menção da Arca Sagrada. Aliás, já fazia muito tempo – desde Salomão, na verdade – que não se falava dela, nem mesmo durante as reformas de Josias. O mais venerado objeto de culto da história de Israel desaparece de cena sem nenhuma menção, deixando atrás de si apenas um véu de mistério.
Parte da população procura abrigo nos países vizinhos. A maioria é deportada para junto dos exilados que dez anos antes foram arrastados ao cativeiro. Restam em Judá só alguns dos mais pobres camponeses. Guedalias, um aristocrata jerosolimita, é nomeado para governar o que sobrou. Também Jeremias fica em Jerusalém, recebendo tratamento especial por ordem pessoal de Nabucodonosor.
É um paupérrimo resto que aí está, dominado por pequeninas ambições e mesquinhas intrigas. Guedalias tenta reorganizar os que haviam conseguido escapar à morte ou à deportação, até mesmo alguns destacamentos ainda armados e sob o comando de seus oficiais. Ele implanta, inclusive, uma reforma agrária, concedendo a posse legal da terra aos que atualmente a ocupam. Mas suas tentativas não chegam a amadurecer: Guedalias é assassinado por um nobre jerosolimita desconhecido, talvez por uma questão de ciúmes pessoais ou possivelmente por instigação do rei dos amonitas, ansioso por apoderar-se dos territórios de Judá e, com isso, abrir um acesso ao mar.
Naufragava a última oportunidade de reconstrução nacional. Certos de que Nabucodonosor vingaria drasticamente a morte do governador por ele nomeado, o resto da população abandona o país, a maioria indo para o Egito, arrastando consigo o recalcitrante Jeremias. Sobre as ruínas de Jerusalém, o profeta pranteia:
Quão solitária está a cidade outrora populosa.
Tornou-se viúva a que antes foi princesa.
Judá partiu para o exílio
Estão em luto os caminhos de Sion.
(Lamentações 1:1)
CRONOLOGIA
antes da era comum
616 O Egito envia tropas para ajudar os assírios contra os babilônicos
612 Babilônicos e medas tomam Nínive
609 Morte de Josias em seu encontro com faraó Neco
605 O remanescente do exército assírio, apoiado pelos egícipos, é desbaratado na batalha de Carquemish pelos babilônicos e medas.
Fim do Império Assírio
604 Nabucodonozor submete Síria, Fenícia e Ashdod
597 Judá se rende. Primeira deportação punitiva para a Babilônia
594 Continuam as conspirações em Judá contra a Babilônia
588 Começa o sitio de Jerusalém
586 Destruição de Jerusalém por Nabucodonozor. Exílio Babilônico.
Extraído de Uma História do Povo Judeus, volume 1, capítulo 28, de Hans Borger, Editora Sêfer.
Apresentação esmerada da história do povo judeu, desde o patriarca Abraão até a expulsão dos judeus da Espanha (volume 1), e desde os guetos da Polônia e da Rússia à chegada do nazismo e o despertar do nacionalismo judaico com o início da restauração da antiga pátria em Israel (volume 2), utilizando rica iconografia, mapas, tabelas e linhas cronológicas, que facilitam a compreensão do leitor.