Ao mesmo tempo em que celebramos nossa libertação da escravidão no Egito, emergindo como nação, a Torá de Deus requer de nós o banimento do pão da liberdade de dentro dos nossos lares e mesas, durante todo o período de Pêssach.
Assim que a farinha entra em contato com a água, as enzimas começam a modificar os açucares contidos nos grãos de trigo, que fermentam e libertam bióxido de carbono. Isto faz a massa crescer e “fermentar” – tornar-se Chamêts, em hebraico. Se a massa for misturada, aberta e imediatamente assada dentro de um forno quente por alguns minutos, este processo não ocorre e o resultado será um pão “não fermentado” – a Matsá.
Matsá é, portanto, o pão de quem tem pressa, de pessoas cujo tempo não lhes pertence – é o pão da servidão. Por outro lado, é o pão da ociosidade, das pessoas que dispõem de tempo para esperar pelo gosto mais refinado e textura fermentada – é o pão da liberdade e da independência.
Ao mesmo tempo em que celebramos nossa libertação da escravidão no Egito, emergindo como nação, a Torá de Deus requer de nós o banimento do pão da liberdade de dentro dos nossos lares e mesas, durante todo o período desta celebração. Ela ainda faz desta atitude um critério para testar nossa fidelidade a Deus, nossa participação da comunidade de Israel. Se falharmos em cumprir com esta exigência, seremos “cortados” do povo de Israel. Por quê?
É extremamente importante para nós, povo de Israel, lembrar que não emergimos para nossa condição nacional como fizeram as demais nações – por esforço próprio – mas, sim, por uma ação Divina que reverbera há milênios. Mesmo no momento da nossa libertação, não somos senhores do nosso destino – não tivemos tempo nem mesmo de assar nossos pães.
Os eventos extraordinários que envolveram nosso Êxodo do Egito estão estampados para sempre nas feições do povo de Israel, não uma nação igual às outras, mas uma nação com uma missão. Nossa própria existência é o testemunho vivo de que, acima de todos os poderes, é a Mão de Deus que governa o mundo. Comer Chamêts durante a semana de Pêssach seria negar a presença de Deus na história – em particular na nossa história – e um ato de traição para com nossa missão no mundo.
Em nossos dias, após dois mil anos de peregrinação, ganhamos uma vez mais a independência em nosso lar nacional. Este outro acontecimento deve nos levar a concluir que a Mão de Deus continua guiando nosso povo através da história, como no passado. Também aqui, a arrogância associada ao Chamêts estaria fora de lugar. A humildade da Matsá é mais apropriada. Deus usa a coragem, a determinação e a capacidade de sacrifício dos seres humanos para atingir seus propósitos sublimes, sem que se leve em conta as intenções e propósitos das pessoas envolvidas. Em última instância, é Sua vontade e Seus propósitos que prevalecem.
Proibição tripla
Chamêts em Pêssach pertence ao pequeno grupo das substâncias que, além de serem proibidas como alimento, não podem ser usadas de qualquer outro modo, e nem se pode ter qualquer usufruto ou benefício delas, físico ou econômico. Já havíamos travado conhecimento com três elementos que pertencem a este grupo: frutos dos três primeiros anos de uma árvore [capítulo 14]; uvas e trigo que germinaram juntos [capítulo 15/4]; carne e leite cozidos num mesmo recipiente [capítulo 16/3]. Mas Chamêts é o único elemento proibido de estar sob posse de um judeu durante o Pêssach. A posse, no caso, tem três aspectos:
- Não pode ser usado para comer – suster nossa vida.
- Não pode ser usado para deleite – suster nosso conforto.
- Não pode estar em nosso poder – suster nossa prosperidade.
Deve-se notar que estes três elementos fazem parte dos anseios de todo ser humano em relação a este mundo: vida, bem-estar e prosperidade econômica. É precisamente com a intenção de realizar estes objetivos que nações e Estados são em geral estabelecidos. Na vida pública e privada dos filhos de Israel, porém, o Chamêts é banido durante o Pêssach de todas estas três áreas. Isto nos lembra simbolicamente que nossas vidas, bem-estar e afluência não estão baseados no princípio do Chamêts – o ego inflado que diz: “Minha força e o poder das minhas mãos trouxeram-me estas riquezas.” Pessoas que creem nisto perseguem estes objetivos a todo custo, como se eles mesmos fossem os fins. Nós, que sabemos dever tudo o que somos e temos a Deus, não os consideramos fins, mas meios para atingirmos nosso objetivo.
Trecho extraído do livro:
JUDAÍSMO PARA O SÉCULO 21
Aryeh Carmell
Páginas: 366
Editora Sêfer