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Pensamento Judaico

O judaísmo universal do Rabino Ury Cherki

Rabino Ury Cherki

O intelectual Rabino Ury Cherki apresenta o judaísmo como universal – e não cosmopolita –, e seu livro “Santidade & Natureza” está agora disponível em português.

Por Yeshaia Rosenman (Jerusalem Post)


O Rabino Ury Cherki é uma figura difícil de ser classificada. Ao observar a sua aparência rabínica, é possível supor corretamente que a sua essência está ligada à Yeshivat Mercaz HaRav, a principal e mais destacada instituição religiosa-sionista de Israel, fundada pelo saudoso primeiro rabino-chefe da Terra de Israel, o Rav Kook. Alguém um pouco mais sintonizado poderá conectá-lo ao seu filho Yair, o jovem e bem-informado jornalista para assuntos religiosos do Canal 12 da televisão israelense. Alguns podem questionar onde Yair adquiriu a sua atitude liberal e tolerante, especialmente devido aos círculos culturais tão conservadores do seu pai.

Mas o problema se torna mais agudo quando Cherki, de 63 anos, começa a falar. Em qualquer palestra, ele citará casualmente não apenas a literatura rabínica clássica usual, mas filósofos franceses, a cabala, intelectuais israelenses, ou mesmo pontos de vista relacionados ao ateísmo ou a credos islâmicos, se a discussão for para esse lado.

Ele é altamente estimado nos círculos rabínicos, mas os seus campos de interesse contrastam fortemente com qualquer ideal ultraortodoxo (charedi) de isolamento cultural e intelectual, algo que mesmo alguns rabinos sionistas-religiosos (dati-leumi) não rejeitam explicitamente. Muitos o consideram o principal intelectual do meio sionista-religioso e um dos poucos rabinos que sabe dialogar e enfrentar intelectuais seculares num debate. No YouTube, há uma abundância de material seu em hebraico, como a sua popular série de debates “O Rabino e o Professor”, com o Prof. Carlo Strenger.

Para o público falante de outras línguas, Cherki é um completo mistério tanto em estilo quanto em conteúdo. Percebendo isso, a sua organização sem fins lucrativos, Ourim, acaba de lançar as traduções para o francês, o inglês e agora o português – obviamente, junto à Editora Sêfer – do seu livro “Santidade &Natureza”, que se junta a seu “A Torá da Humanidade”, lançado pela Sêfer no primeiro semestre.

Cherki nasceu na Argélia. O seu pai era empresário e intelectual. Eles se mudaram para Paris quando Cherki tinha dois anos, e o seu pai se tornou ativono que mais tarde ficou conhecido como a Escola de Pensamento Judaico de Paris, um movimento de intelectuais religiosos que viam como sua missão reviver a vida e a identidade judaica na França após o Holocausto. Eles engajaram publicamente os filósofos existencialistas franceses e adotaram o sionismo. Muitas figuras importantes estiveram envolvidas, mas o movimento era liderado por três dos mais proeminentes pensadores da época na França: André Neher, Emmanuel Levinas e o Rabino Yehuda Léon Ashkenazi.

Este último, conhecido pelo apelido dos escoteiros judeus, “Manitu”, foi seu principal mentor, e Cherki admite abertamente que ele é a fonte da maior partedo seu pensamento.


Rabino Cherki, como o senhor caracterizaria a Escola de Paris? O que eles estavam tentando fazer e no que se diferenciavam de figuras religiosas intelectuais como o Rabino Joseph B. Soloveitchik ou o Rabino Jonathan Sacks?

A Escola de Paris estava investigando a identidade judaica, e acho que encontraram uma. Você está correto ao supor que todos os exemplos citados acima eram figuras intelectuais da Torá, mas existem diferenças gritantes. O Rabino Soloveitchik era lituano e um pensador existencialista, muito mais ocidental do que Manitu. Manitu era um cabalista, não apenas um romântico, mas um verdadeiro místico, e foi essa razão que o levou a fazer aliá. Vejo o Rabino Sacks como um apologista, defendendo a religião como porta-voz de uma minoria frágil.

O que estou tentando fazer é participar do que Manitu chamou de “etapa universal do judaísmo”, que ele colocava em oposição ao “cosmopolitismo”. Este último está apagando identidades particulares e sendo engolido pelo reino impessoal da razão, com conceitos como monoteísmo ético etc. Universalismo significa primeiro estar profundamente enraizado na Terra de Israel e nas lições do projeto de renovação sionista, e depois compartilhar ativamente com outras nações o que aprendemos com o nosso avivamento. O judaísmo não é uma confissão religiosa, ainda que no exílio tenhamos sido reduzidos a isso. Somos uma nação definida como tendo uma mensagem universal – “uma nação de sacerdotes” ou, como o Rabi Judá Halevi escreveu: “Israel é o coração dentro do corpo das nações.”


Qual é a nossa mensagem universal, que difere de outras tradições intelectuais com aspirações universalistas?

Eu poderia mencionar alguns pontos fundamentais. Por exemplo, o pensamento humanista ocidental coloca o homem no seu centro, seguindo as dicas de Protágoras, que fez do homem a medida de todas as coisas. O islã leva ao outro extremo e exige a completa submissão humana diante de Deus. O judaísmo postula que nem o homem nem Deus são o ponto focal exclusivo, mas sim, o diálogo entre o homem e Deus. Deus não abandonou o mundo aos seus artifícios. Ele busca uma parceria com o homem na sua atividade mundana e tem falado com o homem para esse propósito.

Outro ponto seria o que os cabalistas chamariam de ‘Unidade de Atributos’, significando a noção de que a fé judaica requer acreditar num conceito holístico de Deus que abrange todas as emoções e situações. Ele não é encontrado em apenas um atributo, como o amor cristão ou a severidade islâmica, mas num equilíbrio holístico de todas as emoções. Essa unidade é também a maneira como vemos as nações do mundo. Se cada cultura fosse de uma cor, a nossa cor seria a luz branca, uma cor que englobaria todas as culturas e identidades. Existem inúmeras identidades divergentes no mundo, mas uma verdade maior surge da totalidade delas. Os judeus foram exilados entre essas nações para “juntar centelhas sagradas”, elementos espirituais essenciais dentro dessas identidades e, ao retornar à Terra de Israel, estamos reunindo aqui o perfil humano completo, unindo a humanidade num quadro maior. Isso é monoteísmo num sentido verdadeiro e integral. O empreendimento sionista é o retorno da Shechiná, a Presença Divina, a Tsión, criando um novo modo espiritual no mundo. Esse é o sentido do sionismo de uma perspectiva teológica.


O que o senhor está tentando fazer com o seu livro recém-traduzido? Quem é o público-alvo?

Não acredito em um Homo Religiosus, um tipo de criatura religiosa que tenha experiências religiosas que os outros humanos comuns não tenham. Este livro é uma edição do material que escrevi anos atrás, mas acho que as perguntas que faço são perguntas que podem perturbar qualquer pessoa que reflita sobre a vida.

A sociedade moderna ligada à alta tecnologia, em sua maioria secular, é empreendedora por natureza e pode tentar direções que o público religioso talvez ainda não tenha desenvolvido totalmente. A religião organizada pode estar em declínio hoje em dia, mas as pessoas estão definitivamente em busca de significado e têm sede de espiritualidade, mesmo que ainda não possam saciá-la por meio da religião.


O que significa o título do livro “Santidade & Natureza”?

O conceito do Rabino Abraham Yits’chac Kook – o Rav Kook – de “santidade dentro da natureza” significa o seguinte: a Torá é um canal central para a santidade, mas não exclusivo. Há santidade na natureza também.

 

Foto: Rabino Abraham Yits’chac Hacohen Kook – o Rav Kook (lê-se: Cuc)

Historicamente, a Torá desconfia da natureza e dos instintos naturais, pois estes estavam associados ao paganismo e ao pecado. Isso é o que Nietzsche quis dizer quando afirmou que a religião era a moralidade escrava que subjugava o espírito humano.

A ascensão do secularismo no povo judeu foi o ponto da virada. Os judeus seculares, com a sua abordagem livre e natural do mundo, estão instintivamente exigindo a santidade por meio da natureza e se recusam a se contentar com a santidade tradicional, religiosa.

A solução Übermensch (“além-homem”) de Nietzsche foi, obviamente, um desastre. O que o Rav Kook queria era uma eventual reconciliação entre tradição e natureza, algo que ele acreditava que os judeus só alcançariam na Terra de Israel. Essa seria uma modalidade religiosa cheia de vitalidade, despida da visão sombria que a natureza possuía no exílio. Como disseram os sábios: “Neste mundo, eu lhes dei a Torá; no final dos dias, porém, eu lhes darei a Vida.”


Muitos associam os ensinamentos do Rav Kook ao nacionalismo em vez do universalismo.

Eles estão simplesmente enganados. Qualquer leitor pode ver com os seus próprios olhos que o Rav Kook tem inúmeras passagens com temas universalistas, e até mesmo o próprio nacionalismo judaico tem um objetivo final que é universal.


O que o seu livro tem a dizer aos judeus da diáspora?

Quero que eles saibam que o judaísmo tem o seu próprio caminho espiritual e intelectual independente e que esse caminho é relevante para a vida deles e está intrinsecamente ligado ao projeto sionista. Muitos judeus falam de estagnação no mundo rabínico, mas quero que eles saibam que, se buscarem seriamente por rejuvenescimento espiritual no judaísmo, eles o encontrarão.

 


 

CONHEÇA ALGUMAS OBRAS DO RABINO URY CHERKI

A Torá da Humanidade
Fruto de aulas ministradas a diferentes plateias – tanto judaicas quanto não judaicas -, os textos desta obra têm o intuito de mostrar que o judaísmo é um corpo de conhecimentos completo e relevante para o mundo em que vivemos e seus incontáveis questionamentos. O livro trata do significado da vida e da História, moralidade, a essência da alma, os mandamentos, a Torá Escrita e Oral, a Terra de Israel e o propósito de Israel entre as nações.
Brit Shalom – Leis Práticas para Bnei Noach
Breve e condensado livro de leis – uma espécie de Código da Lei Judaica – que trata das principais leis concernentes aos membros de todos os povos que se definem como Bnei Noach – Filhos de Noé, ratificado pelos principais rabinos de Israel e já traduzido para vários idiomas em todo o mundo. Do mesmo autor de “A Torá da Humanidade – A mensagem universal do judaísmo”.
Santidade & Natureza
Apresenta, de maneira aprofundada, embasada e abrangente, a visão do judaísmo sobre temas como ambientalismo, vegetarianismo, secularismo e muitos outros – os quais ocupam lugar de destaque na sociedade moderna. Ao ser apresentado a cada tópico, o leitor é convidado a conhecer as diferentes abordagens existentes em relação aos assuntos tratados, de modo que possa estudá-los de forma imparcial e lúcida. No mínimo, o leitor aprenderá a pensar.

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