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Pensamento Judaico

Por que o livro “O Cuzarí” é tão citado nos livros judaicos modernos?

Escrito pelo poeta e filósofo Judá Halevi há quase 900 anos e inserido na disputa religiosa do século XII com o cristianismo e o islamismo, o autor nada mais fez do que buscar mostrar a excelência do judaísmo sobre as demais. O formato do livro é diferente, pois foi construído como um diálogo entre um rei não judeu e um rabino. Os temas são desenvolvidos passo a passo, de modo didático, o que permite ao leitor compreender as ideias apresentadas.

Um novo caminho no pensamento filosófico-religioso judaico foi iniciado pelo poeta filósofo Judá Halevi, de Toledo (c. 1085-1140). Enquanto os seus predecessores se preocupavam com a defesa do judaísmo, ou da religião em geral, contra os ataques de uma filosofia nacionalista, Judá Halevi procurou demonstrar a excelência do judaísmo sobre as suas religiões rivais, cristianismo e islamismo. Esta tarefa ele iniciou com o seu Cuzarí, originalmente escrito em árabe, que tem como subtítulo: “Um Livro de Argumentos e Demonstração em Ajuda da Fé Desprezada”. A obra é escrita em forma de diálogo entre um erudito judeu e o rei dos cazáres (uma tribo tártara do Volga) que, juntamente com o seu povo, abraçou o judaísmo no século VIII.

Halevi, ao querer provar a sua tese, foi o primeiro a distinguir entre os respectivos âmbitos da filosofia e da revelação, ou, como ele diz, “entre o Deus de Aristóteles e o Deus Abrahão” (4:16). O mais que a filosofia podia fazer era apresentar provas convincentes da existência de um deus, um dirigente, um organizador do mundo. Mas tudo isto não toca na borda da religião, que insiste na existência de uma íntima ligação entre homem e Deus. Contudo, tal relação, sendo essencialmente pessoal, somente pode ser o resultado de uma experiência, de uma iluminação íntima, de uma revelação.


O Cuzarí
Autor: Iehuda Halevi
Editora Sêfer
Páginas: 296

Na busca pelo caminho certo a seguir, o rei dos cazares convida representantes de várias religiões a fim de escolher a mais adequada de todas. Como todos mencionam negativamente o judaísmo, ele acaba convocando também um sábio judeu com quem passa a dialogar e a descobrir os mistérios da fé judaica. Este é o tema desta obra-prima da literatura clássica judaica, O Cuzarí, do Rabino Iehuda Halevi, erudito que viveu na conturbada Espanha do séc. XI.


Ao mesmo tempo, em todas as afirmações de revelação feitas por um indivíduo, há sempre uma certa suspeita de subjetivismo, de autoilusão e auto alucinação. Mas isto não pode aplicar-se a uma revelação em que toda uma nação se encontra envolvida. Tal revelação foi feita a Israel no monte Sinai. Não foi para um só indivíduo que a Voz falou no Sinai, mas a todo um povo. A revelação sináica torna-se assim, para Halevi, a única fundação e fonte inatacável de todo o conhecimento religioso e a garantia da supremacia da verdade da fé de Israel.

Israel é assim, predominantemente, o povo da revelação, o povo da profecia. É isto que constitui a seleção Divina de Israel. Esta seleção de Israel nada tem de anômalo em si; nada mais temos nela do que uma das manifestações do processo Divino de seleção que, aplicado à natureza, dá origem aos principais reinos que a existência está dividida – mineral, vegetal, animal e humano. Da mesma forma, há um processo seletivo no reino do homem pelo qual certos indivíduos ficam dotados de uma faculdade Divina especial, o espírito profético que lhes permite entrar em comunicação com Deus.

Esta Divina faculdade, que Halevi designa por “Inián haelohi” (“Coisa Divina”), foi primeiro implantada por Deus em Adão, a criação direta da Sua mão, que a transmitiu por hereditariedade através de uma cadeia inalterada de indivíduos escolhidos entre os seus descendentes, até chegar aos filhos de Jacob, de quem passou a toda a comunidade de Israel.

Em virtude desta faculdade hereditária, Israel foi selecionado por Deus para ser o Povo da Profecia, e todo o judeu possui, pelo menos potencialmente, este dom, e é assim capaz das mais elevadas realizações religiosas. Mas esta faculdade, como todas as outras faculdades hereditárias, é influenciada pela natureza e pelas condições físicas ambientais. É aqui que a influência da Torá e da Terra Santa entram em cena. Os mandamentos da Torá, especialmente os rituais, são considerados por Halevi como sacramentais, ou seja, servem como canais para a passagem das energias espirituais, capazes de provocar a atividade da Coisa Divina no devoto. Como tal, fornecem o alimento metódico para o desenvolvimento da faculdade Divina e para o aparecimento do espírito profético. Do mesmo modo, a Terra Santa, “o ar que torna uma pessoa sábia”, tem uma qualidade sacramental e fornece assim o ambiente físico. Associada à Torá e à Terra Santa está a língua hebraica que, pela sua peculiar estrutura e beleza de expressão, é o meio mais apropriado para a comunicação do espírito profético.

Estas ideias parecerão nacionalistas. Contudo, Judá Halevi era essencialmente universalista na sua perspectiva. Para ele, a seleção de Israel não é mais do que a escolha universal do gênero humano por Deus. “Israel” – declara ele – “é o coração das nações”, preenchendo a mesma função no mundo que o coração no corpo do homem (Cuzarí 2:36 e Seg.). É o povo mais sensível às aflições e sofrimentos do mundo, fornecendo ao mesmo tempo à humanidade civilizada o seu sangue moral e espiritual. Como Israel, todas as outras nações estão possuídas desta faculdade profética, embora no seu caso em menor grau. Mas no reino messiânico, cada nação atingirá o mesmo grau de vida espiritual que é agora dado a Israel, amadurecendo no fruto do qual Israel é a raiz.

Todos estes pensamentos sublimes foram expressos por Halevi, considerado o maior poeta desde a Bíblia, nos seus poemas, muitos destes recebidos na liturgia da sinagoga. Mas foi nas suas gloriosas “Canções de Tsión” que Halevi transborda em genialidade. Alguns dos mais magníficos destes cânticos de incomparável esplendor e arrebatadora beleza são ainda hoje entoados nas congregações judaicas ao redor do mundo no dia 9 de Av e nunca deixam de elevar as esperanças dos enlutados. O amor de Tsión era a paixão que dominava Halevi e foi sob o seu domínio que ele decidiu, sem olhar os perigos e durezas da viagem, fazer uma peregrinação a Jerusalém, junto de cujas muralhas, diz-se, encontrou a morte. Ao ajoelhar-se para beijar o solo sagrado, um cavaleiro árabe que galopava saindo do Portão, colheu-o.


Extraído do livro BREVE HISTÓRIA DO JUDAÍSMOdo Rabino Isidore Epstein.
Descrição concisa e inteligente da origem e desenvolvimento dos ensinamentos, práticas, pensamento filosófico e doutrinas místicas da religião e moral judaicas ao longo de 4.000 anos de história dos judeus.

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