Brevíssima coletânea de comentários sobre o início da porção TOLEDOT extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer.
Gênesis, Capítulo 25
19 E estas são as gerações de Isaac, filho de Abrahão – Abrahão gerou a Isaac. 20 E Isaac estava com 40 anos de idade ao tomar a Rebeca, filha de Betuel, o Arameu, de Padán-Aram, irmã de Labão, o Arameu, para ele, por mulher. 21 E Isaac orou ao Eterno no que concernia à sua mulher, porque ela era estéril; e o Eterno atendeu e Rebeca, sua mulher, concebeu. 22 E os filhos se moviam violentamente um contra o outro no seu ventre; e ela disse: Se é assim, porque desejei isso, eu? – e foi consultar o Eterno. 23 E o Eterno disse-lhe: “Duas nações há no teu ventre e dois estados de tuas entranhas se dividirão; um Estado, mais que outro Estado, se fortalecerá, e o maior servirá o menor.” 24 E cumpriram-se seus dias para dar à luz, e eis que havia gêmeos no seu ventre. 25 E saiu o primeiro, avermelhado, todo ele como se vestido de pelo, e chamaram seu nome Esaú [Essáv]. 26 E depois saiu seu irmão, e sua mão agarrava o calcanhar de Esaú; e chamou seu nome Jacob [Iaacóv]. E Isaac tinha 60 anos de idade ao dar à luz (Rebeca) a eles.
27 E os moços cresceram, e Esaú tornou-se um perito caçador, homem do campo, e Jacob, um homem íntegro, que habitava em tendas. 28 E Isaac amava a Esaú, porque ele também era um caçador com a sua boca, e Rebeca amava a Jacob.
- Abrahão gerou a Isaac. Devido à menção inicial deste versículo sobre “Isaac, filho de Abrahão”, a finalização que nos informa que “Abrahão gerou a Isaac” soa redundante – e de fato diversos comentaristas apontam isso. Entretanto, tendo em vista que o versículo seguinte se ocupará de detalhar a ascendência de Rebeca, não devemos nos surpreender que o texto reitere e deixe bem claro que “Abrahão gerou a Isaac”, de modo a indicar que todas as diferenças entre Isaac e Rebeca expostas detalhadamente na sequência desse relato derivavam essencialmente da diferença de origem do casal, conforme explicaremos a seguir.
- E Isaac estava com 40 anos de idade. Isaac tinha 40 anos quando se casou com Rebeca. Com efeito, há tempos Abrahão ansiava por encontrar uma mulher que fosse virtuosa o bastante para se tornar a sua nora, e apesar de ser velho e não saber o dia de sua morte, Abrahão decidiu esperar que o seu filho completasse 40 anos para que viesse a se casar. Essa demora devia-se ao entendimento de que Isaac apenas deveria se casar quando o seu o caráter estivesse completamente formado e fortalecido, tendo atingido à plena maturidade e alcançado sua total independência a ponto de servir como base espiritual da sua esposa e da sua família, não menos do que o pilar de sua família no âmbito material.
Não foi por outro motivo que a noiva escolhida era extremamente jovem senão para que pudesse absorver toda a influência do espírito de Abrahão, e como os nossos sábios ensinaram, Rebeca tinha apenas três anos quando se tornou a noiva de Isaac. E de fato, a tenra idade de Rebeca também foi aludida por um versículo acima (24:16) em que o termo naará (moça) foi grafado com uma letra a menos, indicando que Rebeca ainda não havia chegado à maturidade de uma moça, seja por sua idade, seja por aspectos biológicos que ainda não haviam se desenvolvido.
filha de Betuel, o Arameu, de Padán-Aram, irmã de Labão. Apesar de já termos tomado ciência sobre as diferenças de Rebeca para com as pessoas que gravitavam à sua volta, este versículo as reafirma ao citar a sua origem familiar e geográfica. Num comparativo com Isaac, quando a Escritura citou a sua origem não foi necessário dizer nada além de que era filho de Abrahão; afinal, tratava-se de um pai muito presente e que não media esforços para que seu filho se tornasse um legítimo herdeiro do seu espírito, como de fato Isaac de tornou. Em suma, Isaac não teve outra influência além de seu pai. Rebeca, por sua vez, em que pesem as suas grandes virtudes, havia nascido em Aram e era a filha de um Arameu por excelência, com todas as implicações que isso envolvia.
Sendo assim, a realização do casamento de Isaac e Rebeca poderia suscitar algumas dúvidas acerca da qualidade dos filhos que seriam gerados por tal matrimônio, principalmente se levarmos em conta o que foi dito pelos nossos sábios (TB Babá Batrá 110a), de “que a maioria dos filhos puxa o lado da mãe”. Por isso, o versículo trata de relembrar os detalhes biográficos do casal e nos fornece um subsídio que nos ajudará a entender as contradições que serão expostas no desenrolar dos acontecimentos. Assim, não ficaremos surpresos ao descobrir que, dada a ascendência da família materna, essa relação gerasse um filho como Esaú, do mesmo modo que o aparecimento de um filho como Jacob não poderá ser entendido sem algum estranhamento, mesmo e apesar de sua ascendência paterna.
- E Isaac orou. Pela proximidade que o termo vaietár (e orou) tem com o verbo lachtór (remar), entendemos que se trata de uma oração forte, ou, por assim dizer, mais do que buscar uma porta aberta, essa oração era capaz de romper os portões à sua frente, se assim fosse necessário. Em outras palavras, longe de ter sido uma oração protocolar, Isaac orou com todas as suas forças para que Rebeca fosse atendida.
no que concernia à sua mulher. Por 20 anos Isaac orou a Deus para que tivesse filhos com Rebeca. Ele certamente conhecia a profecia revelada a seu pai de que (21:12) “de Isaac será chamada a tua descendência”, e isso lhe dava um conforto e uma garantia de que viria a ter filhos no final das contas. Entretanto, com o passar do tempo, depois de uma espera tão demorada, Isaac começou a se perguntar se o problema não estava em Rebeca. Será que esse tempo de espera não significava uma mensagem do destino a lhe mostrar que, apesar das virtudes pessoais de sua esposa, era impossível que os herdeiros de Abrahão nascessem do ventre da irmã de Labão? Assim, o foco da sua oração se dava “no que concernia à sua mulher”, ou seja, a oração dele era voltada principalmente a ela.
Enxergamos, pois, que além de toda a Casa de Israel ter sido fundada sobre as bases da bondade Divina, a continuidade dessa família se deu apenas graças à Providência Divina, que a acompanhou em cada passo do seu desenvolvimento. Como Sara, Rebeca também era estéril e não tinha como ter filhos pelos caminhos da natureza.
- E os filhos se moviam violentamente um contra o outro. O termo vaitrotsetsú vem da raiz de laruts (correr). Quando conjugado no singular dá a ideia de que a pessoa se apressou. Já no plural, como no nosso caso, indica que cada um dos filhos se apressava em direção ao outro, e que um não permitia que o outro descansasse.
Se é assim. Como a pontuação tradicional deste versículo une as palavras “se é assim” para formar uma sentença, entendemos que o seu significado é o seguinte: “e quando isso ocorreu”, ou seja, ao ter uma sensação estranha em seu ventre, Rebeca se perguntou o motivo de estar sentindo tais sensações.
e foi consultar. De acordo com a opinião dos nossos sábios (Bereshit Rabá 63:6), Rebeca foi se consultar com Sem e Éver, os portadores das tradições de Noé, para saber quais eram os desígnios Divinos de seus sofrimentos e suas dores.
- Duas nações (…) e dois estados. A menção aparentemente duplicada de “nações” e “estados” não deve ser explicada pelo princípio do paralelismo sintático que prevê a utilização de duas palavras distintas para expressar a mesma ideia, no que poderia ser um caminho fácil e confortável para interpretar esse versículo. Contudo, ao nosso ver, se nem uma pessoa respeitada deve se prestar a falar desta forma, quanto mais não devemos reputar tal conduta e tal forma de expressão ao Criador. Somente bêbados, e quiçá crianças, murmuram e repisam impensadamente sobre um mesmo assunto usando palavras diferentes para camuflar suas redundâncias.
Assim, cabe pontuar que goyím (nações) não é um mero sinônimo de leóm (Estado), pois não é sempre que um determinado povo acaba por constituir um Estado com as suas características. A Europa, por exemplo, apesar de conter muitos povos, a maior parte de seus países não possui o caráter específico de seus povos, à medida que adotam um sistema de funcionamento comum aos demais países do continente. Desta forma, Rebeca foi informada que carregava em seu ventre dois povos que haviam de representar duas doutrinas sociais diferentes. Um dos estados seria construído de acordo com o espírito da moralidade e da imagem e semelhança Divina presente no ser humano, enquanto o segundo seria erigido pela destreza e pela força, de modo que o espírito de um acabaria por se defrontar com a força do outro, e a moral de um acabaria rivalizando com o poder projetado pelo outro. Desde o dia de seu nascimento, cada um haveria de seguir o seu caminho e a sua tendência, necessariamente opostos, e como se estivessem numa gangorra, quando um estivesse em alta, o outro sucumbiria, e assim sucessivamente, com a gangorra jamais deixando de se mover, subindo e descendo, em favor de um lado ou de outro. A história é toda ela uma longa batalha para se auferir quem será o vitorioso na luta entre o livro e a espada, entre Jerusalém e Cesareia (TB Meguilá 6a).
o maior servirá o menor. Em nenhum lugar da Escritura o termo rav (maior) foi empregado para designar o mais velho em idade, mas sim, para indicar aquele que é maior em número e em força – em suma, o mais poderoso. No nosso caso, a profecia informava que, ao final, será descoberto que “o maior servirá o menor”. Assim, um dos irmãos aparentará ser o mais poderoso por um bom tempo, até que todos se darão conta de que ele apenas estava por aquecer o lugar destinado ao outro no púlpito da história. Este irmão há de reconhecer a vitória de seu oponente e de se submeter a ele por livre e espontânea vontade, haja vista que não será exterminado, mas apenas passará a ter o objetivo de respeitar o seu antigo contendor. Portanto, o desenrolar da história há de trazer o dia em que o portador do espírito e da moral sairá desta batalha com uma vitória definitiva.
- e eis que havia gêmeos. Em geral, o emprego do termo “eis” expressa algum grau de surpresa e novidade ao que se segue no relato. Neste caso, contudo, já era sabido que Rebeca estava grávida de gêmeos, de modo que o nascimento dos gêmeos não foi um fato surpreendente. Sendo assim, não temos como interpretar que a expressão “e eis” esteja se referindo ao próprio nascimento dos gêmeos como se tratasse de algo inesperado, mas justamente pelo contrário: na verdade, todos sabiam que Rebeca estava grávida de gêmeos muito desiguais e contrastantes, a ponto de todos imaginarem que eles também seriam diferentes em suas fisionomias, o que por vezes acontece mesmo em irmãos gêmeos. Para a surpresa de todos, entretanto, “eis que havia gêmeos” e eles eram muito parecidos um com o outro. Isso pode explicar a forma como o termo “gêmeos” foi grafado no original com a omissão de uma letra álef, tornando a palavra próxima do termo “íntegros” (tamim), a fim de indicar uma total semelhança entre os irmãos. A única diferença entre eles residia no estado de seus corpos, pois um deles parecia ter nascido mais pronto e mais saudável que o outro.
Esta semelhança nas aparências não coadunava com a profecia sobre os caminhos opostos que seriam tomados por cada um desses filhos, profecia esta que não poderia ser esquecida por quem estava destinado a educar aquelas crianças, e a semelhança externa não poderia camuflar as diferenças ocultas nas profundezas de suas personalidades e que seriam determinantes no desenrolar de suas trajetórias. Era necessário que os pais acessassem, ainda num estágio bastante preliminar, quais eram as reais características dos seus filhos – tão parecidos na aparência, tão diferentes internamente.
Sobre a etimologia do termo teomím (gêmeos), é possível que venha da mesma raiz de im (se) e ém (mãe), que expressam em comum a ideia de uma condição impeditiva, uma vez que um filho existe apenas “se” ele tiver uma “mãe”. Sendo assim, podemos entender que o idioma nos demonstra como irmãos gêmeos tendem a ter um grau de dependência muito acentuado um com o outro. Também pudera: eles saem de uma mesma fonte, são alimentados juntamente e recebem as suas provisões em igualdade de condições e circunstâncias temporais.
- avermelhado. Isso quer dizer que este menino tinha as bochechas rosadas, sinalizando uma abundância de saúde. Além disso, Esaú nasceu peludo, o que era mais um sintoma de que era dotado de um excesso de energia e vitalidade que lhe propiciava o aparecimento prematuro de pelos. No caso, o excedente de vitalidade em Esaú era tão grande que todo seu corpo nasceu coberto de pelugem. Por conta dessa característica, o versículo diz que “e chamaram seu nome Esaú” para assim informar que todos que o viam o nomeavam de Esaú (Essáv), da raiz de assá (fez), expressando o maravilhamento de se depararem com um recém-nascido que veio ao mundo já feito, coberto de pelos e pronto para viver e prosperar no mundo.
- e chamou. Enquanto o primeiro filho ganhou o seu nome de todos que o viam e daí “chamaram seu nome de Esaú”, Jacob foi assim nomeado exclusivamente por seu pai, como ficou demonstrado pela flexão singular do verbo “e chamou”. Nenhum dos presentes além de Isaac se atentou ao que se passava no nascimento de Jacob. O menino parecia idêntico a seu irmão, mas havia alguns detalhes que revelavam um claro contraste entre eles. Enquanto a singularidade de Esaú residia em sua personalidade, a singularidade de Jacob vinha à tona por seus atos e posicionamentos. Isaac chamou o segundo filho de Iaacóv (Jacob), da raiz de ékev (calcanhar, acompanhar), com o verbo flexionado para o futuro, prevendo que inicialmente aquele menino daria a dianteira a seu irmão, mas sem deixar de acompanhá-lo, para eventualmente alcançá-lo e superá-lo; este pequeno, mais fraco, chegaria em primeiro lugar no final.
- E os moços cresceram. Os nossos sábios pontuaram sobre essas palavras que “Ninguém se atentava aos atos de Jacob e Esaú enquanto eram pequenos, mas quando completaram 13 anos e atingiram a maioridade, um seguia para a casa de estudos e o outro à prática da idolatria”. Ou seja, só depois que “os moços cresceram” e que cada um tomou um caminho bem distante do outro foi que as pessoas passaram a notar as diferenças que permeavam a personalidade de cada um deles desde o nascimento deles.
Desta forma, em que pese a tendência natural de cada um dos filhos, é possível concluir que a educação de Jacob e Esaú não foi livre de falhas pedagógicas, haja vista que os próprios pais só perceberam que o caminho dos irmãos era antagônico depois que “os moços cresceram”.
Uma vez que os pais desses irmãos eram Isaac e Rebeca, não custa ressaltarmos, numa breve digressão, que o comentário dos nossos sábios, mesmo que de forma sutil, não escapa à sua característica geral de apontar erros e equívocos, grandes ou pequenos, cometidos pelos nossos antepassados. E é dessa forma, ao buscar o aprendizado que pode ser extraído de cada uma das passagens observadas, que eles prestam o seu respeito e a sua honra à Torá, como já nos alongamos (12:10-13) a respeito.
De toda forma, retornando ao nosso caso, quando os irmãos nasceram e se mostraram muito parecidos um com o outro, conforme explicamos acima (versículo 24), todos pensaram que a profecia de Sem e Éver, que anunciava uma grande diferença de comportamento entre eles, havia se expirado na suposição de que a semelhança externa deles se refletiria também na interna, e que essa haveria de se aprofundar à medida que ambos recebessem a mesma criação e a mesma educação.
Entretanto, aqui estava o erro: cada criança precisa ser direcionada a um caminho que atenda às características e inclinações que lhe são próprias e específicas, a fim de que seja educada como um ser humano e como um judeu. Fundamentalmente, a missão judaica tem um único destino, mas os caminhos para realizá-la são muitos, de acordo com os diferentes recursos que cada pessoa possui. Desta forma, quando os filhos de Jacob se reuniram para escutar a bênção de seu pai que estava prestes a falecer, o patriarca viu diante de si toda uma nação composta por várias categorias e classes sociais, para muito além de sacerdotes e sábios, de modo que (adiante 49:28) “a cada um segundo sua bênção, os abençoou”, compreendendo as diferenças e as particularidades de cada um. Uma vez que a nação tem o objetivo de se formar e de se completar em toda a sua complexidade e diversidade, abarcando todas as formas de vida necessárias para que o povo seja forte e saudável, é preciso que todos os tipos as pessoas sejam contempladas e educadas em suas diferenças para tomarem parte no objetivo comum da nação.
Tendo em vista esta máxima de que deve-se educar cada criança de acordo com o seu caminho, podemos presumir que uma realidade em que o aluno Jacob se senta ao lado de Esaú num mesmo banco escolar não tende a ser bem-sucedida: seriam grandes as chances que acontecesse a evasão escolar de um dos dois. No caso, “Jacob” continuaria a galgar níveis cada vez mais altos em seus estudos enquanto “Esaú” contaria as horas e os dias para se ver livre e largar aqueles antigos que o perturbavam e deixar para trás definitivamente uma missão de vida que lhe era imposta de modo autoritário e unilateral contra a sua natureza e inclinação.
Se porventura Isaac e Rebeca tivessem investigado a fundo a natureza de Esaú, e acaso tivessem se questionado num estágio inicial como canalizar as capacidades de Esaú para o serviço Divino, eis que Esaú poderia ser um “valente caçador diante do Eterno” (Gênesis 10:9) e não um mero “valente caçador”. Nesse cenário, Esaú poderia se manter como um irmão gêmeo de Jacob, a despeito de suas diferenças de temperamento, e estarem juntos em seus espíritos e em seus caminhos. O que poderia acontecer se a espada de Esaú estivesse desde sempre aliada ao espírito de Jacob, ninguém pode saber, mas certamente seriam outros os rumos da história!
Mas não foi isso que ocorreu: “E os moços cresceram”, e só então todos se deram conta de como seus caminhos eram distintos, apesar de e por causa de terem recebido exatamente a mesma educação e as mesmas diretrizes.
perito caçador, homem do campo. De forma contraintuitiva, a expressão “perito caçador” veio descrever o caráter e a natureza de Esaú, ao passo que a menção de que era um “homem do campo” veio indicar a sua ocupação – e não o contrário. Conforme explicamos acima (10:9) em relação a Nimrod, um notório caçador, que poderia ser considerado o pai espiritual de Esaú, o termo tsód (caça) é próximo de sód (segredo), e essa proximidade sugere um significado: do mesmo modo que o caçador não pode expor o seu objetivo sob pena de perder a sua presa, o dono de um segredo sempre possui um objetivo que será levado a cabo no momento apropriado. Desta forma, a verdadeira arte do caçador é ludibriar as pessoas para atingir seus propósitos, escondendo seus objetivos e seus meios para tanto; aliás, em outro campo, essa arte é conhecida pela alcunha de “diplomacia”.
Esaú era um caçador gabaritado. Ele conhecia a arte do autocontrole e era mestre em preparar armadilhas, para então esperar pacientemente o momento certo do ataque. Nesse sentido, a educação recebida por ele, tão dissonante de sua característica, apenas reprimiu a sua verdadeira natureza, e foi justamente a vivência desta dissonância que o ensinou a ter a paciência e a capacidade de esperar o momento exato para suas investidas. Estes foram os motivos que o levaram a ser um “homem do campo”, tamanha era a sua aversão à casa de estudos e a tudo que remetia a esse ambiente de aprendizado formal.
homem íntegro, que habitava em tendas. Em seu turno, Jacob tinha a natureza de um “homem íntegro” e isso o levava a “habitar em tendas”. Ele buscava apenas um objetivo e conhecia apenas uma direção, e a eles se entregava completamente. Jacob tentava cumprir plenamente a missão que lhe fora dada, como filho de Isaac e neto de Abrahão, e por isso ele se tornou uma pessoa que “habitava em tendas”. E mesmo estando voltado a propagar e a viver uma vida devotada ao estudo da Torá e ao cumprimento das boas ações, Jacob não deixava de estar envolvido com a sociedade e seus objetivos.
- E Isaac amava a Esaú (…) e Rebeca amava a Jacob. Um dos fatores que deve ter interferido negativamente na criação desses meninos foi provavelmente a divergência de sentimentos nutridos por parte de Isaac e Rebeca em relação aos seus filhos. Como sabemos, dentre as condições fundamentais para que se obtenha sucesso na criação dos filhos está a necessidade de haver uma sintonia fina entre os pontos de vista dos pais quanto às características e às necessidades de seus filhos. Igualmente, é muito importante que os pais dispensem os mesmos tipos de sentimentos a todos os filhos por igual, principalmente àqueles que apresentam problemas em suas virtudes, pois estes demandam mais amor e entrega por parte dos pais do que se estivessem enfermos fisicamente.
No presente caso, não há dúvida de que é possível entender que a inclinação de Isaac por Esaú e a de Rebeca por Jacob se dava pela atração sentida pelos opostos. Isaac, um “sacrifício completo” e que tendia a se afastar do ruído mundano, sentia-se atraído pela natureza ousada e enérgica de Esaú, o que alimentava uma admiração à capacidade e potência de seu filho, que o faria superar o seu próprio alcance no desempenho do papel de bastião da sua casa. Por sua vez, como filha de uma família de pessoas muito materialistas, Rebeca enxergava em Jacob a imagem de uma pessoa perfeita e que incorporava um estilo de vida que ela jamais havia conhecido na casa dos seus pais. Apesar de as inclinações de Isaac e Rebeca serem perfeitamente entendíveis, os pais não devem permitir que sentimentos difusos e contraditórios ditem a forma e o conteúdo de suas abordagens educacionais e pedagógicas.
porque ele também era um caçador com a sua boca. O sentido literal das palavras ki tsaid befiv (a caça estava em sua boca) dá a entender que Esaú tinha o hábito de se vangloriar por suas caças e aventuras correlatas e que tais histórias acabavam atraindo a atenção do seu pai. Alternativamente, é possível interpretar, e foi assim que traduzimos, que estas palavras vieram para informar que Esaú “também era um caçador com a sua boca” pelo modo como lançava mão de seus artifícios e de sua destreza como caçador para manipular as pessoas com suas palavras, como fizera com seu pai. E como o versículo não justifica o amor de Rebeca por Jacob, entendemos que era um amor genuíno e que florescia de forma natural e, portanto, Jacob não tinha a necessidade de convencê-la ou de conquistar o seu apreço já que ela gostava da própria personalidade dele.
Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção TOLEDOT extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.