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Parashá Semanal - Leitura da Torá

O real valor dos sacrifícios

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Nôach extraída da obra torá interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer

 

Gênesis, Capítulo 8

20 E Noé construiu um altar ao Eterno, e tomou de todo animal puro e de toda ave pura, e ofereceu ofertas de elevação no altar. 21 E o Eterno sentiu a expressão de obediência, e o Eterno disse para Si: “Não tornarei mais a maldizer a terra por causa do homem, mesmo quando a imaginação do coração do homem é má desde sua mocidade; e não mais tornarei a ferir todo ser vivo como fiz. 22 Os dias da terra subsistirão para sempre; sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite – não cessarão.”

 

  1. E Noé construiu um altar. Este versículo é o primeiro a citar os conceitos de “altar” e “ofertas de elevação”. No decorrer desta passagem ficou demonstrado o real valor dos sacrifícios, uma vez que foi dito, na sequência, que todo o desenvolvimento da terra e da humanidade é resultado e consequência da oferta oferecida por Noé ao sair de sua arca. Igualmente, esta passagem desmente a opinião dos que desvirtuam e se opõem à ideia dos sacrifícios.

Sobre isso, é preciso entender o seguinte: como Noé, que tratou de zelar e cuidar destes animais durante um ano inteiro, pôde oferecê-los como oferenda logo após a salvação do Dilúvio? E ainda, será que podemos desvendar o intento de Noé ao construir um altar e oferecer nele os seus sacrifícios? O que ele tentou expressar por meio desse ato que teve consequências tão importantes no decorrer da história?

As respostas a estas perguntas se encontram a partir de uma premissa mencionada em vários versículos: o altar é uma construção erigida necessariamente por seres humanos e que, de modo simbólico, serve para elevar a terra aos céus. É pela ótica dessa premissa que são explicados os motivos de algumas das leis que caracterizam a concepção judaica do Santuário e dos sacrifícios, e que é diferente da concepção observada pelos demais povos descendentes de Noé. A título de exemplo, somente podemos sacrificar sobre um altar construído de várias pedras, sendo vedado o sacrifício sobre um altar de apenas uma pedra em seu formato natural, ou, dito de outra forma, somos expressamente ordenados a erigir um altar. No mesmo sentido, o nosso altar não pode ser construído sobre vigas que o suspendam sobre a terra, já que foi dito (Êxodo 20:20): “Um altar de terra farás para Mim”, porque o altar deve estar ligado à terra como se dela continuasse e fosse a sua extensão. Desta feita, uma vez que o altar simboliza a elevação da terra aos céus, ele não pode estar desprovido de um contato direto com a terra. E sendo previsto que a elevação da terra tem de ser realizada por um ato humano, o altar não pode ser formado por uma única pedra em seu formato natural, pois assim o sacrifício ficaria retido ao nível da natureza, deixando de ascender e elevar a terra aos céus. Por sua vez, o altar que é devidamente construído pelo ser humano simboliza a pessoa que se suplanta sobre a natureza, elevando-se através de seu gesto a um nível de liberdade que o levará a Deus. E assim, de fato, ao construir um altar sobre a terra, após Deus tê-la concedido novamente, Noé santificou toda ela e a transformou num Santuário.

Os demais povos, quando buscam se aproximar de Deus, abandonam as fronteiras habitadas pelos seres humanos para se refugiarem na natureza, pensando que apenas ali podem encontrar o Sagrado. No entanto, segundo o que acreditamos, é claro que Deus também Se encontra na natureza, mas o principal de Sua Presença reside entre as fronteiras da vivência humana, onde o Seu amor é majoritariamente revelado, enquanto a natureza prima em refletir apenas as Suas severidades. Por isso, o altar construído por seres humanos é superior àquele oferecido pela natureza, e atingir tudo isso foi o real intento de Noé.

ao Eterno. O nome Divino empregado neste versículo é o Tetragrama, associado ao atributo de piedade e de misericórdia. Assim, embora os sacrifícios sejam consumidos pelo fogo, entendemos que os mesmos devem ser endereçados à característica do Divino que prima pela vida, e não pela destruição; à fonte da vida, à fonte de toda existência futura e que está pronta a conceder novas vidas, forças e um novo futuro.

Na verdade, de modo simbólico, o ser humano sacrifica a si mesmo para Deus, por meio do sacrifício de um animal, para assim se santificar e se elevar a uma vida sagrada, mesmo estando sobre a terra. De modo ilustrativo, a liturgia do sacrifício animal prevê que a pessoa apoie suas mãos sobre o sacrifício e, após o abate, que recolha o sangue dele e o despeje sobre o altar, entregando ao fogo a cabeça, os rins e todos os órgãos dele. Desta forma, o signo deste ato é o oferecimento simbólico de seu próprio sangue, de suas forças, de seu intelecto – em suma, uma entrega completa e irrestrita ao fogo de Sua vontade, conforme foi expresso na Torá.

  1. E o Eterno sentiu a expressão de obediência. Em seu sentido literal, a oração presente neste versículo informa que Deus “sentiu o cheiro de suavidade” que exalava dos sacrifícios. No entanto, em nenhum outro lugar da Escritura o termo ha-nichôach, empregado neste versículo, denota o significado de alguma satisfação sensorial como o olfato. Logo, a nosso ver, o significado de nichôach é a satisfação de um pedido, o preenchimento de um anseio realizado por outrem. E sentir o “cheiro do nichôach” nada mais é que tomar nota acerca de uma obediência satisfatória, uma vez que o olfato é um dos meios que dispomos a fim de se perceber o que se passa à nossa volta.

Com efeito, a analogia empregada neste versículo indica a característica da impressão Divina que foi apurada, por assim dizer, a partir dos sacrifícios de Noé: uma impressão leve e delicada como costumam ser as impressões auferidas pelo olfato, menos eloquentes que as impressões obtidas pela visão, pelo tato e pela audição. Retornando ao que é sinalizado pela analogia, é possível dizer que o ato do sacrifício apenas expressa o “cheiro do nichôach”, a dizer, demonstra uma tênue e fugaz disposição de servir a Deus, não sendo, portanto, a obediência propriamente dita.

Para concluir, este é o único versículo da Escritura a adotar o artigo definido ha antes de nichôach, o que indica que todos os demais sacrifícios ensejam uma satisfação apenas parcial por parte de Deus. Não houve um indivíduo ou um coletivo de uma determinada época que pudesse cumprir a vontade Divina plenamente de modo a lograr “a satisfação Divina”, atingindo apenas algum nível de satisfação. Em seu turno, Noé esteve na vanguarda de toda a humanidade, acessando com o seu sacrifício tudo que a humanidade está destinada a alcançar apenas pelo conjunto de todas as gerações e pela soma de todas as boas iniciativas – a perfeição. Nesse sentido, o sacrifício de Noé incluiu todo esse conjunto de ações, e por isso foi dito que Deus “sentiu o cheiro do nichôach”.

e o Eterno disse para Si. Literalmente foi dito: “E o Eterno disse a Seu coração”. Conforme nos posicionamos acima (6:6), acreditamos que o uso de expressões antropomórficas pela Escritura é importante para aproximar o Divino à realidade humana, mesmo que estas figuras de linguagem possam vir a causar algum desentendimento sobre o fato de Deus não ser um corpo e não possuir a forma de um corpo; afinal, o dano de acreditarmos num Deus distante, frio e opaco é mais grave que eventuais desentendimentos que podem ser esclarecidos.

Na visão dos filósofos que há entre nós, entretanto, o mais indicado é que se ofusque o conceito do Divino, limitando-o a um conceito etéreo e celestial e afastando-o do entendimento da maioria das pessoas. Todavia, cada um de nós tem a obrigação de acreditar plenamente na persona Divina e no relacionamento individual que Ele tem com as criaturas. E, ao nosso ver, esta crença é mais importante do que as problematizações que envolvem conceitos sublimes, como a eternidade e a não materialização de Deus, conceitos que estão tão distantes da realidade de nossas vidas quanto os conceitos da álgebra, por exemplo.

No caso deste versículo, quando Deus “disse a Seu coração”, isso quer dizer que Deus conversou com toda sorte de sentimentos e afetos que se relacionam com os próximos, como os atributos de bondade e piedade. E neste contexto, ao dizer que “não mais tornarei a ferir todo ser vivo”, Deus está respondendo – e assentindo – ao clamor de Seus atributos em prol da subsistência do mundo e das pessoas.

Ainda, como os nossos sábios pontuaram (Bereshit Rabá 34:10), a linguagem do versículo “E o Eterno disse a Seu coração” deve ser notada, pois não foi dito que Deus “disse em Seu coração”, indicando a possibilidade de Ele Se relacionar com os sentimentos de forma saudável e altiva, dialogando com eles, sem ceder a eles a exclusividade da fala, deixando de submeter-Se a eles de forma desmedida e irrefreável, sem perder, por outro lado, a capacidade de Se sensibilizar com os sinais e prenúncios que apenas os sentimentos são capazes de evocar.

Não mais tornarei a maldizer a terra. A raiz de lecalel (maldizer) vem do termo cal (leve), que são respectivamente os opostos de “abençoar” e “pesado”. A bênção configura o desenvolvimento e o crescimento da criatura abençoada, que passa a conter mais quantidade e diversidade de matéria, ficando assim mais “pesada” e carregada. Já a criatura amaldiçoada tem o seu desenvolvimento brecado, diminuindo assim a sua contenção de matéria e se tornando mais leve e vazia.

Na narrativa do nosso versículo, somos informados que até esse ponto da história, Deus chegou a impedir o desenvolvimento da terra e da natureza “por causa do homem”, ou seja, em prol da educação, moralização e salvação espiritual do ser humano, como fizera nos tempos de Adão, Caim e no Dilúvio. Doravante, com a promessa expressa neste versículo, Deus não mais obstruirá o desenvolvimento da terra e não mais limitará o seu florescimento como meio de educar os seres humanos.

mesmo quando a imaginação do coração do homem é má. Houve entre os comentaristas quem interpretou que o motivo alegado por Deus para não mais maldizer a terra foi o que está dito neste versículo, ou seja, que “o iêtser (impulso, imaginação) do homem é mau desde a sua mocidade”. Acima, quando Deus decidiu impetrar o castigo do Dilúvio (versículo 6:5), o motivo empregado pelo versículo foi justamente o fato de que “E o Eterno viu que era grande a maldade do homem na terra, e que toda imaginação dos pensamentos do seu coração era todo dia exclusivamente má”.

Causa estranheza, portanto, que um mesmo fato seja apontado como motivo para castigo e, depois, como motivo para um salvo-conduto permanente. Para além disso, a nosso ver, essa interpretação acarreta uma série de perguntas. Estaria Deus a dizer que deveria poupar a terra de qualquer castigo desse porte porque o ser humano seria incapaz de ser educado uma vez que “a imaginação (iêtser) do coração do homem é má desde sua mocidade”? Um testemunho assim que inviabiliza toda a educação na terra não é apropriado à honra e à majestade de Deus! Outrossim, a construção sintática do versículo, no qual o argumento acerca do impulso humano está colocado como um aposto entre as duas partes da promessa de (1) não maldizer a terra e (2) não ferir todo ser vivo, indica que ele deve ser lido e interpretado de outra forma, e que as palavras sobre o iêtser do ser humano não vêm para justificar a decisão Divina.

Conforme explicamos acima (ibid.), a palavra iêtser não indica o impulso humano, e sim a imaginação e as aspirações do coração da pessoa. Assim, interpretamos o versículo: “Não tornarei mais a maldizer a terra” – mesmo quando o coração do homem regredir às suas más inclinações, mesmo sendo isto uma maldade que não o abandone desde a sua juventude, mesmo quando este não emite qualquer sinal de que possa melhorar, e o extermínio da geração pareça ser a única solução viável – “não mais tornarei a ferir todo ser vivo como fiz”.

desde sua mocidade. O sentido original do termo náar (jovem) vem de lenaer (sacudir, chacoalhar, retirar algo de si). Na juventude, a pessoa busca crescer e se desenvolver de acordo com o seu caminho. As impressões externas, tanto as boas quanto as ruins, não costumam ser retidas e absorvidas pelo jovem de modo permanente. A sua natureza tende a preservar o seu estado natural, sacudindo de si mesmo as influências externas. Daí a raiz da palavra náar (jovem), que não guarda qualquer relação com uma suposta maldade inata que seria própria dos jovens.

Contrariamos, portanto, a opinião de quem entende das palavras “desde sua mocidade” que os jovens são ruins. Na verdade, os jovens não são justos ou perversos por serem jovens, e pensar que um jovem é perverso por sua natureza pode acarretar consequências muito negativas. Quem se atenta ao comportamento das crianças há de admitir que essa percepção é incorreta. Em geral, a quantidade de adultos que buscam o mal é maior que a quantidade de jovens que se comporta desta forma. E embora haja jovens que pratiquem malfeitos em várias áreas, isso se dá porque ainda não aprenderam a condicionar a si mesmos ao jugo dos mandamentos. O autocontrole e o cumprimento de suas obrigações são entendidos por eles como se fossem um fardo a ser carregado, e ao ambicionar a liberdade, acabam sacudindo de si esse tipo de obrigação. De fato, é difícil superar e criar independência quanto às próprias vontades. Aliado a isso, a falta de maturidade traz consigo uma boa dose de teimosia.

Entretanto, essa teimosia juvenil pode ser um solo fértil para a personalidade moral que há de brotar no futuro adulto. Deus não escolheu os judeus por serem fáceis de sucumbir e de se submeterem ao sabor do vento predominante, e sim, porque fazem parte de um povo de teimosos. Era claro e conhecido diante de Deus que os judeus haveriam de superar a sua teimosia para optar pelo caminho certo, canalizando então a sua teimosia para bons propósitos. Desta feita, Deus implantou no coração de cada um a ambição pela liberdade para que, ao final, o ser humano insistisse e perseverasse na busca pelo bem. Inicialmente, essa independência se manifesta com o jovem sacudindo e expurgando de si o que lhe parece ser um fardo e uma imposição. Mais para frente, quando o jovem reconhece que o objetivo final da Torá é justamente a liberdade, e não as limitações, eis que o jovem se enche de seu entusiasmo característico e decide se entregar aos objetivos e ideais mais elevados.

Conforme observamos, é comum que os mais velhos caçoem e zombem das ambições ideológicas da juventude, dizendo que se trata de “sonhos juvenis”. No entanto, quando os próprios jovens apresentam os vícios e os pragmatismos dos mais velhos, entregando-se aos seus instintos e inclinações negativos e contrariando a ordem normal dos costumes, percebe-se que esta é uma geração desprovida de esperança. E a esperança, quando sequer é encontrada nos jovens, não é encontrada em mais ninguém. É este, portanto, o pano de fundo do nosso versículo: mesmo numa circunstância atípica em que até os jovens estejam corrompidos e viciados, Deus não irá amaldiçoar a terra, conforme prometeu.

  1. Os dias da terra subsistirão para sempre (…) verão e inverno. Muitos interpretaram este versículo como sendo uma promessa Divina de restabelecer a ordem natural que prevê os ciclos do dia e da noite e das quatro estações que haviam se alterado durante o Dilúvio. Esta interpretação conta com a premissa de que o período antediluviano continha as mesmas quatro estações que conhecemos hoje. No entanto, esta proposição não está de acordo com o que a nossa tradição versa a respeito. Segundo os nossos sábios (Bereshit Rabá 34:11), antes do Dilúvio, os campos não precisavam ser semeados por mais de uma vez num período de quarenta anos. Não havia estações; era sempre primavera. Eles contavam com um ar agradável como o que há entre Pêssach e Shavuót. O clima era uniforme e equilibrado em toda a Terra, que ainda não havia se separado em continentes, e as pessoas podiam passar brevemente de uma ponta à outra do mundo. De modo explícito, os nossos sábios reiteram que as estações do ano se iniciaram após o Dilúvio. Com bom humor, quando sentia algum incômodo em decorrência das mudanças climáticas, o sábio Shemuel bar Nachman costumava dizer: “Vejam o que a geração do Dilúvio nos causou!”

Assim, é plausível supor que o clima agradável e estável que havia no mundo contribuía para a corrupção do comportamento dos seres humanos. E assim pergunta o Midrash (ibid.): “O que provocou a revolta deles contra Mim, se não o fato de que semeavam e não colhiam, geravam filhos e não morriam?” Pelo que foi dito no final desta sentença, entende-se que o clima estável daquela época proporcionava a longevidade daquelas gerações, de modo que a implementação das estações do ano após o Dilúvio encurtou a vida humana.

As pesquisas e os estudos geológicos, físicos e geográficos corroboram com a admissão de que o estado da Terra era diferente antes do Dilúvio. Os vestígios e fósseis encontrados sugerem um padrão climático e estacional diverso do que temos hoje, bem como presumem que a formação dos continentes, oceanos, rios, montanhas e desertos, do modo que os conhecemos hoje, ocorreu num período posterior ao Dilúvio.

Os dias da terra subsistirão para sempre. Numa tradução literal, as palavras iniciais deste versículo significam “Ainda em todos os dias terra”. Entretanto, lendo essas palavras com o auxílio da pontuação legada pela tradição, a primeira oração deste versículo – “Os dias da terra subsistirão para sempre” – configura uma sentença por si só, descolando-se da continuação do versículo. Além disso, de acordo com o seu significado morfológico, a palavra ód tem o sentido de “continuar”, de modo que a mensagem deste versículo é a seguinte: findo o Dilúvio, e tendo Noé oferecido o seu sacrifício, o Eterno assevera que daqui em diante “os dias da terra subsistirão para sempre”.

sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno. Como mencionamos, a estabilidade climática do período antediluviano gerou um ambiente de tranquilidade para se ganhar a vida, ocasionando também a corrupção e a degradação da geração do Dilúvio. Assim, o advento das quatro estações, o frio e o calor, os períodos de plantio e colheita, um quadro geral de trocas e conversões, e mudanças constantes e imprevisíveis, aliadas às acentuadas diferenças encontradas entre um lugar e outro, acabaram por dificultar sobremaneira a vida do ser humano. A partir de então, o ser humano sempre se encontraria dependente de forças alheias a ele, sem poder ter alguma certeza quanto ao seu sustento e à realização de suas ambições. A própria expectativa de vida, devido a todas essas mudanças de condições, decaiu muito após o Dilúvio.

No entanto, toda essa nova ordem natural haveria de contribuir para que o ser humano não retornasse aos caminhos pecaminosos que causaram o Dilúvio, ocupando-o com a sua sobrevivência e limitando o alcance de suas ações e de sua existência. Neste contexto, o encurtamento da vida humana não deixa de ser um sinal de que o mal não pode imperar para sempre. Por pior e por mais forte que um tirano possa ser, por exemplo, ele não reinará por mais de cinquenta anos. Assim, tendo a vida menor duração, assegura-se uma alternância mais rápida entre as gerações, criando-se a brecha para que os jovens ocupem os mais diversos postos de influência no espaço público.

Do mesmo modo, a separação da terra seca em diferentes continentes, distantes o bastante para dificultar o acesso e o intercâmbio entre seus habitantes, também teve um papel importante para impedir a expansão do mal. De fato, historicamente, o mal e a corrupção foram impedidos de alcançar uma escala global justamente pelas barreiras geográficas que os limitaram às suas fronteiras. Apenas milhares de anos depois, o ser humano passou a superar gradualmente as distâncias e as barreiras por meios artificiais e fabricados.

Para além de suas consequências limitadoras, as conversões e mudanças geográficas que aconteceram após o Dilúvio originaram também toda a diversidade humana que conhecemos hoje, cada indivíduo e cada povo com as suas diferenças, que geram vantagens e desvantagens de acordo com os desafios e dificuldades impostos pelas circunstâncias do habitat natural de cada um

 

Torá Interpretada - Editora Sêfer

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Nôach extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.

Comentário

  • Maravilhoso! Que texto excelente! ??????????
    Vocês da Sefer são anjos! ❤❤ ? ❤❤

    Não se preocupem com aqueles que dizem que Deus não tem um corpo, eles dizem que Deus é algo e não alguém. Eles dizem que Deus trabalha, pensa, sente, planeja, executa projetos, mas não é pessoa. Antropocentrismo ateu: somente o homem tem direito a ser uma pessoa, Deus não pode ser ALGUÉM, porque transformando Deus em COISA, pensam que não prestarão contas a NINGUÉM (uma coisa é nada/ninguém). É uma exclusão social do Deus que a Torah ensina, e a inclusão do deus-coisa. O deus-coisa, deus-nada, deus-ninguém, é deus acadêmico que agrada a ciência. Outro fato é o deus-escravo: escravizaram os negros para que trabalhassem para eles dia e noite, mas eles não admitiam que os negros fossem pessoas, para eles, eram coisas. Do mesmo modo eles querem um deus-escravo que trabalhe dia e noite para eles, que os proteja, que os torne saudáveis e ricos, e mesmo assim não seja pessoa, seja coisa, uma coisa a quem não prestarão contas. De acordo com essa visão do deus-coisa, Deus não é o dono da Terra (pessoas são donas, coisas não podem ser donas de nada), isso faz que o dono da Terra seja o homem e que esteja livre para poluir e matar.

    Nunca viram a Deus, mas querem impor como é a forma de Deus. Para eles, Deus tem de ser do modo que o homem quer. Quem não tem forma, não tem direitos.

    Gratidão Sefer! ???

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