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Parashá Semanal - Leitura da Torá

Comunidade social

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Metsorá extraída da obra torá interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer

 

Levítico, Capítulo 14

1 E o Eterno falou a Moisés, dizendo: 2 “Esta será a lei do leproso no dia de sua purificação: Ele deverá ser trazido ao sacerdote. 3 E o sacerdote sairá do acampamento, e o sacerdote verá, e eis que a chaga da lepra foi curada do leproso. 4 E o sacerdote ordenará e tomará para aquele que vai ser purificado dois pássaros vivos, puros, e pau de cedro, carmesim e hissopo. 5 E o sacerdote ordenará, e degolará um pássaro num utensílio de barro sobre águas de uma nascente. 6 E tomará ao pássaro vivo, ao pau de cedro, ao carmesim e ao hissopo, e os molhará, juntamente com o pássaro vivo, no sangue do pássaro degolado, sobre as águas de uma nascente. 7 E aspergirá sobre aquele que se há de purificar da lepra sete vezes e o purificará, e soltará o pássaro vivo sobre a face do campo. 8 E aquele que há de se purificar lavará suas vestes e raspará todo o seu cabelo, e lavar-se‑á nas águas e se purificará, e depois entrará no acampamento e habitará fora de sua tenda sete dias.

 

 

  1. e depois entrará no acampamento. “Ele pode entrar dentro das muralhas” (ibid.). Com isso, o seu envio do acampamento de Israel terminou, e agora ele tem permissão para entrar na área social em torno do Templo da Torá. Porém, o próprio Templo ainda permanece fechado para ele até que passem os sete dias de sua contagem. Sobre esses dias é dito no nosso versículo: “e habitará fora de sua tenda sete dias.” Nesse estágio, “ele será como uma pessoa excomungada e será proibido de manter relações conjugais”; “‘sua tenda’ – o termo ‘tenda’ não se refere a ninguém menos que sua esposa, conforme foi dito: ‘Voltai para as vossas tendas’” (Torat Cohanim). Essa proibição não se aplicava nos estágios anteriores, e no caso de uma mulher leprosa, essa proibição não se aplica, pois foi dito “fora de sua tenda (literalmente, da tenda dele) – e não fora da tenda dela” (TB Keritót 8b).

 

Tentemos entender o significado das ações descritas aqui nos versículos 2-8. Eles tiram o leproso da solidão de seus dias de declaração de impureza e o restituem à comunidade social. As ideias expressas nessas ações, sem dúvida, se relacionam com a ideia de comunidade social, pois apenas ela está agora aberta para ele, que agora tem permissão para entrar no acampamento de Israel. No entanto, nos dias de sua contagem, ele ainda é enviado para fora do Templo e de suas santidades, pois há ações específicas que precisam ser feitas (versículo 9 em diante) para permitir o seu retorno à área do Templo. Verifica-se, portanto, que os atos descritos aqui nos versículos 2-8 expressam apenas aquelas verdades que acompanham o seu retorno à sociedade. É deste ponto de vista que devemos considerar as coisas e ações mencionadas aqui.

Primeiramente, devemos destacar os elementos e ações que possuem paralelos no restante dos mandamentos da Torá:

Os dois pássaros que, para que sejam da melhor forma, devem ser “iguais em aparência, em estatura, em valor e comprados juntos” (versículo 4), imediatamente nos lembram dos dois cabritos do Dia da Expiação (adiante 16:5; ver o comentário lá). No caso do leproso, assim como no Dia da Expiação, um dos animais se destina ao abate, enquanto o outro é enviado – o que é o oposto completo do abate –, com a diferença de que lá o envio é “para o deserto”, enquanto aqui o envio é “sobre a face do campo”, e não para o deserto.

A natureza desses dois pássaros – que não aceitam autoridade – é paralela ao que se diz da vaca vermelha: “que ainda não tenha levado jugo” (Números 19:2), e é também equivalente ao que se diz da bezerra decapitada: “que não tenha trabalhado nem tenha puxado com o jugo” (DT 21:3).

“Sangue sobre águas de uma nascente em um utensílio de barro” é paralelo a “águas santas num vaso de barro” do caso da mulher infiel (Números 5:17) e a “do pó da vaca queimada, e porão água de uma nascente num vaso sobre ele”, no caso da vaca vermelha (ibid. 19:17). Finalmente, “pau de cedro, carmesim e hissopo” são mencionados tanto aqui quanto na queima da vaca (ibid. 19:6).

Os pássaros do tipo deror simbolizam uma personalidade antissocial, pois eles são incapazes de aceitar a autoridade do homem e habitam a casa com a mesma selvageria com a qual habitam o campo – “não aceitam a autoridade e moram em casa como no campo”. Essa característica contrasta fortemente com os valores da sociedade, que são pré-condições para se entrar na comunidade social dos seres humanos, e ilustra o contraste entre o animal do campo e o homem na cidade.

Esta é a exigência requerida de quem entra na comunidade social dos seres humanos: “e degolará um pássaro” – ou seja, a pessoa deve subjugar sua bestialidade desenfreada ao domínio da vontade humana. Porém, essa quebra da natureza bestial no homem não envolve “matar a vida”, mas apenas “o sangue do pássaro abatido” chegará ao “utensílio de barro, sobre as águas de uma nascente”. Somente se a bestialidade estiver subjugada à vontade moral do ser humano é que ela poderá tomar parte em sua vida eterna, que é o destino do homem, que é comparado a um vaso de barro quebrado. Aliás, é este também o significado das cinzas nas águas de uma nascente da água da vaca vermelha: embora o homem seja cinzas, ele chega à vida eterna. E este é também o significado do pó nas águas sagradas da mulher infiel: o homem está calcado no pó e está sujeito a todos os impulsos do mundo vegetal e animal, mas, apesar disso, ele é convocado para levar uma vida de santidade e moralidade.

O pau de cedro e hissopo – a mais alta e a mais baixa representações no mundo vegetal – representam todo o reino do mundo vegetal (compare com 1 Reis 5:13). Da mesma forma, carmesim, lã tingida com o sangue de um verme – um animal e um inseto, o mais alto e o mais baixo do reino animal – representam todo o reino do mundo animal. E talvez seja por causa disso que, sempre que carmesim é mencionado junto com pau de cedro e hissopo, a Escritura precede a palavra shení (lã) à palavra toláat (verme), pois a lã é paralela ao cedro e o verme ao hissopo. No entanto, em outros lugares, a Escritura sempre diz toláat shaní. Todos os três – o pau de cedro, a lã e o hissopo – unidos juntos por meio do fio de lã para formarem uma unidade, representam todo o reino do mundo vegetal e animal; a flora e a fauna do campo aberto, o lugar em que o leproso foi sentenciado a viver, devido ao seu carácter antissocial e desumano. A estes se junta o “pássaro deror vivo” – para simbolizar a bestialidade desenfreada que faz parte da natureza do mundo vegetal e animal.

O controle moral sobre os impulsos animais leva o homem à vida eterna. Esse controle é simbolizado pelo “sangue do pássaro abatido sobre as águas da nascente” e deve ser praticado na vida comunitária do ser humano moral. Porém, um abismo com sete níveis de profundidade separa a bestialidade desenfreada da liberdade moral, e as aspersões feitas sete vezes indicam que aquele que foi expulso da comunidade deve transpor esse abismo e angariar todas as suas forças, sete vezes, antes que possa se separar da companhia do reino vegetal e animal e ser declarado puro e apto a se juntar à sociedade dos seres humanos.

Essas aspersões – reminiscências dos picos sublimes de seu propósito – são feitas “sobre as costas de sua mão” e, de acordo com outra opinião, sobre sua testa, porque a mão e a testa são as partes mais humanas do corpo humano. Elas são a revelação externa do pensamento e da ação que, mais do que qualquer outra coisa, caracterizam o homem. A lei foi determinada de acordo com a opinião de que se deve aspergir sobre as costas da mão, pois foram os atos de injustiça cometidos entre o homem e seu amigo que causaram sua expulsão da sociedade humana. Enquanto “as costas da mão”, a mão estendida, representam a ação e a atitude, a palma da mão – a superfície interna da mão – representa uma pessoa que possui propriedades.

“E soltará o pássaro vivo sobre a face do campo”, ou, mais precisamente, “fora da cidade, sobre a face do campo” (versículo 53). Há aqui dois assuntos: (1) “o pássaro vivo”, o deror que representa uma vida de impulsos naturais, e (2) “o campo”, que fica próximo à cidade. A falta de contenção que caracteriza uma vida que segue os impulsos naturais – representada pelo deror – está em total contraste com a vida comunitária do homem. Porém, ela é justificada e tem direito de existir na vida do campo e da floresta – na natureza que circunda a vida urbana do homem. Portanto, “sobre a face do campo” – e não para o deserto, nem para o mar.

Vejamos agora a raspagem e a imersão. Por meio do abate do pássaro e das aspersões, o leproso aprendeu as condições para uma futura renovação. O próximo passo para ele é cortar todos os laços com o passado, o que é simbolizado pela imersão e lavagem das suas roupas e do seu corpo. Porém, além disso, ele também deve raspar os pelos do seu corpo – algo cujo significado devemos agora tentar entender.

Essa raspagem e remoção dos pelos de todo o corpo com uma navalha tem importância equivalente ao abate do pássaro e às aspersões, pois todos os três – o abate do pássaro, a aspersão do sangue do pássaro e sua raspagem – devem ser feitos durante o dia e por meio de um sacerdote (Torat Cohanim sobre o versículo 1).

Não encontramos em nenhum outro lugar uma raspagem mandatória dos pelo de todo o corpo, exceto na introdução dos levitas ao seu trabalho, como foi dito: “e eles farão passar uma navalha sobre toda a sua carne” (Números 8:7).

O aspecto comum a esses dois lugares parece ser o fato de que, em ambos, alguns seres humanos devem ser afastados de uma vida de devoção a si mesmos e levados a uma vida de completa devoção ao público. Isso é verdade em relação aos levitas: até agora eles viveram uma vida puramente privada, como é seu direito; porém, de agora em diante, eles devem assumir o trabalho do público, conforme isso se expressa na imposição das mãos sobre a cabeça dos sacrifícios e na movimentação das ofertas. E o mesmo é verdade aqui, em relação ao leproso: até agora, ele viveu apenas para si, com egoísmo e em oposição à sociedade, e esse foi o seu principal pecado. De agora em diante, ele deve assumir as suas obrigações para com o público por meio da devoção do seu próprio ser.

Em ambos os lugares, o significado da raspagem e da passagem da navalha sobre toda a carne é que o homem deve deixar de viver apenas para si mesmo. O pelo corporal se destina a preservar o corpo e protegê-lo das influências do mundo exterior; ele é o elemento que isola o corpo. A remoção de todo o cabelo do corpo o deixa exposto às influências do mundo exterior, e por essa razão, ela é muito adequada para estimular o coração a se afastar do egoísmo.

Apesar disso, a raspagem dos levitas não é inteiramente igual à do leproso, pois no caso dos levitas, até então era seu direito viver uma vida privada, e agora eles voluntariamente renunciam a essa vida, e portanto, eles mesmos realizam a raspagem em seus corpos. Já o leproso vivia uma vida egoísta, em contrariedade com o seu dever, e portanto, o sacerdote que serve no Templo deve lembrá-lo do seu dever de abandonar esse caminho.

Torá Interpretada - Editora Sêfer

 

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Metsorá extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.

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