Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Tazría extraída da obra torá interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer
Levítico, Capítulo 12
1 E o Eterno falou a Moisés, dizendo: 2 “Fala aos filhos de Israel, dizendo: A mulher, quando conceber e der à luz um varão, será impura por sete dias; como nos dias da impureza de sua indisposição será impura.
- O capítulo anterior tratou de dois tipos de impureza: a dos corpos e a das santidades. A dos corpos está relacionada à ética do corpo e ocorre através da ingestão de alimentos que impurificam o corpo. A das santidades, por sua vez, está relacionada à consciência da liberdade ética demandada e avalizada pelo Templo e ocorre por meio do contato com cadáveres, que despertam a ideia de que o homem não é livre. O primeiro tipo é a impureza dos alimentos proibidos e o segundo é a impureza do contato com cadáveres e répteis (ou pequenos animais) impuros.
Este capítulo e os que virão a seguir continuam a tratar das leis de impureza das santidades, relacionando situações nas quais está em risco (e, por vezes, em grande perigo) a consciência da liberdade ética. Estas situações representam a submissão do homem vivo às forças físicas e materiais; são “impurezas que tem origem em seu próprio corpo” e é como se mostrassem a morte da liberdade ética enquanto o ser humano segue em vida. Por este motivo, nos é requerido demonstrar especialmente nestes casos que a verdade é contrária a esta ideia. Estes casos são o da parturiente, do leproso, da mulher em sua impureza menstrual ou por fluxo e do homem que derramou sêmen ou teve fluxo. Todas estas impurezas, com exceção daquele que derramou sêmen, tem duração prolongada, diferentemente da impureza dos cadáveres de animais ou répteis impuros, que dura apenas um dia. Todas estas situações demandam uma oferta – com exceção da mulher com impureza menstrual e do homem que derramou sêmen – para expressar, de forma positiva, o postulado da liberdade ética. Por este motivo, a parturiente, o leproso e o homem e a mulher que têm fluxo são chamados de “os quatro que requerem expiação”.
- Fala aos filhos de Israel, dizendo. A expressão “filhos de Israel” serve para excluir mulheres não judias. Por sua vez, a palavra “mulher”, na continuação, serve para incluir as convertidas e as servas, que também fazem parte da sociedade judaica (TB Ievamót 74b; TB Keritut 7b).
quando conceber (tazría). A palavra tazría (conceber) deriva de zéra (semente), cujo principal significado é “semente de planta”, que é a origem da expressão “erva que dá semente” (Gênesis 1:11). “Dar semente” revela um processo de produção de sementes vegetais necessárias para a manutenção da espécie. Portanto, por extensão semântica, utilizamos a expressão “semente” em relação aos seres humanos e é comum designar os descendentes de alguém dessa forma, uma vez que multiplicam a espécie humana.
O único trecho que usa expressão semelhante a tazría está no Gênesis (1:11-12), ao se referir ao processo necessário aos vegetais para a manutenção da espécie, e sua reutilização aqui indica que a função da mãe na concepção do feto é percebida, aqui também, apenas como um processo físico. Portanto, essa única palavra revela muito a respeito das características do tipo de impureza tratado aqui. O propósito mais elevado do qual depende todo o futuro da humanidade e no qual as mulheres encontram sua expressão máxima, através do esforço e entrega na concepção do feto, não é apenas um processo físico material. O homem ganha existência, recebe forma e se desenvolve como um vegetal brotando. Outrossim, a palavra mais fantástica que o idioma humano pode proferir – “mãe” (em) – nos remete ao processo de desenvolvimento apenas físico, que não ocorre pela livre vontade do ser humano.
Por este motivo, a liberdade ética do ser humano que passa a existir nesse momento deve ser especialmente enfatizada. A mãe, sob a influência revigorante de se submeter de forma passiva às forças da natureza com todo o sofrimento que a acomete enquanto realiza sua mais elevada função enquanto mulher, deve renovar o reconhecimento da sua estatura ética. Apenas após o enfraquecimento dessa sensação, ela deve voltar ao Templo e trazer consigo uma oferta pela qual, com liberdade ética, ela volta a se consagrar ao seu propósito – como mulher e como mãe – mesmo após esses momentos de sofrimento.
quando conceber e der à luz um varão. Uma vez que a palavra “conceber” antecede a expressão “der à luz”, devemos concluir que o texto se refere não somente ao nascimento de um feto que já completou todos os meses da gestação, mas também aos que nascem em estágios prematuros. Por outro lado, a palavra “varão” indica tratar-se de um feto totalmente desenvolvido. Além disso, o versículo seguinte, “e no oitavo dia, circuncidará a carne de seu prepúcio”, nos ensina que se trata de um bebê vivo, aparentemente, e completamente desenvolvido.
A partir da análise de todas as expressões, aprendemos que esse trecho se refere também a um natimorto, mas apenas nos casos em que transcorreram ao menos 40 dias a partir da concepção do feto e apenas se o feto natimorto possuir “forma humana” – ou seja, formação da testa, sobrancelhas, olhos, mandíbula e queixo parecidos com o de um ser humano (TB Nidá 23b) –, de modo que ele já estava “apto para a alma”, isto é, embora ainda possuísse imperfeições que faltavam ser vencidas, ele já estava apto para ter vida (ver Torat Cohanim e TB Nidá 30a e 21b em diante).
como nos dias da impureza (nidá) de sua indisposição será impura. Trechos como este demonstram que todas as leis da Torá já eram conhecidas antes que todo o texto fosse colocado por escrito, pois o nosso versículo faz referência a uma lei que será tratada apenas mais adiante (15:19).
A palavra utilizada em referência à impureza menstrual é nidá, cuja raiz se aproxima do termo nadad, que significa migrar. Todo aquele que “migra” se afasta do seu lugar de origem ou de alguma pessoa com a qual estava vinculada. Da mesma forma, a mulher que está nidá está se afastando temporariamente da sua vida conjugal.
indisposição (devotá). Essa palavra tem sua raiz no termo davá. Enquanto a raiz da palavra enfermidade (chalá) indica uma situação de doença física objetiva, a expressão davá indica uma sensação subjetiva de enfermidade. Por este motivo, a palavra davá, não raro, está associada à palavra coração (lev), como em “por isto desfalece (davê) nosso coração” (Lamentações 5:17) ou “desfalecido vosso coração” (Isaías 1:5), entre outros.
Todas as leis mencionadas mais adiante (15:19-24) se aplicam também aqui, e as leis da parturiente são aprendidas a partir das leis de impureza menstrual. Estes dois processos são semelhantes em alguns aspectos e estão inter-relacionados – também de acordo com a opinião dos cientistas e pesquisadores contemporâneos.
Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Tazría extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.