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Parashá Semanal - Leitura da Torá

Redirecionamento constante

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção BÓ extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer

 

Êxodo, Capítulo 12

1 E o Eterno falou a Moisés e a Aarão na Terra do Egito, dizendo:  2 “Que esta renovação (da lua) seja para vós princípios de meses, o primeiro dos meses do ano para vós.”

1-2. na Terra do Egito. Ainda no Egito, Deus designou a Moisés e Aarão uma nova missão direcionada ao seu próprio povo cujo sucesso devia ser assegurado. Até agora, Moisés e Aarão foram enviados ao Faraó em nome do povo de Israel. A partir de agora, eles seriam os emissários de Deus para Israel, e esta nova missão estava intimamente ligada à sua missão junto ao Faraó.

Até agora, era seu dever fazer sinais e maravilhas no Egito e restaurar aos egípcios o que haviam perdido completamente: o reconhecimento dos deveres para com Deus e o homem. Isso deveria acontecer através de milagres que chamassem a atenção deles para fenômenos da natureza que revelam a Presença de Deus e despertam as emoções humanas, e a tentativa de, através deles, gerar mudança, renovação e renascimento no coração do Faraó.

Mas a imoralidade e a corrupção já haviam dominado coração dele com muita intensidade e durante muito tempo, e somente sob a pressão do terror e do medo ele poderia ser subjugado à vontade Divina. Mas sempre que esse medo fosse removido, o coração do Faraó permaneceria obstinado e inalterado, como realmente aconteceu.

E a fim de evitar que a imoralidade e a corrupção, que não cedem nem mesmo diante de sinais e fenômenos terríveis de calamidade, se enraizassem em sua nação que nascia, Deus começa agora a criar a forma interior do seu povo estabelecendo um “sinal”. Este sinal, que volta em tempos regulares, redirecionará constantemente a sua atenção de volta a Deus, convocando-os a toda hora a uma renovação constante para escapar da escuridão da imoralidade e corrupção, garantindo assim a existência eterna da verdade e da pureza, para que Israel seja eternamente protegido da dormência moral e espiritual que prevalecia no Egito.

Que esta renovação (hachódesh hazé) (da lua) seja para vós princípios de meses (rosh chodashim), o primeiro dos meses do ano para vós. Da mesma forma que Deus desviou o olhar de Noé da terra para o céu, mostrou-lhe o arco-íris e disse: “Este é o sinal da aliança” (Gênesis 9:12) – ou seja, este é o sinal da Minha aliança com a terra do homem, concedida a ele visando um novo futuro –, assim, no Egito, no limiar de um novo futuro judaico, Deus chamou a Moisés e Aarão, mostrou-lhes o arco prateado da lua nova e disse: “Que esta renovação (da lua) seja para vós princípios de meses”, isto é, “Esta renovação da lua será para vós o princípio de novos meses” (literalmente, “o início das renovações”), e o mês que começa agora, com essa lua nova será “o primeiro dos meses do ano para vós”. Este versículo contém dois mandamentos distintos: (1) a santificação dos meses feita através da visão da lua nova, e (2) a necessidade de que a ordem dos meses do ano comece em Nissan, o mês da nossa redenção.

Não é possível interpretar as palavras rosh chodashim como “a cabeça – ou seja, o primeiro – dos meses”, pois este é o conteúdo da segunda parte do versículo: “o primeiro dos meses do ano para vós”, e não haveria sentido nessa repetição. A expressão rashê chodashim, onde quer que apareça, nunca significa “os primeiros meses”, mas sempre “princípios de meses”.

Portanto, não é possível interpretar as palavras hachódesh hazé como “este mês”, mas sim, como “esta renovação da lua”. Na verdade, o principal significado de chódesh não é o período que dura um mês, mas o momento do início do mês, como “a oferta de elevação do início de cada mês” (Números 28:14); “amanhã é a lua nova” (1 Samuel 20:18); “vossas convocações para a lua nova ou para os sábados” (Isaías 1:13). O “período que dura um mês” é apenas um significado secundário derivado do significado principal.

Segundo essa interpretação, quando o Eterno apontou para a luz da lua, que começava a ficar visível novamente, e disse: “Que esta renovação seja para vós princípios de meses”, Sua intenção foi conforme a interpretação dada pelos nossos sábios: “Assim verás e santificarás” – ou seja, “Quando virdes a lua desta forma, devereis santificar os inícios dos vossos meses” (TB Rosh Hashaná 20a).

Este mandamento não começa com a formulação usual “E disse (…) Fala a toda a congregação dos filhos de Israel…”, mas dirige-se principal e especialmente a Moisés e Aarão. Por outro lado, os mandamentos referentes ao sacrifício de Pêssach começam com as palavras “Falai a toda a congregação” (versículo 3). Esta mudança na formulação é uma evidência na Escritura sobre o que diz a tradição oral, de que a determinação e santificação dos inícios dos meses foram confiadas apenas aos grandes sábios de Israel que vieram a assumir o lugar de Moisés e Aarão, a quem foi dito: “Que esta renovação seja para vós”, isto é, essa determinação está entregue a vós (TB Rosh Hashaná 22a e 25b).

A partir deste mandamento de santificar o princípio do mês através da observação real da luz da lua nova que volta a surgir, algumas pessoas, que não se cansam de rebaixar o passado judaico aos olhos da geração presente chegaram à seguinte conclusão tola: No início – eles dizem – faltava aos judeus o conhecimento astronômico do ciclo lunar. Apenas séculos depois eles aprenderam com os gregos os métodos para os cálculos necessários, e até aquele momento eles tinham de se contentar com um substituto temporário e grosseiro: esperar mensalmente pelo reaparecimento da lua.

Chamamos esse argumento de “tolo” porque é óbvio que nenhum sistema de calendário pode ser baseado apenas na visão da lua nova. Num período nublado, podem se passar semanas sem que seja possível ver o que ocorre nos céus. Além disso, na própria expectativa de se ver a lua está embutido um cálculo prévio da possibilidade disso ocorrer. De fato, por meio da Torá Oral aprendemos que a determinação dos inícios dos meses era baseada no cálculo do momento exato em que a lua deveria reaparecer, e os resultados desse cálculo serviam de parâmetro para determinar se o depoimento das testemunhas era verdadeiro ou não. Além disso, caso as testemunhas não aparecessem até o dia 30 do mês, o 31º dia tornava-se automaticamente o primeiro dia do mês seguinte, mesmo que a lua nova não tenha sido vista (ibid., da folha 22 em diante).

David pôde dizer a Jônatas “Eis que amanhã é lua nova” (1 Samuel 20:5) porque ele sabia que o dia seguinte seria Rosh Chódesh (início do mês). Além disso, vemos claramente a partir do versículo “No dia seguinte, o segundo dia (hashení) da lua nova” (ibid. 20:27), que já na época do rei Saul se fazia dois dias de Rosh Chódesh, como é o costume hoje em dia – uma conduta baseada no cálculo do ciclo lunar e a alternância cíclica entre um mês “incompleto” de 29 dias e um “completo” de 30.

Uma reflexão acerca das leis de Kidush Hachódesh (santificação do início do novo mês) revela que o significado e propósito deste preceito são muito mais elevados e completamente diferentes de uma estimativa astronômica exata do calendário. E embora seja verdade que na base dessas leis resida um cálculo astronômico muito preciso, no entanto, não é o que acontece entre os corpos celestes o fator que determina o nosso início dos meses. Nós também nem celebramos os inícios dos nossos meses em homenagem a tais eventos.

Apresentemos algumas das características mais distintas do Kidush Hachódesh. O próprio processo de santificação do mês tira essa “instituição” do campo da adoração e do louvor aos fenômenos celestes naturais e imprime nela um selo claro de relações sociais humanas. O caráter desse processo é de um “julgamento” e, portanto, só pode ser feito de dia; em contraste com as leis monetárias, todas as suas etapas, incluindo a conclusão do julgamento, devem ser realizadas durante o dia (ver TB Rosh Hashaná 25b). O processo pode ser realizado apenas num tribunal de três juízes, e novamente, diferentemente das leis monetárias, não há qualquer exceção a essa regra (ibid.). E ao passo que para determinar qualquer situação baseada em fatos objetivos é suficiente uma testemunha – “uma testemunha é confiável com relação a proibições” (TB Guitin 2b) –, aqui são necessárias duas testemunhas, como em todos os casos relativos a relacionamentos pessoais (leis monetárias e ligadas à sexualidade) (ver TB Rosh Hashaná 22a).

Assim, não são os eventos que ocorrem entre os corpos celestes que geram o início do mês; os tribunais do povo de Israel apenas apontam para este evento no momento de sua determinação. Temos evidências claras da veracidade dessas alegações em algumas leis como, por exemplo: “Se a lua foi vista (no dia 30) pelo tribunal e por todo o povo de Israel; as testemunhas foram questionadas, mas (o tribunal) não foi capaz de dizer ‘(o mês está) consagrado!’ até o anoitecer, eis que este mês passa a ser de 30 dias” (ibid. 25b). Em outras palavras, trata-se de duas possíveis situações: (1) A lua nova estava visível para o tribunal e para todo o povo de Israel no dia 30 do mês, ou (2) As testemunhas que viram a lua nova foram muito bem interrogadas, mas, nos dois casos, o tribunal não teve tempo de dizer que o novo início do mês estava “consagrado” antes do anoitecer. Seja como for, o 30º dia não se tornará o início do novo mês mesmo que todos tenham notado o novo luar ou que as testemunhas que o notaram tenham sido totalmente aprovadas pelo tribunal; ainda assim, o novo mês começará apenas no 31º dia. Aqui fica mais do que evidente que é a determinação consagradora dos representantes do público judaico que determina o início do mês, e não o fenômeno celestial.

Essa é a declaração pública que determina o começo do novo mês à qual se refere o mandamento: “Estas são as solenidades (moadê) do Eterno, as convocações de santidade as quais proclamareis no seu tempo determinado” (Levítico 23:4). Parece-nos que todas as leis mencionadas acima relacionadas ao nosso versículo são baseadas no conceito de “moêd”. O Rosh Chódesh também é chamado de moêd (ver TB Rosh Hashaná 21b, Tossafót “al shenê chodashim”). De fato, veremos como o Rosh Chódesh expressa o conceito de moêd em sua pureza, sem quaisquer aspectos especiais, sazonais ou históricos, que são aqueles que conferem conteúdo para as outras datas festivas. Enquanto as outras festas derivam de eventos históricos ou sazonais, a causa da data festiva do início do mês é o reaparecimento da luz da lua.

A palavra moêd – da raiz iáad (destino, ponto de encontro) – convocar uma reunião, um encontro (semelhante à palavra iáchad, que significa “união”) – refere-se a um local que foi definido como ponto de encontro – como em “No tempo marcado estarei (noadetí) ali” (adiante 25:22), “tenda da reunião (moêd)” – ou um horário marcado para uma reunião. No versículo “Estas são as solenidades (moadê) do Eterno, as convocações de santidade as quais proclamareis no seu tempo determinado” (Levítico 23:4), a palavra moêd refere-se ao aspecto do tempo. Moadim são momentos marcados para o nosso encontro com o Eterno.

Falando em termos usados entre as pessoas, esta reunião deve acontecer a partir da liberdade de escolha e vontade de ambos os lados, pois ela não deve se assemelhar a um mestre que ordena que seus servos venham diante dele. Deus é aquele que deseja que Seu povo venha até Ele. Por esse motivo, ele só aponta, de uma maneira geral, a hora propícia para a vinda dele e apresenta diante deles um determinado espaço de tempo dentro do qual eles mesmos poderão determinar a data exata dessa reunião, de modo que o momento do encontro aconteça por decisão mútua.

Deve-se prestar muita atenção a isto: a reunião acontecerá por escolha mútua! Se os inícios dos nossos meses, e as festas que derivam deles, estivessem ligados exatamente aos períodos astronômicos dos movimentos das estrelas, de modo que o ciclo da lua determinasse automaticamente as datas do moêd (lua nova) e dos moadim (festas judaicas), então nós e o nosso Deus estaríamos presos, por assim dizer, ao ciclo cego e imutável da natureza, e dessa forma o nosso Rosh Chódesh estaria dando credibilidade à idolatria que cultua a Natureza.

No entanto, isso não acontecerá! De fato, devemos lutar com todo o nosso poder contra esta ideia perigosa e ilusória que nos parece fazer tanto sentido. Não é o encontro dos corpos celestes e a iluminação renovada da lua pelo sol que cria o início do mês, e não é por causa deste fenômeno natural que o Rosh Chódesh é celebrado. A verdade é que a cada vez que a lua se reúne com o sol e recebe dele uma nova luz, Deus deseja que o Seu povo encontre o seu caminho de volta até Ele, para que Sua luz brilhe sobre ele novamente, e não importa onde eles estejam ou por quais períodos sombrios eles tenham de passar no decorrer da História. O encontro entre a lua e o sol nada mais é que um símbolo e um pretexto para a nossa reunificação com Deus, e a renovação da lua é um símbolo e um pretexto para essa renovação. Moêd significa literalmente “reunião, encontro”.

Portanto, não é o fenômeno astronômico nem os cálculos astronômicos que criam o nosso “mês” e determinam o nosso moêd – o nosso encontro com Deus –, mas nós mesmos por meio dos representantes do nosso povo. (…)

À luz de tudo o que foi dito acima, as palavras “que esta renovação seja para vós princípios de meses” recebem o seu verdadeiro significado: “Esta renovação da lua será ‘para vós’ o início das renovações”. Ou seja, a percepção da renovação da lua deve levá-los a aceitar sobre si mesmos uma renovação similar, e por meio dessa percepção vocês devem estabelecer novos meses para si mesmos. Não está escrito “que esta renovação seja princípios de meses”, mas sim “que esta renovação seja para vós princípios de meses”. Aquilo que devemos estabelecer não é um ciclo astronômico de meses, mas os nossos meses. Portanto, como já observou o Rabino Ovadia em seu comentário sobre as Leis da Santificação da Lua Nova do Maimônides (2:8), encontramos muitos versículos em que a lua nova e as festas são chamadas de “vossas luas novas” e “vossas festas”, enquanto o sétimo dia imutável jamais é chamado de “vosso Shabat”. Assim também, não foi dito aqui “princípios dos meses” – como ocorre em seguida com a expressão “dos meses do ano” –, mas “princípios de meses”, pois se trata dos meses de Israel, que são algo novo e diferente que está sendo criado agora, enquanto o ano, como veremos, permanece como era desde tempos imemoriais.

Verifica-se que a santificação do mês judaico é uma “instituição” que visa o rejuvenescimento moral e espiritual de Israel, que deve sempre aspirar alcançar novamente em intervalos regulares e que o atingirá por meio de seu encontro renovado com Deus. Os nossos sábios embutiram a essência de toda essa ideia em sua homilia sobre “que esta renovação seja para vós”: “Essa renovação da lua deve ser o vosso exemplo” (Shemot Rabá 15:27, no final).

Assim, também o significado da lua nova – que se expressa unicamente no sacrifício de Mussaf (adicional) – concentra-se principalmente na função aludida pela oferenda da lua nova: “Expiar pela impureza do Templo e de seus artigos sagrados, quando não houve conhecimento dela nem no início e nem no fim” (TB Shevuót 2a e 9a-9b), ou seja, agir contra a nossa alienação de tudo que é sagrado – aquela alienação em que caímos sem perceber e da qual não temos consciência. Sem esse encontro renovado e periódico com o Eterno ao longo das nossas vidas e sem a repetida recepção dos raios de luz e calor que vêm do Espírito Divino, recuaríamos e nos afastaríamos cada vez mais de Deus em nosso modo de vida. E embora possamos não saber disso, nosso interior seria cada vez menos capaz de receber a luz do Eterno e se tornaria mais e mais escurecido, até que nossos corações se tornassem tão duros e tão pesados quanto o coração do Faraó, ao ponto que até mesmo sinais assustadores e prodígios dolorosos não conseguiriam refrescar e revitalizar nossa essência interior.

No entanto, o conceito de “expiação” judaica envolve não apenas o renascimento moral e espiritual da nossa essência interior, mas a recriação das nossas relações externas, sociais e históricas. A princípio, deve ocorrer o renascimento interior, e o renascimento externo será o seu resultado automático. Ambos foram dados pela mesma mão – a mão do nosso Deus. Nossa reunificação com Ele de livre e espontânea vontade nos garante as duas coisas.

O conceito de “lua nova” anuncia, então, sobre a redenção do pecado e do mal e, por essa razão, essa “instituição” está no início do estabelecimento da nossa construção nacional. A verdade que ela ensina constitui a pedra angular da nossa consciência judaica e distingue de maneira clara essa consciência de qualquer outra filosofia idólatra.

A idolatria não reconhece qualquer tipo de “inovação”, não no mundo, nem no ser humano, nem na divindade ou mesmo nos deuses que ela coloca acima do mundo e do homem. Tudo é determinado por uma necessidade rígida. O dia de hoje se desenvolve a partir do que foi ontem, e o de amanhã, a partir de hoje, por necessidade rígida. Assim como a idolatria nega o processo de criação ex nihilo – a livre criação através do livre-arbítrio de um Criador –, ela também nega a possibilidade ex nihilo na natureza moral do ser humano e em seu destino. A culpa e a maldade só darão origem a mais culpa e maldade, e assim por diante. Para a idolatria, não há liberdade divina no coração do homem, e não há qualquer deus livre que governe sobre o mundo e além. Tudo é arrastado pela correnteza cega da necessidade imutável; qualquer tipo de liberdade não passa de ilusão e todo novo já se encontra no velho.

Portanto, “na Terra do Egito” (versículo 1), numa terra tomada por ídolos intransigentes na qual essa inflexibilidade idólatra chegou até a estrutura social do próprio Estado, criando as amarras do sistema de classes, Deus chamou os futuros líderes do Seu povo, mostrou-lhes a lua crescente, que luta para sair das trevas em direção a uma nova luz, e disse-lhes: “Este será o vosso exemplo!” Assim como a lua se renova de acordo com as leis da natureza, vocês também devem se renovar, mas por vontade própria. Toda vez que a lua nova aparecer, deixem-na lembrar a vocês de renovar sua juventude de livre e espontânea vontade. E assim como Eu renovo a vocês, e vocês se renovam, assim também, como a lua, vocês passarão pelo céu noturno das nações. E por onde quer que vocês passem, anunciem sobre a notícia da “inovação”: o ensinamento sobre o Deus que cria livremente e que guia o ser humano à liberdade, e o ensinamento sobre o ser humano que, através desse Deus, se torna moralmente livre e senhor do seu próprio destino.

Contudo, essa “inovação” nada mais é do que a conclusão direta do significado do nome do Tetragrama: o Deus que cria livremente a forma de cada momento que está por vir. É através desse nome que todo judeu cultua silenciosamente o seu Deus nas profundezas do seu coração.

o primeiro dos meses do ano (shaná) para vós. Este é outro mandamento: começar a ordem dos meses a partir de Nissan. Shaná (ano) – da raiz shaná, repetir alguma coisa – é um ciclo de dias após o qual os mesmos dias voltam a se repetir indeterminadamente, isto é, após a conclusão de cada ciclo, a terra está novamente no mesmo lugar do céu e seu caráter sazonal se repete. Quando o mês passa, apenas os diferentes estados lunares se repetem, mas a natureza dos dias do próximo mês será diferente do mês anterior.

Por essa razão, não foi dito aqui “dos meses de um ano (qualquer, desconhecido)”, como dito acima, “princípios de meses”, mas “dos meses do ano” – o ano conhecido. Isso indica que o ano antigo do mundo cotinua imutável, mas dentro dele começará um novo ciclo judaico de meses. Assim, nos é dado um ciclo duplo de tempo: um “ano universal”, começando em Tishrê – que daqui em diante será o sétimo mês – e um “ano judaico”, que a partir de agora começará em Nissan, o mês da redenção do Egito. E mesmo que a ordem dos nossos meses comece em Nissan, o ano começa e termina em Tishrê, conforme aprendemos das expressões “E a Festa da Colheita, ao sair o ano” (adiante 23:16) – quando o ano chegar ao fim, e “a Festa da Colheita, ao passar o ano” (adiante 34:22) – quando um ano passar e vier o ano seguinte.

Portanto, há dois começos para o nosso ano, assim como há dois inícios em nosso dia. Temos um ano que começa no outono e, embora também haja primavera e verão, ele acaba novamente no outono; e há outro ano que começa na primavera, e embora também haja nele outono e inverno, ele acaba novamente na primavera. Da mesma forma, temos um dia que começa à noite e, embora avance pela manhã até à tarde, ele terminará novamente à noite; e há também um dia que começa de manhã e que, embora mergulhe na tarde e na noite, volta a terminar pela manhã. Fora do Templo, o dia começa e termina à noite; dentro do Templo, o dia começa e termina pela manhã.

Os anos da terra, de seus produtos, seus negócios e de todo o bem proveniente dela – “dos anos do mundo, dos anos sabáticos, do jubileu, das plantações, dos vegetais e do dízimo dos animais” (Rosh Hashaná 1:1) – são contados de outono a outono. Enquanto os anos de Israel, os anos de suas festas e seus reis, são contados de primavera a primavera.

Aqui temos uma advertência sobre nossa dupla natureza, gravada no livro das viagens de nossas vidas. Toda coisa terrena nasce sem flor de dentro da noite, e embora floresça e cresça em direção ao brilho do meio-dia, acabará por afundar desprovida de flor na noite de seu túmulo. Porém, tudo que é sagrado e judaico tem origem na luz e na vida; e apesar de que, no meio de seu percurso, tenha de lutar com a noite e a morte, emergirá desta luta para uma luz e vida renovadas. O nascido na manhã e primavera terminará pela manhã, enquanto é rejuvenescido para uma nova primavera.

Torá Interpretada - Editora Sêfer

 

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Bó extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.

 

 

 

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