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Calendário Judaico Chanucá

A Festa das Luzes

Uma pergunta casual sobre Chanucá levou-me a escrever este livro. Mas não há nada de casual numa explicação extensa que nasce de uma pergunta.

Chanucá é mais recente e o menos importante dos feriados judaicos, ainda que sua história e o cerimonial que envolve estejam mais vivos do que nunca.

Chanucá celebra a bem-sucedida rebelião dos judeus, nos dias do Segundo Templo, contra os gregos selêucidas, herdeiros da parcela síria do império derrotado de Alexandre Magno. O oitavo sucessor da coroa da dinastia selêucida, Antioco Epifânio, queria a todo custo implantar a religião grega na Judéia, baseado na sempre atual teoria de que o inconformismo religioso era uma ameaça ao Estado. Seus esforços foram tão bem sucedidos que, no ano de 168 a.e.c., suas forças armadas instalaram um ídolo no Templo de Jerusalém e designaram sacerdotes judeus convertidos para oferecer o sacrifício de porcos aos deuses gregos nos pátios do Rei Salomão.

Antioco tornou crime passível de pena de morte em toda a Terra Santa o ensino da Bíblia e a circuncisão. Seus exércitos percorriam o país, colocando ídolos e sacerdotes convertidos em toda a aldeia, sem provocar qualquer reação das populações assombradas e amedrontadas. Um choque se deu quando Matatias, um ancião da família dos príncipes hasmoneus, recusou-se a oferecer um sacrifício ao objeto de idolatria instalado em sua cidade, Modiin, e com suas próprias mãos matou o homem que iria abater o porco em seu lugar. Seus cinco filhos o salvaram das mãos dos militares, levando-o para as colinas e organizando uma rebelião que, em três dias, varreu os gregos de toda a Judéia. Assim, o gesto decidido de um velho fez desviar o curso dos acontecimentos. Todo o futuro do judaísmo pode perfeitamente ter se baseado na atitude de Matatias.

No vigésimo quinto dia de Kislêv, no ano de 165 a.e.c., as tropas legalistas lideradas por Judá, o Macabeu, filho guerreiro de Matatias, recapturaram o Templo e deram início a oito dias de purificação e reconsagração do mesmo. Chanucá significa “consagração”. A festa assinala os oito dias durante os quais o Templo foi restaurado para o culto de Deus. Os serviços religiosos prosseguiram desde então durante mais de dois séculos, até que os romanos derrubaram Jerusalém no ano 70 e destruíram a casa do Eterno, que ainda está para ser reconstruída.

Chanucá nos Nossos Dias

Sintetizei aqui a história de Chanucá porque, ao contrário das narrativas bíblicas, ela não integra o acervo comum da cultura ocidental. Durante um milênio de existência nacional em Canaã, os judeus muitas vezes expulsaram os opressores e reconquistaram a independência. Mas somente a guerra dos macabeus, que foi uma batalha pela liberdade religiosa, destacou-se e tem espaço nos rituais de nossa fé. Foi a primeira confrontação dos judeus, em larga escala, com uma questão que iria acompanhá-los nos dois milênios seguintes:

Pode uma pequena nação, vivendo em meio a uma cultura majoritária triunfante, participar da vida geral e ainda assim preservar uma identidade própria, ou deve ela ser absorvida pela maioria?

O desafio permanece. A proposta é a mesma: oferece-se um modo de vida diferente aos judeus e, em troca, eles devem renunciar à sua religião. Forças não repressoras sutilmente conduzem os judeus. A posição dos governos do mundo livre é a de que as comunidades judaicas têm o direito de se manterem apegadas à fé de seus pais e devem exercê-lo. Mas a contradição está implícita na força que Tocqueville já havia definido em sua inesquecível frase como a maior fraqueza da democracia: “a tirania da maioria” – a pressão para imitar os vizinhos, o impulso para se conformar com opiniões e maneiras populares, o profundo medo de ser diferente. São estas as forças de Antioco no mundo em que vivemos.

É o único feriado judaico sem raízes bíblicas e, à primeira vista, comemora a mais improvável vitória militar.  Mas, na verdade, Chanucá celebra a vitória da profundidade e riqueza da cultura judaica contra a superficialidade da cultura helênica.

De acordo com a Lei, as velas de Chanucá devem arder junto à janela para que possam ser vistas por todos os que passam na rua. Nossos sábios chamam a isto “proclamar o milagre”. Diz a lenda que os macabeus só encontraram no Templo recapturado um único frasco de óleo intacto com o selo do Sumo-Sacerdote, e adequado, portanto, para ser usado no candelabro de ouro. Era o suprimento para um dia. Eles sabiam que seriam necessários pelo menos oito dias para produzir mais óleo puro mas, mesmo assim, decidiram acender a grande Menorá do Templo. O óleo ardeu durante oito dias.

Este Midrash é um resumo da história dos judeus. Toda a nossa história é a lenda fantástica de um suprimento de óleo para um só dia que dura oito dias, de campos incendiados que não se consomem, de uma existência nacional que pela lógica das coisas já deveria ter se extinguido há muito tempo e que, no entanto, continua a arder. Este é o relato que fazemos aos nossos filhos nas noites de dezembro, quando acendemos as velinhas da Chanukiá, o candelabro de nove braços.

Na ponta do lápis: se Antioco tivesse conseguido aniquilar o judaísmo um século e meio antes do nascimento de Jesus, não haveria Natal. A festa da natividade baseia-se, portanto, na vitória de Chanucá.

Extraído da obra Este é o Meu Deus, de Herman Wouk,
publicado pela Editora Sêfer e atualmente esgotado.

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