O rabino Shimshon Wertheimer era uma das pessoas mais influentes do império austríaco há dois séculos. Como ministro da Economia, possuía acesso livre ao palácio, ao imperador e a todos os segredos de Estado. Sendo uma pessoa esperta e confiável, era muito estimado pelo rei Leopoldo. No entanto, tinha muitos inimigos, em razão de ser um judeu que se tornara influente.
Ele era uma pessoa que se destacava por sua bondade e riqueza. Uma pessoa de bom coração, que nunca dispensava um judeu em apuros. Sua casa estava aberta para todos os pobres e necessitados de Viena, aos viajantes, órfãos e viúvas. Sua bondade era lendária não somente em sua cidade, mas em toda a Europa. Onde quer que existisse uma comunidade afligida por decretos severos ou outros problemas, sua gente sabia que encontraria no rabino um aliado incansável, que exercia sua influência na corte a fim de ajudar a todos que pudesse.
O rabino Shimshon era amado pelos judeus e muito querido na corte. Isso aumentava o ódio de seus inimigos, entre os quais havia um invejoso padre anti-semita que tramava e planejava continuamente meios para derrubar o rabino de sua influente posição e causar sua desaprovação aos olhos do imperador.
Certa vez, quando teve bastante sorte de atrair a atenção do imperador, o padre disse: “Esse judeu de que você tanto gosta, Vossa Majestade, qual é mesmo seu nome? Wertheimer? É? Bem, você tem certeza de que ele é leal a você? Que tem no coração apenas o bem do país? Eu não estaria tão certo disso. Se eu estivesse em sua posição, Vossa Majestade, não confiaria nele tão cegamente…”
“Não seja tolo! Ele é meu braço direito! Não escondo nenhum segredo do rabino Shimshon. Ele é a pessoa mais honesta e confiável que já conheci!”
“Verdade? Contudo, estou certo de que ele está te enganando!”
O imperador não reagiu, pois confiava no rabino Shimshon. Contudo, ele não deixava de ser um judeu, e nunca se sabe… O padre aproveitou o momento e bateu no ponto. “Tenho provas concretas, documentos, de que este judeu rouba o tesouro nacional. De que outra forma você pensa que ele ficou tão rico? Eu subornei um de seus empregados pessoais para me fornecer cópias de seus livros de contas. Você tem idéia do quanto ele é realmente rico? Sua fortuna é uma fábula! Por que não testá-lo, Vossa Majestade? Peça que declare o valor de sua verdadeira fortuna. Se esta soma estiver de acordo com o valor em seus livros de contabilidade, então eu calarei minha língua. Mas se a soma que ele declarar for menor que a evidenciada em seus livros, então ele é um mentiroso e um ladrão, e está roubando do governo, de nosso próprio tesouro!”
Ele fez uma pausa, e então falou em tom de confidência: “E se eu estiver certo, Vossa Majestade, permita-me o prazer de puni-lo. Entregue-o em minhas mãos. Saberei como cuidar do traidor.”
“Muito bem” – concordou o imperador. – “Sei que não encontrará nada incorreto em suas contas. Contudo, se você deseja…”
“Não esteja tão confiante disso, Vossa Majestade” – o padre atreveu-se a questionar o julgamento do imperador. “Eu, particularmente, estou tão certo desses fatos que desejo ordenar que as fornalhas sejam aquecidas já, para atirá-lo diretamente. Não quero nenhum atraso. Ele é esperto demais e pode escapar…”
O imperador concordou com isso também. Enviou instruções ao seu carrasco principal a fim de que aquecesse as fornalhas. Depois que o padre foi chamar o rabino Shimshon – ele queria esta satisfação para si –, o imperador enviou outra mensagem ao carrasco dizendo: Se qualquer funcionário do alto-escalão do governo, não importa quem, vier mais tarde e perguntar se as ordens foram realizadas, deve agarrar esta pessoa imediatamente, sem fazer perguntas, e jogá-la na fornalha ardente!
Com o coração alegre e passos leves, o padre deixou o palácio e foi convocar o rabino Shimshon. “Finalmente me livrarei deste odiado homem!” – vibrava ele. Ele já conseguia visualizar o corpo queimado do rabino e os rostos enlutados dos judeus de Viena que o usavam como protetor.
O rabino foi imediatamente ao imperador. Ele costumava ser sempre convocado com avisos urgentes para ajudar em decisões diplomáticas. O imperador o cumprimentou calorosamente como sempre e conversou com ele calmamente. Então, sem aviso prévio, lançou a pergunta:
“Aliás, rabino Shimshon, diga para mim o quanto você é rico? Qual é a extensão de suas posses?”
“Graças a Deus, certamente não tenho motivo para reclamar” – respondeu o rabino Shimshon inocentemente.
O imperador riu com simpatia. “Sei que lhe pago um salário generoso. Estou curioso, portanto, para saber em que soma você estima suas posses? Quanto você vale?”
O rabino pareceu perturbado. “Eu realmente não posso lhe dizer sem antes consultar meus livros.”
“Ah, eu não me refiro a cada centavo. Quero saber o geral, uma estimativa aproximada. Quão rico você diria que é?”
O rabino fez alguns cálculos rápidos de cabeça e finalmente declarou uma quantia que era um décimo do que o padre havia dito. O imperador ferveu de raiva, mas não demonstrou. Assim, comprovar-se-ia que o judeu estava enganando-o todos estes anos! Ele confiou nele tão cegamente! O padre estava certo afinal de contas! Mas ele também se entristeceu. Perderia um ministro muito capaz que, ao longo dos anos, forneceu conselhos inestimáveis. Não encontraria ninguém para substituí-lo. Ah! Mesmo assim, não seria possível deixar um traidor destes em seu próprio palácio. Com o coração doendo, o imperador trocou de assunto e pediu ao rabino um favor: ir aos carrascos e perguntar se cumpriram as ordens reais.
O rabino inclinou-se e deixou a sala do trono sem suspeitar de nada, afinal a expressão e a atitude do imperador em relação a ele não havia mudado em nada.
Ele estava tomando o caminho para as fornalhas que ficavam no final da cidade quando um judeu correu em sua direção. “Você é exatamente a pessoa que procurei nesta manhã!” – ele o cumprimentou ofegante.
“Estive tentando encontrar um mohel para meu filho recém-nascido, mas não tive sorte. Todos já estão ocupados ou fora da cidade. Não queria perturbá-lo, pois sei como é ocupado com seus assuntos diplomáticos, mas hoje é o oitavo dia da criança. Você é minha única chance. Certamente não pode me recusar!”
O rabino era um mohel experiente, entre seus muitos outros talentos. Ele nunca recusava a honra de realizar um berit. E especialmente agora, quando todos os outros mohalim não estavam disponíveis, não poderia recusar um judeu em necessidade. Ele seguiu alegremente o aliviado pai, pretendendo executar a missão do imperador em seguida. Ele não havia dito que era particularmente urgente.
Todos se alegraram ao ver quem o pai havia conseguido como mohel para a criança. A cerimônia aconteceu imediatamente, pois já era tarde. A família insistiu para que o rabino Shimshon permanecesse para a seudat mitsvá e recitasse o bircat hamazon sobre o copo de vinho. Quando tudo terminou, o rabino sentiu repentinamente um cansaço extremo. Ele pediu um sofá ou uma cama onde pudesse descansar, pois estava muito cansado. A família ofereceu-lhe um quarto silencioso, onde ele adormeceu imediatamente e dormiu por muitas horas.
Enquanto isso, o padre descobriu que seu plano ocorreu sem percalços. O imperador havia questionado o rabino sobre sua fortuna e descobriu que este estivera enganando-o o tempo todo. Enviara o judeu para a morte e em breve confiscaria sua propriedade. O padre estava exultante. “Tenho de ver isso com meus próprios olhos!” – disse ele, animado, impaciente para ver seu inimigo morto.
Correu até as fornalhas reais para verificar se as ordens do imperador haviam sido realizadas. Mas, assim que apareceu e fez a pergunta, os carrascos não hesitaram em agarrá-lo e jogá-lo para dentro do fogo. Eles esperavam resistência, pois assim estavam habituados. Mas realizaram as ordens do imperador com obediência.
Já estava escuro quando o rabino Shimshon acordou. Ele lembrou que havia esquecido a ordem do imperador!
Foi imediatamente para sua casa e foi recebido com olhares infelizes. As ordens do imperador haviam sido enviadas e a família recebera a notícia de que tudo seria confiscado.
O rabino tentou não se preocupar e, assim que amanheceu, correu para a casa real de execuções a fim de perguntar se as ordens do imperador haviam sido cumpridas.
“Ah, sim” – os carrascos responderam. “Pegamos o padre e, apesar de seus protestos, nós o jogamos ao forno quente. Ele foi fatalmente queimado!”
O rabino estava confuso, mas aliviado por saber que as ordens do imperador haviam sido realizadas satisfatoriamente, apesar de seu atraso em entregar a mensagem. Em seguida, correu para comunicar o imperador de que tudo ocorrera conforme o desejado.
Agora era a vez de o imperador surpreender-se. Ele observou o rabino Shimshon com um ar de dúvida, como se perguntasse: “O que está fazendo aqui?”
O rabino disse: “Devo admitir a verdade, Vossa Majestade, mas, devido a circunstâncias imprevisíveis, não pude cumprir a ordem imediatamente. Mas nesta manhã, quando fui aos carrascos, eles me contaram que prenderam o padre e jogaram-no ao fogo sem fazer perguntas, como haviam sido instruídos. E, assim, tudo ocorreu conforme Vossa Majestade desejava.”
Então ele abaixou sua voz e disse envergonhado: “Mas, Vossa Majestade, gostaria de saber por que ordenou o confisco de meus bens. Fiz algo que o desagradasse? Se realmente fiz, por favor, diga para mim. Toda a minha fortuna foi adquirida honestamente. Posso provar isso!”
O imperador riu. “Você é uma pessoa de muita sorte, rabino Shimshon. Vejo que deve ser um merecedor para que Deus o proteja de maneira tão maravilhosa.” Ele então descreveu o que realmente acontecera e como o rabino fora salvo da terrível morte.
Ele dirigiu-se ao rabino dizendo-lhe: “Ainda há um ponto a esclarecer – os livros de contas. Você pode explicar isso?”
O rabino apresentou então seus próprios livros de contabilidade, que provaram a falsificação do padre. Shimshon foi completamente inocentado. O imperador sentiu terrivelmente por ter suspeitado de seu ministro de maior confiança.
“O que posso fazer para recompensar minha falta de confiança em sua honestidade?” – o imperador perguntou sinceramente.
O rabino pediu-lhe: “Você sabe, Vossa Majestade, que nós judeus somos seus subordinados leais e rezamos pela prosperidade de seu reino. Se lhe agradar, eu pediria que construísse uma bela sinagoga aqui em Viena, onde meus conterrâneos possam continuar a rezar por seu sucesso e prosperidade. Essa seria a maior recompensa que eu poderia sonhar!”
O imperador cumpriu a promessa, e em pouco tempo uma magnífica estrutura adornava o centro de Viena – a sinagoga conhecida como “Sinagoga do Rabino Shimshon”.
Extraído da série CONTOS DE TSADIKIM
Mesmo se você não tem os demais volumes dessa série, que já se esgotaram… vale a pena conhecer estes tomos que ilustram de forma agradável, com histórias e contos relacionados com os principais temas tratados nos textos dos livros do Levítico e do Deuteronômio. Quem sabe lê-los à mesa no jantar e depois abrir um diálogo com seus filhos a respeito das ideias e dos valores apresentados?

