de Yitta Halberstam e Judith Leventhal
Assim como a água reflete a face, também um coração reflete outro, diz um antigo provérbio judaico, proferindo a
crença de que sentimentos são sempre mútuos. Mas, no caso de Larry Davis e Lily Jacobs, não era bem assim. Larry
era totalmente apaixonado por Lily, mas seus sentimentos não eram recíprocos. Lily gostava muito de Larry e, na
verdade, até o considerava um de seus melhores amigos. Mas romance? “Ele estava totalmente apaixonado por
mim, mas eu nunca soube disso”, diz Lily.
Os dois se conheceram em 1957, na escola secundária Bexley High School, em Columbus, Ohio, onde a maior
parte do corpo estudantil era composta de judeus. Eles logo estabeleceram uma ligação, e desde o começo
perceberam o quanto eram parecidos. “Eu contava para ele todos os meus problemas”, relembra Lily. “Ele me levava
para casa todos os dias depois da aula e assistíamos juntos ao programa American Bandstand na televisão, e depois
ainda passávamos horas falando pelo telefone todas as noites.”
Larry estava convencido de que encontrara o amor de sua vida – mas Lily tinha outro namorado na escola, que
era o foco de seus pensamentos. Permanecendo firme, Larry continuou sendo o confidente de Lily e ouvindo
atentamente todos os detalhes da relação dela com Steve Arnold, mesmo enquanto seu próprio coração sofria. Larry
e Lily nunca falaram abertamente sobre as diferenças dos sentimentos que um nutria pelo outro.
Após a formatura, cada um seguiu o seu caminho. Lily foi para uma faculdade na Filadélfia, enquanto Larry foi
para uma faculdade local de Columbus. Larry sempre pensava em Lily e na possibilidade de viajar até a Filadélfia
para visitá-la, mas sempre reconsiderava. “Para quê?”, pensava em desespero. “Os sentimentos dela nunca irão
mudar.”
Três anos depois, Lily noivou com outra pessoa. Quando Larry a viu com seu noivo em um cinema de Columbus,
ele virou-se de costas e quase foi embora de tão chateado.
Lily e seu marido mudaram para Wichita, em Kansas, mas iam muito a Columbus visitar os pais dela. Certo dia,
quando Lily retornava para a casa de seus pais empurrando um carrinho de bebê pela rua, Larry passou de carro.
Quando viu Lily, seu coração se desfez, e ele acelerou o carro para passar mais rapidamente por ela. Ele nem disse
oi.
Muitos anos se passaram até Larry curar seu coração partido, mas, no final das contas, ele aceitou o fato de que
Lily jamais seria sua. Ele tentou tirá-la de sua cabeça e de seu coração e recomeçar a vida. Mudou-se para Atlanta,
onde finalmente se casou aos trinta e um anos de idade.
Em Atlanta, Larry se esforçou para criar uma família e se tornou um próspero empresário e devotado pai. Ele
alcançou várias metas a que sempre aspirara. Porém, havia uma meta na qual ele falhara. Larry não conseguia tirar
Lily totalmente de seu coração. De tempos em tempos, ele ligava para Carol, a melhor amiga de Lily em Columbus,
somente para saber como Lily estava indo.
Lily tinha um bom casamento e quatro filhos adoráveis, Carol dizia a Larry quando ele telefonava. Mas logo as
coisas começaram a mudar drasticamente na vida de Lily. Quando sua filha mais velha fez catorze anos, a menina
adoeceu. E o diagnóstico era de câncer. Quatro anos mais tarde, ela faleceu, e a família ficou arrasada. Lily sentia
que sua vida acabara. “Eu não sorri nos dez anos seguintes”, recorda ela. “Tinha certeza de que jamais sentiria
felicidade novamente durante toda a minha vida. Mas também sentia que tinha de continuar, pelo bem dos meus
outros três filhos. Então eu me forçava.”
Mas, apesar de seus esforços, Lily já não era mais capaz de manter seu casamento, mergulhado em uma crise.
“Oitenta por cento dos casamentos que passam pelo trauma da morte de um dos filhos termina em divórcio”, ela
explica. “O nosso foi mais um na estatística. Havia dor e estresse demais acumulados nos últimos quatro anos. Nosso
casamento, literalmente, não suportou isso.”
Lily seguiu o seu caminho, mas a vida não tinha mais nenhuma graça. Ela tentou incorporar certo senso de
normalidade, para que seus filhos pudessem continuar crescendo saudáveis. Ela também tinha a sorte de contar com
um círculo de amigos dedicados em Wichita, amigos que a cercaram de amor e apoio.
Uma dessas pessoas era Jossie. “Nós passamos por muita coisa juntas: os dois divórcios de Jossie, a morte de
minha filha, depois o meu próprio divórcio. Jossie era mais que uma amiga, ela era minha família. E os pais dela, que
vinham frequentemente a Wichita, tornaram-se meus pais postiços. Nós éramos todos muito íntimos.”
Em agosto de 1994, Jossie decidiu dar uma festa de gala para seus pais em sua cidade natal, em Atlanta, por
ocasião do aniversário de cinquenta anos de casamento deles, e ela pediu a Lily que a acompanhasse. “Eu estava
muito hesitante, relutando”, lembra Lily. “Primeiro, porque eu estava com dificuldades financeiras e os custos da
passagem e do hotel eram exorbitantes. Além disso, eu havia desistido da vida, e não estava nada bem
psicologicamente. Você não tem muita vontade de ir a festas quando está com esse humor. Mas depois eu pensei
que, Deus não permita, caso os pais de Jossie morressem, eu certamente iria ao enterro, então por que não
participar de uma ocasião alegre? É uma mitsvá, eu pensei.”
Desde a sua infância, o pai de Lily sempre lhe dizia: “Faça aquilo que você sabe ser o correto, mesmo que para
isso você precise se esforçar mais ou se sacrificar.” E Lily internalizara bem essa mensagem. “Depois de lutar comigo
mesma por um bom tempo, decidi ir. Era realmente a coisa certa a fazer.”
Na festa, uma mulher do tipo bem intrometido resolveu se meter com entusiasmo na vida de Lily.
— E então, de onde você é? – quis saber, puxando papo.
Quando Lily mencionou que ela era originalmente de Columbus, os olhos da mulher se arregalaram.
— Mesmo? Você conhece Larry Davis? – perguntou.
Quando Lily disse que eles haviam sido amigos nos tempos de escola, a mulher exclamou:
— Você sabia que ele mora bem aqui, em Atlanta?
Lily se mostrou surpresa, mas sem muito interesse. Ela ainda estava deprimida demais para querer reviver antigas
amizades.
Mas se Lily não estava muito animada, a mulher mostrou-se mais do que ávida por se meter naquilo que não era
da sua conta. Não houve surpresa nenhuma quando a fofoqueira pegou o telefone na manhã seguinte e ligou para
Larry.
— Adivinha? – ela cantarolou, animada. — Conheci uma antiga amiga sua ontem à noite.
Se Lily se mostrou desinteressada com a novidade, Larry ficou emocionado ao escutar que sua antiga amiga
estava na cidade.
— Onde ela está? – perguntou, animado.
A intrometida estava preparada: ela havia dado um jeito de arrancar a informação de Lily na noite anterior e,
assim, pôde informar a Larry o nome do hotel.
Em segundos, Larry já estava ligando, mas o telefone de Lily estava ocupado. Larry ligou para a telefonista do hotel
e implorou que interrompesse a ligação, mas ela se recusou. Então, incapaz de conter sua empolgação, Larry dirigiu
até o hotel para implorar pessoalmente; mas a telefonista manteve-se firme. Larry voltou para casa e, finalmente,
conseguiu falar com Lily pelo telefone.
— Oi, aqui é o Larry! – Sua voz amável explodia de agitação.
— Ah, oi – , disse Lily, seca.
— Eu gostaria de ir até aí para dar uma alô – ele disse.
— Não vai dar – respondeu Lily com indiferença. — Vou encontrar umas pessoas para um brunch daqui a pouco.
— Só por uns minutos – ele insistiu. — Por favor? Eu te encontro no lobby.
Larry já tinha 55 anos, mas ele apareceu no hotel vestindo jeans e camiseta, um capacete e dirigindo uma
motocicleta Harley. Os amigos de Lily acharam ele muito legal, mas Lily estava indiferente. Larry e Lily se falaram por
alguns minutos, mas ela continuava fria e distante. Ela foi cuidadosa com as informações que compartilhou com ele.
“Tinha certeza de que ele era casado e feliz, e por isso fiquei inibida em revelar minha vida.”
Porém, o casamento de Larry havia acabado muito tempo antes. O relacionamento fora problemático desde o
começo e, apesar de ele e sua esposa terem tentado terapia por muitos anos, eles não foram capazes de fazer o
casamento dar certo. Quando Larry encontrou Lily, ele já estava oficialmente separado de sua esposa por muitos
meses.
Para Lily, o encontro fora insignificante, mas, para Larry, fora muito importante. Ele ainda nutria sentimentos em
relação a ela – os mesmos sentimentos de sempre.
Alguns dias depois, Larry ligou para Lily, já em Wichita.
— Eu só queria que você soubesse que foi muito legal ver você novamente – disse ele.
— Preciso ir – respondeu Lily. Ela não sabia por que ele estava ligando para ela, mas tinha certeza de que o
comportamento dele era inapropriado para um homem casado.
Mas Larry recusava-se a desistir, como havia feito 35 anos antes. Desta vez ele seria persistente e expressaria os
sentimentos que reprimira por tanto tempo.
Na semana seguinte, Larry ligou novamente e, então, disse a Lily que estava em meio aos procedimentos do
divórcio. Aliviada por saber que as intenções dele não eram inapropriadas, Lily relaxou e eles passaram a conversar
horas e horas pelo telefone, do mesmo velho e familiar jeito de antigamente. “Era exatamente como quando ainda
estudávamos juntos”, diz Lily.
Isso em mais de um sentido: eles retornaram para o padrão original, o modelo inicial. Em uma repetição exata do
cenário de tantos anos atrás, Larry era louco por Lily, mas ela somente o considerava um amigo de longa data, e
nada mais. Ela estava feliz por tê-lo de volta em sua vida, “mas com certeza não estava em meus planos me
apaixonar por ele”.
Lily se recusou a sair com Larry até que os papéis do divórcio saíssem. Mas isso não impediu que o inevitável
acontecesse por telefone. Aquilo que demorara trinta e cinco anos para acontecer, de repente, floresceu com vigor.
Demorou todo aquele tempo, mas cresceu e amadureceu como uvas maduras cuidadosamente em uma vinha. E,
assim como vinho velho, era doce. Lily finalmente se apaixonara por Larry, que nunca se esquecera dela, no final das
contas.
Os dois se casaram oito meses depois, em abril de 1996 (“Quando você já está nos cinquenta, a vida não espera
por você”, explica Lily) – 39 anos depois de se conhecerem na escola. “Hoje, eu estou tão feliz e sinto que tenho
tanta sorte que mal posso acreditar”, ela fala.
No ano passado, Lily acompanhou Larry ao reencontro de sua turma da escola, e ninguém se surpreendeu ao vê-
los como marido e mulher.
“As pessoas acharam que sempre estivemos juntos. E, de certo modo, elas estavam certas.”
Isso não é milagre. Os outros textos até este sim, eram milagres. Esse tipo de coisa já aconteceu com muitas pessoas, centenas de vezes.