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Parashá Semanal - Leitura da Torá

Quão boas são as tuas tendas, ó Jacob!

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Balac extraída da obra torá interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer

 

Números, Capítulo 25

1 E Bilam viu que era bom aos olhos do Eterno que abençoasse Israel, e não foi, como outras vezes, em busca de adivinhações, e voltou seu rosto na direção do deserto. 2 E Bilam levantou seus olhos e viu Israel acampado por tribos; e veio sobre ele o espírito de Deus. 3 E proferiu sua parábola e disse: ‘Palavras de Bilam ben Beor, e palavras do homem de olho aberto. 4 Palavras daquele que ouve os ditos de Deus, que vê a visão do Todo-Poderoso, e quando deitado lhe aparece. 5 Quão boas são as tuas tendas, ó Jacob, as tuas moradas, ó Israel!  6 Como rios que se estendem, como jardins à beira do rio, como especiarias que o Eterno plantou, como cedros junto às águas. 7 Correrão águas de seus poços e sua prosperidade será como a semente junto às águas. E seu rei se levantará mais que Agag, e o seu reino será exaltado. 8 Deus, que o tirou do Egito e é para ele como uma força ascendente, consumirá as nações, seus adversários, e quebrará seus ossos, e as flechas de Deus submergirão em sangue. 9 Israel se repousará e se estabelecerá na sua terra como um leão, e como leão, quem o levantará? Os que te abençoarem serão benditos, e os que te amaldiçoarem serão malditos!’

 

 

  1. E Bilam viu. Somente agora os olhos de Bilam se abriram e ele passou a não acreditar mais que poderia mudar a vontade de Deus por meio da arte da magia. Aquilo que saiu de sua boca nos versículos 8 e 20 do capítulo anterior agora se tornou uma crença interior em seu coração. Portanto, ele apenas olhou para o deserto – do ponto de vista que Balac havia estabelecido para ele – e esperou para ver se Deus continuaria a usá-lo como uma ferramenta em Suas mãos.
  2. E Bilam levantou. Porém, quando ele levantou seus olhos e viu Israel “por tribos”, acampado de acordo com suas tribos e divididas em casas patriarcais e famílias, essa visão em si já lhe proporcionou a resposta à pergunta de Balac. Naquela hora, “e veio sobre ele o espírito de Deus”, e agora ele não era mais um instrumento involuntário para as palavras que Deus colocou em sua boca. Tudo o que ele disser a partir de agora, ele dirá com um espírito puro de profecia.

3-4. E proferiu. Esse “espírito de Deus” lhe era algo novo que ele nunca havia experimentado ou sentido antes. Portanto, ao contrário dos profetas de Israel, ele volta sua atenção primeiro para si mesmo, e esse pensamento o envolve completamente. Ele está tão ocupado descrevendo seu novo estado e a transcendência espiritual de sua personalidade, que não chega ao que ele realmente precisa dizer.

ben Beor. No TB San’hedrin 105a, essa expressão é interpretada com o significado oposto do exposto acima: “Seu pai lhe era como um filho em profecia” – em outras palavras, seu pai Beor era considerado como seu filho, pois como profeta, Bilam era maior que ele.

aberto (setum). Encontramos o termo setum outra vez apenas no TB Avodá Zará 69a, como o oposto de satam (obstruir): “para que abra, tampe e sele”. Lá, setum indica a abertura de algo que estava coberto. “De olho aberto” – agora ele sentiu que seu olho se abriu.

a visão do Todo-Poderoso (Shadai). Shadai é o Deus que está acima da ordem mundial e determina para o mundo uma medida e um limite, um estatuto e uma ordem. “A visão do Todo-Poderoso” seria que  Deus permite que o mortal veja algo da ordem mundial que Ele estabeleceu.

e quando deitado. O “espírito de Deus” o subjugou e dominou, e ao mesmo tempo, ele estava “de olhos abertos”, ou seja, sua mente estava clara e desperta.

5-6. Quão boas são. A pergunta de Balac para Bilam foi: Como você vê esse povo a partir do “cume de Peor”? Qual é o relacionamento dele no tocante a modéstia e moralidade em questões de relação conjugal? O acampamento “por tribos” que ele contemplava naquele momento, as “tendas de Jacob” e as “moradas de Israel”, que permitiam que cada criança soubesse quem era seu pai, e as casas, famílias e tribos agrupadas de acordo com a atribuição do pai – onde “a família paterna é chamada de família” (TB Babá Batrá 109b) –, esses são os padrões pelos quais a moralidade dessa nação pode ser julgada em questões de relações conjugais.

“Quão boas (tôvu)” – e não “quão belas (iafú)”, ou seja, quão bons são os “teus lares” pela forma com que estão alinhados com a visão da moralidade e do verdadeiro bem do povo, seja no momento em que são as tendas de Jacob, em suas viagens, seja quando são as moradas permanentes e impressionantes de Israel, como em “E habitará Meu povo em lares pacíficos, em vivendas seguras” (Isaías 32:18). Os lares das famílias de Israel são “como rios” e “como jardins” – como correntes de água que trazem bênçãos e como jardins que são eles mesmos abençoados. Cada lar patriarcal e cada ramo familiar transmite à próxima geração as bênçãos do sucesso material e o bem espiritual e moral, como um rio, e ao mesmo tempo, cada um é um “jardim humano”, abençoado com abundância material, intelectual e moral. Cada um é um “rio” por si só, fluindo em seu próprio curso especial, independentemente dos outros, mas cada um dirige suas conquistas para que fluam em direção ao rio unificado que todos compartilham. Além disso, cada um é um jardim cuja abundância de frutas e flores chega a ele graças ao rio comum. São “como especiarias” e, ao mesmo tempo, “como cedros”, pois combinam a essência fina e delicada das ervas de especiaria com o poder firme dos cedros, e a espiritualidade refrescante, refinada e nobre, com a bravura e a resistência.

Ahalim (especiarias) é como em “Perfumei-o com mirra, aloés (ahalim) e canela” (Provérbios 7:17) e “a mirra e aloés (ahalot), com todas as principais especiarias” (Cântico dos Cânticos 4:14). A característica delicada e pura das especiarias, que representa o talento espiritual das gerações de Israel, é o dom Divino que depende do plantio de acordo com a vontade de Deus (“como especiarias que o Eterno plantou”) e da água, a fonte de vida e poder, sobre a qual crescem os cedros humanos (“como cedros junto às águas”).

  1. Correrão águas de seus poços. A água flui dos poços de Deus, e toda semente humana semeada ao longo desses riachos é a “semente” de Deus.

Já vimos que as tendas de Jacob e as moradas de Israel são “boas”, e toda a vida que se desenvolve dentro delas é um “jardim humano” no qual se encontra a bênção e é fonte da bênção. O segredo está no aspecto moral e na santidade da vida familiar. A vida conjugal de Israel é consagrada e protegida de qualquer vestígio de grosseria e baixaria representadas pelo Peor. O povo de Israel respeita o poder da semente do homem como algo pertencente a Deus e consagrado a Ele. Somente em nome de Deus e de acordo com a Sua Torá eles semeiam e plantam sementes humanas, de modo que os filhos cresçam sobre as fontes de Sua Torá e de seus estatutos, glorifiquem Seu nome e façam Sua vontade na terra. Essas verdades são reveladas ao espectador por meio da visão das tendas de Jacob e das moradas de Israel, que acampam – de acordo com as casas de seus pais, famílias e tribos – ao redor do Tabernáculo da Torá de Deus, o qual todos apreciam e respeitam em medida igual – essa é a visão de “Israel acampado por tribos”.

O poder da vitória de Israel depende precisamente desse aspecto moral da vida familiar e conjugal do indivíduo. “Correrão águas de seus poços”, pois as leis Divinas que conduzem a vida são recipientes que contém águas puras, e desses recipientes sai o rio sobre cujas margens floresce o jardim judaico do ser humano. Toda semente humana judaica pura é a “semente” de Deus e o produto da sensualidade submetida à Torá de Deus. “E seu rei se levantará mais que Agag, e o seu reino será exaltado”, pois a vitória de Israel é a vitória da lei Divina da moralidade, e a expansão do reino de Israel é a elevação do trono de Deus na terra.

  1. Deus, que o tirou. Acima (23:22), é dito “os tirou”. A moralidade nos assuntos conjugais e o afastamento da promiscuidade e de tudo que estiver relacionado à impureza do Peor já constituía no Egito a nobreza inerente a todos os filhos e filhas de Israel. Essa característica compartilhada de pureza moral criou um forte vínculo que os uniu até mesmo no Egito, quando ainda faltavam todos os pré-requisitos externos necessários para se tornarem uma nação. O Deus que os redimiu por sua pureza moral é aquele que aumentará e intensificará seu poder também no futuro, pois, graças a eles, a lei moral do Eterno retornará e encontrará um lugar entre os seres humanos. Eles derrotarão outras nações, ou, mais precisamente, Deus destruirá outras nações diante deles, porque essas nações são “Seus adversários” – de Deus – e inimigos dos ensinamentos morais de Deus que se opõem à manifestação de Sua Presença Divina na terra. De fato, na porção que fala da proibição de manter relações promíscuas (Levítico 18), a Escritura fala repetidas vezes que o Eterno decretou extermínio aos habitantes de Canaã por causa de sua extraordinária devassidão moral.

e quebrará seus ossos (atsmotehem iegarem). Deve ser feita distinção entre guérem e étsem (ambos comumente traduzidos como “osso”). O étsem é chamado assim porque o osso é duro e forte (atsum – poderoso), enquanto o guérem é um órgão, um pedaço. De acordo com isso, o verbo garêm aparentemente significa desmontar, desconectar as ligações entre as partes, impedir o seu movimento. Portanto, o significado de atsmotehem iegarem é este: todo o seu poder não será suficiente para salvá-los de Israel, porque eles perderão seu movimento, e Israel fará com que seus ossos deixem de ser gueramim, órgãos dotados de movimento.

e as flechas de Deus submergirão em sangue. Israel os atingirá como as flechas de Deus. Em outras palavras, Israel é uma flecha na mão de Deus em Sua guerra contra Seus inimigos do domínio de Sua Torá na terra. Justamente porque Israel é uma flecha na mão de Deus, ele tem o poder de vencer as nações.

  1. se repousará e se estabelecerá. Depois que Israel derrotar as nações e habitar entre elas em paz, haverá um temor de admiração por ele tão grande, que ninguém ousará guerrear contra ele.

Os que te abençoarem serão benditos. Bilam olha novamente para baixo, para Israel, e reproduz uma fala de grande importância que Deus falou sobre Abrahão quando o escolheu pela primeira vez (Gênesis 12:3) e que Isaac reiterou em sua bênção (ibid. 27:29).

Aqui, como na bênção de Isaac, é dito “os que te abençoarem” e “os que te amaldiçoarem” no plural, enquanto, em hebraico, os adjetivos “bendito” e “maldito” estão no singular.* Parece, portanto, que essa frase deve ser interpretada da seguinte forma: “Todos os que te abençoarem” – isto é, todos aqueles que respeitarem os princípios que você mantém e que ajudarem a promovê-los farão parte do grupo “bendito” e serão chamados de “benditos”. Ou seja, são eles a quem Deus prometeu dar Sua bênção e que terão um futuro sob o governo de Deus. Por outro lado, “os que te amaldiçoarem” – isto é, os inimigos dos princípios que você representa e que anseiam por sua queda, para que os valores que você mantém sejam destruídos com você, farão parte do grupo “maldito” e estarão entre os amaldiçoados. Ou seja, eles serão os que carregarão consigo a maldição de Deus que condena ao extermínio e que não tem futuro na terra de Deus.

* A sintaxe gramatical do idioma português não aceita essa variação entre singular e plural dentro da mesma frase, e por isso, em português, toda ela está no plural. (N. do E.)

Torá Interpretada - Editora Sêfer

 

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Balac extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.

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