Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção CHUCAT extraída da obra torá interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer
Números, Capítulo 20
12 E o Eterno disse a Moisés e a Aarão: “Porquanto não crestes em Mim, para santificar-Me aos olhos dos filhos de Israel, por isso não trareis esta congregação à terra que lhes dei.” 13 Estas são as águas de Merivá [‘Disputa’], porque os filhos de Israel brigaram com o Eterno e Ele Se santificou em virtude deles.
- Porquanto não crestes em Mim, para santificar-Me. Se não estivermos errados em nossa abordagem até aqui, a emoção de Moisés se deveu ao sentimento amargo de que o trabalho de sua vida não dera resultados. Tudo que ele fizera pelo povo fora em vão, já que a atitude deles em relação a ele ainda era como a de rebeldes obstinados que não escutam nem mudam de opinião.
Por um lado, essa excitação constitui evidência de que Moisés permitiu que sua personalidade particular se expressasse, o que não é apropriado a um homem como Moisés, pois a personalidade do emissário deve se submeter diante do reconhecimento de sua missão. Talvez essa seja a mais difícil de todas as provações: nunca perder a paciência, mas aguardar por Deus e esperar por Ele longamente. Por outro lado, a excitação de Moisés indica dúvida – mesmo que apenas por um momento passageiro – em relação ao sucesso final da missão Divina. E, por um momento, Moisés fica em dúvida se a nação assumirá sua missão.
Porventura tudo isso não constitui um declínio momentâneo da fé? Pois aquele que confia não tem razão para temer; ele se apega vigorosamente a Deus, mesmo se a situação for difícil e contraditória. Mesmo que sua missão fracasse, ele não questiona a si mesmo ou seu propósito – e este é o verdadeiro teste de sua fé. O emissário do Eterno deve sempre ter o Eterno diante de si, pois não há nada que possa impedir que Deus cumpra Sua vontade absoluta, e Ele fará o que quer que deseje. Esse reconhecimento deve sempre estar com o emissário, e nada que lhe acontecer fará com que se desanime. Como os anjos que santificam o nome do Eterno, ele deve cobrir seus olhos e pés e realizar o serviço de Deus exclusivamente por meio do poder das asas de sua missão. Será que o cumprimento dessa exigência não constitui a santificação do nome de Deus entre o povo a quem essa missão é dirigida? Portanto, será que a alegação “não crestes em Mim, para santificar-Me” não penetra e atinge o âmago do fracasso de Moisés? Acaso ela não define a essência interior da excitação impaciente de Moisés?
No entanto, quem estaria disposto a completar a relação tácita na Escritura entre pecado (“porquanto”) e punição (“por isso”)? E quem ousaria definir a participação de Aarão nesse pecado, pela qual ele foi considerado digno do mesmo castigo? De qualquer forma, o fato permanece o mesmo, em todo o seu significado fatídico. Por causa de um momento tão pequeno e facilmente compreensível de fraqueza na fé, os líderes da nação, que se encontram na fronteira da Terra Prometida aos filhos de Israel, receberam uma punição semelhante à que recebeu a geração do deserto por causa de sua constante falta de fé. Os túmulos dos líderes, ao lado dos túmulos do povo, servem de testemunho eterno da justiça do reino dos céus, que em cuja balança mesmo o menor equívoco de pessoas próximas ao Eterno, pessoas sagradas em Seu serviço Divino, é considerado como o pecado mais grave de mortais comuns. O governo de Deus completa Sua obra na terra sem a ajuda de Moisés e Aarão, e assim ele Se revela em toda a santidade de Sua absoluta grandeza. A consecução de Seus objetivos não depende de nenhum fator externo, e mesmo Moisés e Aarão não são indispensáveis para isso.
E assim encontramos num dos salmos nacionais de Israel, escrito numa época posterior (Salmo 99), que o salmista canta sobre a santidade do Eterno e descreve a glória do reino de Deus diante da qual todo coração treme e todo homem se disciplina com seriedade a fim de dominar seus atos com o máximo cuidado – “Quando reinar o Eterno, tremerão todos os povos”. Ele menciona os querubins que protegem a Torá de Deus e assim diz em seu cântico: “Ante Seu trono, apoiado sobre querubins, estremecerá a terra” –, pois quando o Eterno estabelece o Seu trono sobre os querubins, a terra estremece por todas as suas condutas anteriores. “Louvado será Seu nome, grande e temível, pois Ele é sagrado” – e todos aqueles que louvam o Seu nome reconhecem e sabem que o Eterno é grande e temível, pois Ele é sagrado! “Poderoso é o Rei que ama a justiça; Ele estabeleceu a retidão e, com equidade e direito, julga Jacob” – e a bravura do Eterno ama a justiça, e Ele deseja estabelecer no nosso meio a virtude da retidão, que se baseia em equidade e direito. “Exaltai ao Eterno, nosso Deus, e prostrai-vos a Seus pés, pois santo é Ele” – e já que o Eterno é santo, somos obrigados a dedicar todo o nosso ser ao Templo da Sua Torá. O poeta então aponta seu dedo para Moisés e Aarão, pedindo que observemos que Moisés e Aarão eram os maiores de seus sacerdotes e Samuel estava entre aqueles que invocavam Seu nome – “Moisés e Aarão estavam entre Seus sacerdotes e Samuel entre os que invocaram Seu nome”, e eles clamavam a Deus para ajudar os outros e tinham certeza de que Ele os atenderia – “Invocavam o Eterno, e Ele lhes respondia”. “Na coluna de nuvem lhes falava, e eles obedeciam a Seus estatutos e todas as leis que lhes transmitia” – Deus falava com eles numa coluna de nuvem, e eles guardavam Seus estatutos e as leis que Ele lhes transmitia. “Tu lhes respondeste, ó Eterno, nosso Deus, mostrando ser um Deus que perdoa” – e em suas súplicas pelos outros, Deus os ouvia e era um Deus indulgente, “mas que também pune as transgressões” – porém, em relação aos seus próprios fracassos, ele não Se conduziu com perdão. Ainda assim, “Exaltai o Eterno, nosso Deus, e prostrai-vos no Seu santo monte, porque santo é o Eterno, nosso Deus”.
- e Ele Se santificou em virtude deles. As palavras “em virtude deles” provavelmente se referem a Moisés e Aarão, mencionados no versículo anterior, e a santificação do nome de Deus mencionada aqui deve ser entendida de acordo com o significado dado no versículo 12. A morte de Moisés e Aarão imprime uma marca eterna na origem Divina de sua missão. Além disso, ela atesta a santidade de Deus, que não pode ser profanada. Por meio de Moisés e Aarão, nos foi revelada a vontade de Deus, e é a Sua vontade que guia o nosso caminho sobre a terra. “Exaltai o Eterno, nosso Deus, e prostrai-vos no Seu santo monte, porque santo é o Eterno, nosso Deus” (ibid.) é a voz de exclamação que sai dos túmulos desses justos, e ela adverte todas as gerações de Israel em todas as épocas e em todos os lugares.
A combinação dos termos “filhos de Israel” e “em virtude deles” no nosso versículo é muito significativa. Os filhos de Israel brigaram com o Eterno e, no entanto, Moisés e Aarão foram os atingidos pelo severo atributo do juízo. Esse contraste atesta a santidade de Deus em toda a sua grandeza.
As palavras “Estas são as águas…” diferenciam entre essas águas de Merivá e as águas de Merivá do primeiro ano no deserto (Êxodo 17).
Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção CHUCAT extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.
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