Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção TERUMÁ extraída da obra torá interpretada À luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer
Êxodo, Capítulo 25
1 E o Eterno falou a Moisés, dizendo: 2 “Fala aos filhos de Israel que tomem para Mim uma oferenda; e tomareis Minha oferenda de todo homem cujo coração o impelir a isso. 3 E esta é a oferenda que tomareis deles: ouro, prata e cobre; 4 tecido de lã azul‑celeste, púrpura, carmesim, linho e pelo de cabra; 5 couros de carneiros tintos de vermelho, couros de táchash e madeiras de acácia; 6 azeite para a iluminação, especiarias para azeite de unção e para o incenso das especiarias; 7 pedras de ônix e pedras de engaste para o efod e para o peitoral. 8 E Me farão um Santuário e morarei entre eles. 9 E conforme tudo o que Eu te mostrar como modelo para o Tabernáculo e como modelo para todos seus objetos – e exatamente assim fareis.
- que tomem para Mim. Que eles recebam os donativos em Meu nome. A doação não será dada diretamente ao Eterno, mas cada pessoa dará sua contribuição ao público para os propósitos de Deus. Isso sugere que a obrigação imposta por Deus não recaiu sobre o indivíduo, mas sobre o público, e que o propósito Divino foi determinado não pelo bem dos indivíduos contribuintes, mas pelo público em geral.
uma oferenda (terumá). Da raiz rom – elevar, ascender – e significa algo elevado e separado para servir a uma causa maior.
tomareis. Inclui o próprio Moisés, como membro do público em geral.
o impelir (yidevênu). Derivado da raiz nadev, que é próxima de natef – gotejar, sair de dentro pouco a pouco. A partir daqui obtém-se nataf, a resina que pinga das árvores e, por extensão, a expressão de um pensamento, como em “Doçura está emanando (titôfna) dos teus lábios” (Cântico dos Cânticos 4:11). Verifica-se que nadev significa inspirar uma pessoa a dar um presente de seu coração, e indica uma doação feita inteiramente por livre-arbítrio.
3-8. E Me farão um Santuário e morarei entre eles. Após o relato da confecção do Tabernáculo, que se inicia aqui, no Êxodo, vem o relato de Torat Cohanim (“A Torá do Sacerdócio”), que é uma série de mandamentos que visam garantir a santidade do Templo e a santificação da vida. O capítulo 26 do Levítico conclui esse trecho, e quando refletirmos sobre o que está escrito naquele trecho de conclusão – “Se andardes nos Meus estatutos (…) porei o Meu Santuário no meio de vós” (ibid. 3-11)– duas coisas ficarão absolutamente claras para nós:
(1) O significado de “e morarei entre eles” no nosso versículo vai muito além apenas da manifestação da Presença Divina no Templo. Sua real implicação é a proximidade de Deus dentro de nós e a concretização da aliança entre Ele e Israel revelada por meio do florescer da vida individual e nacional sob a Sua guarda e bênção.
(2) Deus não coloca Sua Presença, Sua proteção e Suas bênçãos em nosso meio unicamente por causa da construção e manutenção do Templo, feitas com precisão e minúcia, mas somente pela santificação de toda a nossa vida nacional e privada e sua dedicação ao cumprimento dos Seus mandamentos. Isto não foi apenas comprovado historicamente pela destruição do Tabernáculo de Shiló e dos dois Templos de Jerusalém, mas o próprio texto enfatiza explicitamente este aviso em diversos lugares, em particular com relação aos três mandamentos mais graves – idolatria, promiscuidade e derramamento de sangue – (Levítico 20:3; Números 35:34; Levítico 15:31; DT 23:10 e 15), imediatamente no momento da criação e construção do Templo de Salomão (1 Reis 6:12 e capítulo 9) e em quase todos os capítulos dos profetas (como em Jeremias 7).
Apesar disso, a Escritura declara no nosso versículo que “morarei entre eles” virá como resultado de “Me farão um Santuário”. Se assim for, “Santuário” é meramente a expressão dessa tarefa comum de cuja realização depende a manifestação da Presença Divina no povo de Israel, conforme prometido. Verifica-se que “Me farão um Santuário e morarei entre eles” inclui dois conceitos cuja expressão simbólica será a confecção do Tabernáculo e de seus utensílios. Esses conceitos são micdash (Santuário) e mishcan (Tabernáculo).
Micdash expressa a generalidade do papel que devemos desempenhar para com Deus, e mishcan expressa o cumprimento das promessas feitas por Deus em troca do desempenho deste papel. Micdash refere-se à dedicação de toda a nossa vida, tanto pública quanto privada, ao cumprimento da Torá de Deus, enquanto mishcan se refere ao repouso prometido da Presença Divina, manifestada por meio do florescimento das nossas vidas privada e nacional sob a proteção e bênção de Deus.
O Tabernáculo deve ser um micdash – lugar da santidade – e um mishcán – lugar de proximidade de Deus – onde buscaremos a santidade e a proximidade de Deus, ou seja, a conexão da aliança mútua entre Deus e o povo de Israel consolidada pela entrega da Torá por parte de Deus e de sua aceitação por parte de Israel. É nesse contexto que devemos buscar pelo significado do Tabernáculo como um todo e em seus detalhes, o que explica por que os capítulos sobre a construção do Tabernáculo vêm logo após os capítulos que incluem os princípios básicos da Torá e da aliança feita com base nela.
Se refletirmos a respeito da construção do Tabernáculo a partir desta perspectiva, veremos que os materiais que deviam ser doados para a sua confecção aludem aos assuntos pelos quais é possível alcançar a santificação da vida e perceber a proximidade santificadora e abençoada de Deus. Esses materiais pelos quais mostraremos a nossa devoção a Deus, recebemos de Deus em primeiro lugar e, por meio de sua doação, os receberemos de volta com bênção dobrada. Assim Jacob disse quando edificou a pedra fundamental e o primeiro elemento da primeira Casa do Eterno: “e de tudo quanto me deres, certamente Te darei o dízimo” (Gênesis 28:22). David, ao se preparar para a construção do Primeiro Templo, expressou a mesma ideia, ainda mais explicitamente: “Porque tudo vem de Ti, e do que é Teu damos a Ti” (1 Crônicas 29:14). E agora, há pouco, essa ideia foi trazida à atenção do povo – muito brevemente, mas de forma abrangente – por meio da aspersão de metade do sangue da aliança sobre o altar e metade na direção do povo (acima 24:6 e 8).
Os metais aparecem na Bíblia como representação de força e poder, devido à sua dureza (tal como em Jeremias 1:18, Jó 6:12 e Isaías 48:4) e como símbolo do valor agregado aos bens espirituais devido ao seu valor (tal como em Provérbios 2:4, Salmo 19:11 e Jó 28). Porém, os metais são mencionados em particular – devido às suas características de derretimento e fundição – como um símbolo de tudo aquilo que é bom e verdadeiro e que está misturado com as “impurezas do metal”, que contém variados graus de maldade e falsidade, e como a representação do processo de prova e refinamento associados à verdade e à moral. Os metais simbolizam diferentes graus de pureza e verdade moral: o cobre representa uma natureza de nível baixo, ainda não refinada; a prata simboliza o estágio em que há necessidade de refinamento e a facilidade de se executar tal refinamento; e o ouro, que é normalmente encontrado em forma pura, sem sujeira, e capaz de resistir às mais difíceis provações de fundição, é o símbolo da mais pura e refinada nobreza moral e da constância verdadeira e fiel.
Os metais têm duas propriedades: podem ser laminados na maior medida e são muito estáveis. Quando amolecidos pelo fogo e batidos com um martelo enquanto ainda moles, podem receber qualquer formato. Porém, quando adquirem determinada forma, eles a mantêm de maneira tão forte que ela só pode ser destruída por meio da aplicação de uma força muito intensa. Através dessas qualidades, os metais representam o traço característico com o qual devemos nos portar diante dos comandos do nosso dever e, especialmente, diante da vontade de Deus revelada a nós. De fato, o profeta (Jeremias 23:29) descreve a palavra de Deus como “fogo” e “martelo”. Verifica-se que, mais do que qualquer outro material, os metais são o símbolo mais apropriado da abordagem moral que devemos ter em relação ao nosso destino.
Portanto, de acordo com as propriedades metálicas de cada um dos metais, o cobre representa a natureza em seu estado não refinado; a prata, a natureza pronta para receber refinamento; e o ouro, a mais verdadeira e, portanto, a mais perfeita forma do bem e da pureza que pode resistir a qualquer prova.
Em relação aos tecidos, entendemos que a roupa do homem é uma expressão da natureza e caráter daquele que a está vestindo. A natureza humana possui dois aspectos: um vegetal e um animal. O aspecto vegetal inclui a capacidade de comer, beber e manter relações sexuais, junto com todos os impulsos e energias, desejos e prazeres derivados disso. O aspecto animal inclui as forças vitais da percepção intelectual, da vontade e da aspiração.
Entre os materiais utilizados na produção de vestimentas, a lã representa o aspecto animal da natureza humana, enquanto o linho representa o aspecto vegetal. Portanto, os únicos tecidos usados para a construção do local de descanso da Presença Divina foram lã e linho: tecido de lã azul-celeste (techélet), púrpura (argaman) e carmesim (toláat shaní) são de lã, e shesh é linho. E foram divididos em ainda mais uma categoria de grupos, de acordo com sua cor: branco, azul-celeste e dois tons diferentes de vermelho.
linho. O linho, que representa o aspecto vegetal da natureza humana, é de cor branca – a cor da pureza. Na Torá, a pureza moral é atribuída principalmente às forças da vida vegetal, e a corrupção da alimentação e da vida conjugal é uma mancha grave na pureza da natureza humana, sendo que a pureza é a virtude que dá origem ao grau de santificação que Deus requer especificamente para o aspecto vegetal da essência humana.
Assim como a lã, que representa o aspecto animal, se origina nos animais, as cores da lã mencionadas no versículo 4 – azul-celeste, púrpura e carmesim – também são originadas no mundo animal. Entre os dois tons de vermelho, o carmesim é o mais fraco, e púrpura é o mais forte. Assim, se o vermelho, como a cor do sangue, representa a vitalidade, então carmesim é atribuído ao nível inferior da vida animal, enquanto a cor púrpura é atribuída ao nível humano superior. De fato, a Escritura se refere ao homem como haadam, cujo significado literal é “o vermelho” (haadom), a vida em sua forma mais elevada.
tecido de lã azul-celeste (techélet). Da palavra tichlá, término, é a “cor do céu”, que denota os limites entre a linha do nosso horizonte e o que está além do campo da nossa visão, isto é, o desconhecido, o Divino. Portanto, quando essa cor é utilizada na roupa humana, ela representa o elemento Divino revelado a nós, pois é a cor da aliança de Deus com o ser humano e o símbolo do elemento Divino que se une ao homem puro e que se espalha e dá forma a todos os aspectos de sua vida.
Verifica-se que, em relação à essência do homem, é possível considerar suas partes em ordem crescente: o linho – representando o elemento vegetal; o carmesim – o elemento animal; a púrpura – o elemento humano; e o azul-celeste – o elemento Divino.
pelo de cabra. Pelo de cabra, usado apenas para sacolas ou roupas de luto e penitência, é um material que fornece segurança e proteção. Em relação a “couros de carneiros tintos de vermelho” e “couros de táchash”, ver adiante comentário sobre 26:14.
madeiras de acácia. A madeira geralmente simboliza crescimento e desenvolvimento estáveis e progressivos. O cedro – um tipo de madeira, que inclui “acácia” como uma de suas dez espécies (TB Rosh Hashaná 23a) – representa, além disso, também os atributos de grandeza e poder. Verifica-se que o uso de “madeiras de acácia” no Tabernáculo e em seus utensílios geralmente simboliza um desenvolvimento vigoroso, constante, renovado com frequência e contínuo.
Todos os materiais listados nos versículos 3-5 estão conectados pela conjunção conectiva ve- (“e”, em português). Juntos, eles constituem os materiais com os quais serão produzidos os principais componentes do Tabernáculo e seus utensílios.
O versículo 7 lista as pedras preciosas necessárias para as vestes sacerdotais. A partir daqui, aprendemos que a Escritura vê os sacerdotes e suas vestes como uma parte inseparável do Templo. Eles são considerados utensílios do Templo, e é por essa razão que o Maimônides os inclui em sua obra-prima Iad Hachazacá entre as leis dos utensílios do Templo.
A princípio, é intrigante que tenham sido mencionados aqui (versículo 6) “azeite para a iluminação, especiarias para azeite de unção e para o incenso das especiarias”. Quanto ao azeite de unção, embora não faça parte da confecção do Templo em termos gerais, ainda assim, é possível explicar sua inclusão entre os materiais que compõem o Templo e seus utensílios pela razão de que é impossível santificar o Tabernáculo e seus utensílios sem este azeite, pois é ele quem os torna próprios para o trabalho.
Contudo, o mesmo não pode ser dito a respeito do azeite para a iluminação e as especiarias para o incenso, que pertencem ao grupo de materiais necessários para o serviço do Templo, assim como a semolina para os pães da proposição, as madeiras para o fogo do altar, as ovelhas para o sacrifício diário, e assim por diante. Mas a razão para essa menção é que a luz do Templo – ou seja, o candelabro – simboliza a vida espiritual, que recebe inspiração da Torá e deve ser direcionada para a Torá, e o incenso, o ideal absoluto da nossa devoção a Deus – “anulação” e total assimilação da vontade de Deus. É por isso que a Escritura menciona aqui esses dois materiais entre os donativos voltados à construção do Tabernáculo, para dizer, em primeiro lugar, que o objetivo final deste projeto é alcançar ambos os objetivos mais elevados da existência humana: a iluminação do espírito humano e a aceitação Divina de suas ações.
Entre estes dois materiais, é mencionado o azeite de unção, que eleva cada componente à suprema santidade da instituição que será erguida segundo o mandamento de Deus, do qual não nos é permitido mudar nada, e que controlará o espírito e ações do homem. A elevada santidade do Tabernáculo é uma precondição para a elevação espiritual e o desenvolvimento da vida prática de acordo com a vontade de Deus.
- e exatamente assim fareis. O texto não diz “exatamente assim fareis”, mas “e exatamente assim fareis”. Portanto, o trecho “e exatamente assim fareis” não é a conclusão das palavras precedentes, mas um novo mandamento: E exatamente assim fareis nas futuras gerações. Assim como o Tabernáculo pode ser erguido somente sob a liderança e permissão de Moisés, assim, no futuro, tudo que estiver relacionado ao Templo será feito sob a liderança e autoridade do Sinédrio, os representantes da nação (TB San’hedrin 16b).
Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção TERUMÁ extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.
B”H
Shalom, gostei muito. Gostaria muito de saber sobre todos os tipos de sacrifícios e ofertas. Tudo como era. Não sou de São Paulo. Estive aí em julho passado, procurei um livro sobre o assunto e não encontrei.
Tenho dúvida. Havia sacrifício no Tabernáculo/ templo todos os dias? Ex. 29.38 era só nos dias da consagração dos sacerdotes ? Creio que a dúvida é quando é apresentado cada sacrifício/ oferta.
Obrigada
Marília, todo dia eram ofertados sacrifícios. Existem diversos tipos de sacrifícios, explicados no livro de Levítico.