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Contos e parábolas

Pequenos Milagres Judaicos IV

de Yitta Halberstam e Judith Leventhal

 

Na virada do século vinte, dois dos homens mais ricos e famosos nos Estados Unidos eram os irmãos judeus
chamados Nathan e Isidor Straus. Donos da loja de departamentos R. H. Macy’s e fundadores da cadeia A&S
(Abraham & Straus), os irmãos eram multimilionários e conhecidos pela sua filantropia e ativismo social.
Eles sustentavam com vigor uma série de causas políticas e sociais, e suas ideias no campo da economia eram
consideradas de grande relevância naquela época. Já que possuíam grande influência em diferentes áreas, ambos
ocupavam posições de destaque tanto no meio político local quanto nacional.
Uma vez que Isidor Straus era um amigo íntimo do presidente Grover Cleveland, foi-lhe oferecido um cargo no
governo deste, mas ele declinou, escolhendo um cargo no Congresso durante os retraídos anos do século dezenove.
Já Nathan Straus trabalhou como Comissário da cidade de Nova York, e foi ele o responsável pela campanha pela
pasteurização compulsória do leite. Ambos os homens gozavam de grande respeito e admiração por parte de seus
colegas de trabalho e amigos.
Em 1912, enquanto os irmãos e suas respectivas esposas passeavam pela Europa, aproveitando toda a riqueza
cultural do continente – museus, óperas, teatros e palácios –, Nathan, o mais ardente sionista dos irmãos, disse
impulsivamente:
— Por que não damos um pulo na Palestina?
Naquela época, Israel ainda não era um destino turístico como é hoje. Sua população era assolada por doenças,
fome e pobreza, mas os irmãos tinham um forte senso de solidariedade em relação aos seus irmãos menos

afortunados, além de quererem checar os centros de saúde e assistência social para os quais haviam doado milhões.
Entretanto, após uma semana de passeios pelos locais sagrados, pelas novas cidades que surgiam, yeshivót e
colônias de artistas, Isidor Straus sentia que já vira o bastante.
— Quantos camelos, tendas e yeshivót você consegue ver? – reclamou com Nathan, que ainda se encontrava
apaixonado pelo país. — Se você já viu um, já viu todos. Já é hora de partirmos – decretou Isidor com um tom de
impaciência em sua voz.
Mas Nathan recusou-se a acatar a ordem de seu irmão. Ele não havia se esquecido da pobreza ao seu redor: era
exatamente por causa dela que ele queria ficar! Enquanto via, diante de seus olhos, os desafios com os quais seus
irmãos judeus tinham de lidar, ele sentia o peso da responsabilidade.
— Não podemos partir agora – protestou. — Olhe quanto trabalho ainda tem de ser feito por aqui. Temos de
ajudar! Nós temos os meios para isso. Não podemos virar as nossas costas para o nosso povo!
— Então mandaremos mais dinheiro – respondeu seu irmão. —Tudo o que eu quero é dar o fora daqui.
Mas Nathan sentia que somente dinheiro não era suficiente. Ele tinha consciência de que os judeus que viviam na
Palestina, em condições tão difíceis, precisavam da presença de seus irmãos entre eles: precisavam da iniciativa, da
liderança e das idéias que chegavam junto com eles. Isidor discordava.
Os dois discutiram insistentemente, até Isidor finalmente dizer:
— Se você insiste, fique. Ida e eu vamos voltar para os Estados Unidos… o lugar ao qual pertencemos.
Os dois então se separaram. Isidor e sua esposa voltaram para a Europa, enquanto Nathan e sua mulher ficaram
na Palestina, viajando pelo país e contribuindo com grandes somas de dinheiro para o estabelecimento de programas
de educação, saúde e bem-estar social que beneficiariam os necessitados. Nathan também financiou a criação de
uma cidade totalmente nova na costa do Mediterrâneo. E, uma vez que seu nome em hebraico era Natan, e ele era o
principal doador da cidade, os fundadores decidiram chamá-la de… Natanya.
Enquanto isso, na Europa, Isidor se preparava para navegar de volta aos Estados Unidos a bordo de um navio
transatlântico, no qual também havia feito reservas para o seu irmão. Vocês devem deixar a Palestina AGORA!,
escreveu em um telegrama urgente para seu irmão. Fiz reservas para vocês e, se não chegarem logo aqui, perderão
o navio.
Mas Nathan se atrasou. Havia tanto trabalho a ser feito que ele adiou sua partida até o último minuto. Quando ele
finalmente chegou a Londres, eram doze de Abril, e o transatlântico já havia partido do porto de Southamptom com
Isidor e Ida Straus a bordo.
Nathan sentia-se desolado, pois, conforme avisara seu irmão, ele perdera o navio. Ainda mais porque aquela não
era uma viagem comum, ele não havia perdido um simples cruzeiro, mas, sim, a viagem inaugural do navio mais
famoso do século.
Cinco dias depois, Isidor e Ida Straus estavam entre os 1.500 passageiros que morreram no trágico naufrágio do
Titanic. A senhora Straus recusou-se heroicamente a tomar vantagem da regra “mulheres e crianças primeiro” e
pegar um lugar nos botes salva-vidas. Ela insistiu em permanecer a bordo com aquele que fora seu marido por
quarenta anos. Por sua vez, Isidor recusou-se a aceitar o lugar oferecido pelos tripulantes para ele e sua esposa em
outro bote salva-vidas, uma vez que ainda havia outras mulheres no navio. O casal de idade afundou junto com o
navio, juntos até o fim.
Enquanto isso, Nathan Straus, agarrado à sua dor e profundamente sentido com a morte de seu irmão e sua
cunhada, não conseguia deixar de lado o sentimento de que tinha um lugar na história. Saber que ele havia
ludibriado a morte foi algo que permeou todo o resto de sua vida, e, até a sua morte, em 1931, ele buscou realizar
suas atividades filantrópicas com uma intensidade única em sua época.
Hoje, Natanya é uma bela cidade com 200.000 habitantes e o centro do próspero comércio de diamantes de Israel
– uma das indústrias mais importantes do país.
E, em quase todo canto da cidade, há alguma lembrança da generosidade, amor por seu povo e humanidade de
Nathan Straus.
O seu legado continua.

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