(talvez já esteja em Iom Haatsmaút)
por David Gorodovits
Conta-se que existiu outrora um país muito pequeno. Tão pequeno que poucos conseguiam localizá-lo nos mapas…
Um dia, seu rei teve uma inspiração sobre o que fazer para mudar esta situação: decidiu construir uma torre bem alta, sobre a qual haveria um relógio de múltiplas faces que permitisse a todos os seus súditos acompanhar a marcação do tempo e, desta forma, talvez se motivassem a usá-lo com melhor proveito.
Anunciou seu intento e buscou um construtor que aceitasse realizar a obra, mas todos se recusavam alegando as imensas dificuldades técnicas que teriam de enfrentar.
Então, um anão se apresentou, pronto a aceitar a empreitada, pois, segundo dizia, um gênio o ajudava a realizar qualquer tarefa. Mas havia uma condição: ele passaria a morar na torre para assegurar permanentemente o perfeito funcionamento do relógio.
Aceita sua condição, começou a trabalhar, recebendo logo a ajuda de muitas pessoas, entusiasmadas com a diligência de seu labor.
Lentamente a torre começou a tomar forma, cada vez mais e mais alta, até o ponto julgado suficiente pelo anão, que se dedicou então à construção de um relógio multifacetado, como ainda não se vira igual.
Concluiu a tarefa e, no dia seguinte, ao acordar, todos se sentiram irresistivelmente atraídos a observar o relógio com atenção. Admiravam o deslocar contínuo dos grandes ponteiros, marcando o passar de segundos, minutos e horas.
A percepção da irreversibilidade daquele movimento levou-os a compreender que o tempo passado era irrecuperável. Diante desta constatação, decidiram utilizar este bem precioso que escoa sem possibilidade de ser guardado e estocado da maneira mais completa.
Primeiro, dedicaram tempo a melhorar suas próprias aparências, depois suas casas, seus jardins, suas ruas e, por fim, empenharam-se com tal afinco em todas as suas tarefas que tudo que fabricavam passou a ter um toque de perfeição.
Aquele país passou a ser comentado no mundo inteiro, tão reduzido em território e com tão poucos habitantes e, no entanto, capaz de produzir tantas coisas maravilhosas.
Muitos resolveram se mudar para lá.
Entretanto, alguns invejavam o desenvolvimento do país e as honras dispensadas ao anão. Estes começaram a tecer intrigas, levando palavras maldosas aos ouvidos do rei. Diziam: “Não foi para beneficiar a todos que o anão aceitou a tarefa, mas sim para tomar o lugar do rei”.
A princípio, as calúnias não mereceram crédito do rei, mas de tanto serem repetidas, acabaram por lhe parecer verdadeiras e o levaram a ordenar o fuzilamento do anão.
Mas os soldados não tiveram coragem de cumprir a ordem real. Conduziram o anão à fronteira e lhe disseram: “Vá embora! Vá embora e não volte nunca mais, pois se o fizer, seremos obrigados a matá-lo”.
Ele obedeceu, mas no momento em que o anão foi embora, o relógio parou.
No dia seguinte, ao acordar, quando cada um se voltava para a torre e percebia a imobilidade dos ponteiros, sentia como se o próprio tempo tivesse parado de se escoar. E se o tempo havia parado, nada mais parecia ter significado, nem a aparência nem a beleza de suas casas, as flores dos jardins ou a dedicação ao trabalho.
A indolência e o descaso tomaram conta de todos. Ervas daninhas começaram a proliferar nos jardins, muros desmoronaram. Areia, poeira e toda sorte de sujeiras cobriram as ruas. O que ainda se produzia no país passou a ser defeituoso, mal acabado e feio.
Foram embora todos aqueles que tinham vindo de outras terras, não vendo mais motivos para querer viver ali.
O rei se lamentava: “Por que dei ouvidos aos maledicentes? Por que ordenei a execução do anão?”.
Mas o anão não morrera. Mesmo envolvido pela tristeza de ter deixado o país onde construíra sua obra prima, não perdeu sua capacidade criadora.
Dirigiu-se a outro país e dedicou-se a criar algo novo, belo e significativo, até que foi obrigado a parar, expulso, mais uma vez, por aqueles que viam nele um estranho, cuja diligência e dedicação ao trabalho invejavam e temiam.
Partiu outra vez, e mais outra, e muitas outras mais, trazendo sempre progresso e bem- estar aonde quer que fosse, apenas para se ver novamente expulso após algum tempo, sendo destruídos os vestígios de sua passagem, enquanto era obrigado a buscar novo pouso.
Até que um dia… Um dia, decidiu que, mesmo se fosse a última coisa que fizesse na vida, voltaria ao país bem-amado, onde erguera a torre do relógio.
O caminho de volta foi longo e penoso. Parecia que todas as forças da natureza – chuva e sol, tempestades e calmarias, neve e furacões – haviam se unido para impedir seu caminho, mas resolutamente continuou sua marcha.
E eis que, finalmente, do topo de uma montanha, avistou as fronteiras de seu país e o brilho dos reflexos do sol no relógio da torre. Desceu correndo e, assim que seus pés tocaram o solo tão longamente ansiado, um milagre aconteceu: o relógio novamente começou a andar…
Esta estória nos traz à mente um quadro da história da humanidade.
Dentre os povos, de gigantescas obras, cujas ruínas nos são reveladas por arqueólogos, sobrevive através dos tempos, pleno de esperanças, fé e realizações criativas, um povo, um pequeno povo, que não ergueu pirâmides nem estátuas de granito, nem mesmo uma torre com um relógio, mas cujo monumento é a Torá, a revelação Divina.
Ela não marca o passar do tempo, mas ensina a tornar significativo cada momento de nossa existência.
Conduzido à terra de leite e mel, por aquele que recebeu do Eterno a mensagem a ser transcrita na Torá, o povo judeu lutou para, através dela, construir as bases de uma sociedade em que um sentimento de fraternidade entre todos os seres humanos imperasse.
A marcha da história o dispersou pelos recantos mais longínquos… e, para a terra de leite e mel, a partida do povo que a recebera como dádiva do Eterno significou a paralisação do fluxo do tempo. As cidades se tornaram ruínas, os pomares se transformaram em desertos e os jardins, em pântanos.
E levando consigo, a iluminá-lo, qual potente farol, a Torá eterna, peregrinou por toda a Terra, levando a toda parte o brilho de suas criações, o produto de seu labor incansável, a reflexão humanitária de sua fé.
Trouxeram progresso e bem-estar a todos os lugares aonde foram, mas sofreram perseguições, expulsões e martírios provocados pela inveja e ódio dos intolerantes.
Um sonho os acompanhava e a grandeza de sua fé manteve acesa suas esperanças, mesmo nos momentos mais terríveis.
Há cerca de um século, Theodor Herzl proclamou: “Se quiserdes, não será apenas um sonho”. E o povo judeu concentrou seus esforços na realização desse sonho.
Os obstáculos e o sofrimento foram imensos, mas sua perseverança e a força de sua fé foram ainda maiores.
Com a graça do Eterno, o sacrifício de muitos de seus filhos e uma luta, que ainda continua, realizou-se o milagre do século 20: o surgimento de Israel.
E o relógio voltou a funcionar.
As ruínas cederam lugar a cidades cheias de vida, os desertos foram transformados em pomares, os pântanos, drenados, em jardins, e novamente pode se escutar, nas cidade de Judá e nas ruas de Jerusalém, vozes de alegria e júbilo, o cantar dos noivos e das noivas, salmos de louvor e agradecimento ao Eterno.

