por David Gorodovits
Existiu certa vez um reino muito próspero, vizinho de outro muito pobre.
Enquanto no primeiro o solo era generoso e proporcionava fartas colheitas, sem exigir grandes esforços dos lavradores, o segundo tinha solo árido e só mediante árdua labuta seu povo conseguia se alimentar e sobreviver.
Os reis do primeiro sofriam, entretanto, de profunda tristeza por não terem herdeiros.
Eis que após muitos anos divulgou-se a feliz notícia que, dentro de alguns meses, nasceria um herdeiro, ou uma herdeira, para o trono. Alegria inundou os corações de todos os súditos, principalmente os dos futuros pais.
Convocados pelos soberanos, os sábios do reino puseram-se a elaborar previsões para o futuro de seu descendente, e todos aguardavam ansiosamente seu pronunciamento.
Hesitavam os sábios em apresentá-las mas, instados pelo casal real, relataram por fim as tristes conclusões a que haviam chegado:
“A rainha dará à luz uma menina”, afirmaram, “e prevemos que ela não será feliz, porque há de casar com alguém que não lhe dedicará amor algum. Seu interesse estará totalmente voltado para o trono, do qual logo procurará se apossar”.
Decidido a evitar que se tornasse realidade tal previsão, o rei os conclamou a buscar os meios de frustrá-la.
Ouviu atentamente seus conselhos e, pondo em prática o que lhe sugeriram, fez construir, ao lado do palácio real, aposentos isolados de todos os demais, para os quais foi levada a princesa assim que nasceu, só podendo ter acesso aos mesmos seus preceptores e seus pais.
Assim, ela cresceu sem que ninguém pudesse vê-la e, ao atingir a idade em que deveria se casar, uma proclamação foi enviada a todos os reinos, informando que a mão da princesa seria dada em casamento a quem aceitasse, previamente, duas condições: ela só poderia ser vista após o casamento e o noivo estaria ciente de que, após a cerimônia, ela seria deserdada.
A princípio, ninguém se interessou por tal casamento, pois todos imaginavam: “Certamente, a princesa deve ser tão feia que o rei tem receio de que alguém a contemple antes da cerimônia e desista do casamento. Ela deve ser também uma filha desobediente a ponto de irritar de tal forma o pai que este a queira deserdar”.
Entretanto, o príncipe do reino vizinho analisava a situação de forma diferente: “Esta princesa”, pensava ele, “deve ter sofrido muito por ser tão feia e tão pouco amada por seus pais. Este sofrimento deve ter sensibilizado seu coração e, desta forma, tornado-a capaz de compreender e amar meu povo, que é também tão sofrido”.
Resolveu aceitar o casamento que se realizou sem qualquer festejo.
Os súditos do príncipe pensavam: “Coitado… Vai se casar com uma princesa tão feia!”.
Já os súditos da princesa pensavam: “Quem sucederá nosso rei?”
Após a cerimônia, ao conduzir a princesa para seu novo lar, o príncipe teve a mais grata das surpresas. Ela era bela, inteligente, meiga e instruída. Logo mostrou-se capaz de dialogar com cada um dos súditos, tornando-se amada por todos. Soube aplicar a ciência que seus preceptores lhe haviam transmitido, para orientar os ministros que, utilizando seus conselhos, conseguiram encontrar novas formas de tratar o solo e alcançar colheitas tão boas como jamais haviam ousado pensar.
A alegria e a felicidade do príncipe crescia a cada dia e, após algum tempo, resolveu realizar a festa que não fora celebrada por ocasião do casamento, na qual todo o povo participaria, manifestando sua satisfação pela transformação maravilhosa provocada pela vinda da princesa.

