O rabino Chaim ben Atar, escritor do comentário Or Hachaim sobre a Torá, é um dos poucos homens na história judaica denominado de cadosh – santo. Popularmente chamado de Or Hachaim Hacadosh, não desejava adquirir seu sustento usufruindo da sabedoria da Torá. Por esse motivo, ainda jovem aprendeu uma profissão. Tornou-se joalheiro.
Quando já havia aprendido bem o ofício, encontrou trabalho com um artesão não-judeu. No entanto, o rabino Chaim não trabalhava em horários regulares e, sempre que precisava de dinheiro – o que não era muito freqüente –, pegava uma peça para trabalhar e a completava da maneira mais perfeita e rápida possível.
O artesão que dera trabalho ao rabino não amava especialmente os judeus, mas respeitava o dom do rabino Chaim ben Atar. Precisava de um bom trabalhador como ele e, além disso, o rabino era confiável, correto e nunca reclamava. No começo, tentou pagar altas remunerações a Chaim, mas percebeu que, com isso, ele não aparecia por períodos longos para o trabalho. O artesão decidiu, então, baixar suas remunerações, porém o rabino continuava recusando-se a trabalhar mais que o mínimo necessário.
O joalheiro adquiriu a reputação de ótimo artesão, pois suas peças de joalheria eram obras de arte e as pessoas mais ricas eram seus clientes. Em razão de toda essa fama, não foi grande surpresa quando, ao planejar o casamento da filha, o sultão mandou chamar o joalheiro a seu palácio e solicitou-lhe uma longa lista de peças. Porém, ele insistiu que tudo deveria estar pronto no prazo combinado! Coitado do joalheiro caso falhasse em satisfazer seu cliente real!
O artesão brilhou de prazer e orgulho por ser escolhido para uma encomenda tão importante, pois era um privilégio ser o joalheiro do sultão. De agora em diante, nunca lhe faltariam clientes!
O joalheiro trabalhou com muito afinco; mas, quando chegou o prazo combinado, percebeu, para seu terror, que não havia completado o pedido e, por isso, o sultão estava furioso. Ninguém desapontava o soberano e sobrevivia! Poder servir ao sultão era o maior privilégio da Terra, e não havia desculpa por ter falhado em completar o pedido no tempo determinado.
“Eu quero esse homem morto imediatamente. Joguem-no na toca dos leões” – vociferou o soberano, enraivecido.
“Mas eu não sou o culpado, Vossa Majestade” – disse o joalheiro, curvando-se. “É tudo culpa de meu empregado judeu, pois ele deveria supervisionar para que o trabalho fosse completado. É preguiçoso e mal pôs o pé na loja. Portanto, ele é quem merece ser morto, não eu. É culpa dele a encomenda de Vossa Majestade não estar pronta a tempo.”
“Muito bem” – disse o sultão. “Você está desculpado, mas seu assistente será jogado aos leões.”
O palácio do sultão era cercado por lindos jardins e campos bem cuidados que se estendiam por quilômetros e quilômetros e eram circundados por um alto muro de pedra. No centro desse jardim havia uma toca de leões, na qual, de vez em quando, o sultão punia algum servo rebelde jogando-o aos leões, que eram mantidos sem alimento para estarem muito famintos por sua presa. Costumava-se ouvir um grito longo e assustador quando a vítima era feita em pedacinhos e, então, o silêncio, enquanto os animais alimentavam-se do castigado. Para manter o medo do sultão no coração dos súditos, apenas o som dos animais famintos era suficiente.
O sultão deu a ordem e, então, seus soldados correram para a casa do rabino Chaim, cercaram-na e prenderam o judeu. No entanto, esperavam que o rabino protestasse sua inocência, chorasse e gritasse. Mas tudo o que ele pediu foi que lhe permitissem levar alguns livros, seu talit e seus tefilin.
“Há há há!” – riram os soldados. “Você pensa que está saindo de férias? Está indo a um passeio agradável? Vai ensinar os animais a ler e escrever? Você não vai durar o suficiente para abrir um de seus preciosos livros! Bem, para nós, não faz diferença.”
“Que piada!” – pensaram, mas esperaram alguns minutos até que o rabino reunisse suas coisas.
A notícia sobre a terrível sentença correu solta pela comunidade judaica. Aquele foi um dia de luto. Os judeus deixaram suas casas e foram para a morada do rabino Chaim a fim de acompanhá-lo em sua última jornada. Não havia um par de olhos que estivesse seco, e as pessoas andavam como se estivessem num funeral.
O grupo prosseguiu devagar em direção ao palácio do sultão. Por todos os lados, apinhavam-se os moradores árabes da cidade, cujas expressões eram de presunção e alegria, pois desprezavam esse povo inteligente e estavam felizes ao ver seu líder mais reverenciado sendo levado à morte.
O rabino Chaim caminhava calmamente entre os soldados, os quais não precisavam segurá-lo. Ele andava seguro de si, olhando fixamente em frente. Quando alcançaram os portões do palácio, ele se dirigiu aos judeus que choravam e os confortou: “Não há necessidade de chorar. O Todo-Poderoso me salvará das garras dos animais selvagens. Eu confio Nele.”
Os guardas encaminharam o rabino pelos jardins imaculados, por entre altas árvores, arbustos cheirosos e flores que brotavam até chegarem ao alto muro que cercava a toca dos leões. O rabino foi entregue aos guardadores dos animais, que tinham experiência no trabalho. Amarraram uma corda na cintura do rabino Chaim, baixaram-no pela parede da toca e esperaram para ouvir o grito desesperado que cortaria o silêncio. Mas tudo estava quieto. Estranhamente, misteriosamente quieto. Não se ouvia nem mesmo o som das patas dos leões andando de um lado para o outro. Um minuto se passou, e mais outro, e tudo permanecia quieto. O que estava acontecendo ali?
Os guardas não acreditavam nos próprios ouvidos. Vencidos pela curiosidade, inclinaram-se sobre o alto do poço e olharam para baixo. Eles não podiam acreditar nos próprios olhos!
A cena era estranha e maravilhosa ao mesmo tempo, pois os animais sempre atacavam sua vítima antes mesmo que ela tocasse o solo. Desta vez, os leões não fizeram nada. Estavam muito calmos e apenas observavam o rabino Chaim.
“Os animais provavelmente não estão com fome” – disse um dos guardas. “Afinal de contas, tudo aconteceu de repente. Os leões foram alimentados como de costume ontem à noite, e não tivemos tempo de deixá-los famintos.”
Os guardas andaram o dia todo na ponta dos pés, esperando aquele único grito que sinalizasse a morte do homem dentro do poço. Mas não havia som algum, nem mesmo dos passos e brigas dos animais. Tudo era muito estranho!
Três dias e três noites se passaram, e os guardas estavam certos de que agora os leões haviam devorado a vítima, mesmo que ela não tivesse gritado. Era, portanto, hora de alimentar os animais novamente.
Olharam por cima do alto muro, esperando ver ossos humanos espalhados. No entanto, para sua grande surpresa, o rabino estava bem, até mesmo feliz, pois lá estava sentado, envolto em seu talit e coroado por seus tefilin, com um olhar sobrenatural em seu rosto, como um anjo. Os leões encolhiam-se a seus pés como se fossem cães de estimação, aquecendo-se ao sol como se tivessem acabado de saborear uma refeição completa. Parecia que até mesmo ouviam o som de sua doce voz.
Os guardas esfregaram os olhos para ter certeza de que não estavam enganados, de que não estavam vendo uma estranha miragem, e alguns deles correram ao palácio para relatar a estranha cena ao sultão.
“Não acredito” – disse o sultão. “Preciso ver com meus próprios olhos.” Ele seguiu os guardas até a toca dos leões, ficou na ponta dos pés e espiou por cima do muro de pedra. Era exatamente como lhe contaram! Lá estava o rabino judeu, sentado tranqüilamente, sem nenhuma preocupação! A princípio, o sultão ficou chocado e, então, ordenou aos guardas que descessem uma corda e retirassem o rabino do poço.
Quando se defrontou com o rabino Chaim realmente ileso, o sultão caiu aos pés do judeu, implorando-lhe: “Perdoe-me! Perdoe-me! Você é um homem santo! Por favor, não me puna!”
O sultão levou o rabino de volta ao palácio. Ali, diante de todos os ministros, anunciou: “De hoje em diante, as portas de meu palácio estarão sempre abertas para você, que deve ser meu conselheiro-chefe, pois ninguém é sábio e santo como você!”
Aquele dia tornou-se um dia de festa para os judeus do Marrocos, porque celebravam, ano após ano, o dia em que o rabino Chaim foi salvo da toca dos leões.
Extraído da série CONTOS DE TSADIKIM
Mesmo se você não tem os demais volumes dessa série, que já se esgotaram… vale a pena conhecer estes tomos que ilustram de forma agradável, com histórias e contos relacionados com os principais temas tratados nos textos dos livros do Levítico e do Deuteronômio. Quem sabe lê-los à mesa no jantar e depois abrir um diálogo com seus filhos a respeito das ideias e dos valores apresentados?

