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Parashá Semanal - Leitura da Torá

O fundamento da verdadeira paz

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Pinchás extraída da obra torá interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch recém-publicada pela Editora Sêfer

 

Números, Capítulo 25

10 E o Eterno falou a Moisés, dizendo: 11 “Pinchás ben Elazar, o neto de Aarão, o sacerdote, desviou Minha ira de sobre os filhos de Israel, ao reivindicar com zelo o Meu direito entre eles, e assim não consumi os filhos de Israel com Minha ira. 12 Portanto diz: Eis que lhe dou a Minha aliança de paz, 13 e será para ele, e para sua descendência depois dele, uma aliança de sacerdócio perpétuo; porque zelou por seu Deus e fez expiação pelos filhos de Israel.”

 

  1. Pinchás. A letra iod de “Pinchás” está diminuída no texto original em hebraico. É possível que seu nome original fosse “Panchás”, mas, depois de seu ato de bravura, a letra iod tenha sido acrescida a seu nome e, a partir de então, ele tenha passado a ser chamado de “Pi nachás” (“boca impeliu”) – sendo nachás como nachats (1 Samuel 21:9) – para explicar que “pi (ou seja, a ‘boca do Eterno’) nachats (impeliu-o) a fazer isto”, ou ele foi nachuts (impelido) ao ato por meio da boca de Deus. Pois sua atenção pela palavra de Deus foi a única razão por trás de seu ato de “reivindicar com zelo o Meu direito”.

Conforme comentamos sobre Êxodo 20:4, canê (com álef) significa reivindicar algo como um direito, exigir a restauração de direitos infringidos, sejam seus ou de outros.

ao reivindicar com zelo o Meu direito (becanó et kinati). Trata-se do modo piêl (modo verbal mais intenso), mas sem ênfase na letra nun, de modo que sua pontuação é semelhante ao do modo mais brando (modo paal). Canê, no modo piel, significa cobrar justiça por algo do qual uma pessoa se comprometeu a cuidar. Caná, no modo brando, expressa principalmente um sentimento interior, como uma pessoa que decide em seu coração estar ao lado de fulano e cuidar de seus assuntos como se eles fossem seus próprios.

Essa pontuação similar ao do modo brando vem indicar aqui que o ato de Pinchás não era apenas uma representação externa, mas derivado de uma profunda emoção interior, pois a traição da palavra de Deus era como uma traição de seus próprios assuntos.

ao reivindicar com zelo o Meu direito entre eles, e assim não consumi. Pinchás reivindicou Meus direitos e impôs seu cumprimento entre o povo, salvando assim a nação inteira do extermínio que aconteceria se Eu mesmo tivesse de reivindicar Meus direitos.

Uma sociedade em que não há ninguém que dedique sua vida por amor à palavra de Deus está perdida para Deus e, portanto, perdida também para si mesma e para seu futuro, pois os direitos de Deus sobre ela foram esquecidos. Isto é especialmente verdade em relação a uma sociedade judaica, em relação ao povo de Israel, cuja própria existência depende da palavra “Meu”, dita por Deus a respeito de Israel, de modo que Ele santificou todo e qualquer um de Israel e todos os aspectos da existência de Israel para serem Seus. Por toda a eternidade, Deus reivindicará o Seu direito de propriedade sobre Israel. Ou Israel é “do Eterno” – ou ele deixará de existir.

Pinchás era apenas um homem, e o ato que ele fez foi apenas o ato de um homem de valor, e embora ele fosse um único indivíduo entre seu povo, ele salvou a nação inteira.

  1. Portanto diz. Não “diz para ele” ou “a ele”, mas proclame isso de maneira geral, para que todos saibam e internalizem: “Eis que lhe dou a Minha aliança de paz”!

No Levítico 26:42, encontramos uma aliança chamada “Jacob”, uma aliança chamada “Isaac” e uma aliança chamada “Abrahão”, e verifica-se que todo aspecto contido no conceito de “Jacob”, “Isaac” e “Abrahão” é chamado de “aliança” e é uma promessa absoluta do Eterno. Da mesma forma, no nosso versículo, encontramos uma aliança chamada de “paz”. Verifica-se que a criação da harmonia mais perfeita de todas as situações na terra, entre si e entre elas e o Eterno, é uma “aliança” e uma promessa absoluta de Deus, sendo que Deus colocou como Seu propósito cumprir Sua promessa, e o mundo pode ter certeza de que a promessa acabará sendo cumprida.

Aqui, Deus confiou a implementação da suprema harmonia da paz precisamente ao espírito e à atividade que pessoas mais superficiais – que se preocupam em camuflar sua inação e negligência com uma fachada de “amor à paz” – estão acostumadas a denunciar e condenar como “perturbação da paz”. A paz é algo precioso pelo qual o homem é obrigado a sacrificar tudo – todos os seus direitos e propriedades –, mas ele jamais tem permissão para sacrificar pela paz os direitos dos outros e aquilo que Deus declarou ser o bem e a verdade. A verdadeira paz entre as pessoas só pode existir se todos estiverem em paz com Deus. Aquele que se atreve a lutar contra os inimigos do que é bom e verdadeiro aos olhos de Deus – pelo próprio fato de lutar por isso já mostra ser um dos combatentes em prol da “aliança de paz” na terra. Por outro lado, aquele que “abre mão de todos os seus bens”, sem protestar, pelo que lhe parece ser uma causa de paz entre as criaturas, e permite que elas suscitem rivalidade contra o Eterno – ele mostra  que, por seu amor à paz, age em parceria com os inimigos da “aliança de paz” na terra. O que salvou o povo não foi a falta de interesse das massas, nem as lágrimas de tristeza que escorreram dos olhos daqueles que estavam no canto, à porta da tenda da reunião, mas sim, o ato corajoso de Pinchás que salvou o povo e restaurou a paz entre ele, Deus e Sua Torá, restaurando assim o fundamento da verdadeira paz.

O Eterno chamou a aliança confiada de modo geral aos levitas pelos nomes “vida e paz”, como em “Minha aliança de vida e paz lhe concedi, pelo temor que Me demonstrou e pelo respeito que manifestou por Meu nome” (Malaquias 2:5). Em outras palavras, confiei a ele essa aliança porque o temor que ele tinha era um temor exclusivo a Mim, e ele inclinou sua cabeça em primeiro lugar diante do Meu nome.

Porém, a letra vav da palavra shalom (paz) é uma vav ketiá – um termo que, de acordo com a maioria das opiniões, se refere a uma vav quebrada. Pois a aliança de Pinchás é uma paz restaurada à perfeição. Nas situações em que uma atitude como a de Pinchás é necessária, a paz estava quebrada, e a luta de Pinchás visa restaurar a verdadeira paz, e assim ele lutou para que a “paz” (shalom) voltasse a ser “completa” (shalem).

A lei judaica anexa a isso a lei que diz que, se um sacerdote defeituoso realiza o serviço do Templo, seu serviço é inválido. Pois é dito aqui a respeito de Pinchás, quando ele ingressa no seu sacerdócio: “‘Eis que lhe dou a Minha aliança de paz (shalom)’ – isso se aplica apenas quando ele está shalem (inteiro), e não quando está defeituoso. Ora, mas está escrito shalom (paz) e não shalem (completo)! Disse o Rav Nachman: A letra vav de shalom é uma vav quebrada.” Aquele que deseja restaurar a paz que foi quebrada com o Eterno – e é isso que o serviço no Templo representa – deve ser completo ele próprio.

  1. e será. Quando Pinchás nasceu, seu pai Elazar ainda era um estranho (não sacerdote). Portanto, até agora, Pinchás ainda não havia alcançado o sacerdócio. No entanto, assim como a tribo de Levi alcançou sua posição de levita por meio de suas ações no pecado do Bezerro de Ouro e posteriormente foi eleita explicitamente para esse cargo, o mesmo aconteceu aqui: por meio de sua salvação, Pinchás atuou como um sacerdote que prepara o caminho para o povo, e ele cumpriu na prática a dedicação expiadora que é simbolicamente realizada por meio do serviço do sacerdote no Templo, e assim, após esse ato, alcançou o status de sacerdote. A aliança de sacerdócio eterno concedida a ele e à sua descendência depois dele foi expressa pelo fato de que todos os sumos sacerdotes eram descendentes de Pinchás (ver 1 Crônicas 5:29-41), e também os sumos sacerdotes do Segundo Templo eram, de acordo com o Sifrí (ibid.), descendentes de Pinchás. (ver Tossafótvelô” no TB Iomá 9a).

O próprio Pinchás foi agraciado com uma extraordinária longevidade. Ainda na época em que ocorreu o episódio da “concubina na Guivá” (Juízes 20:28), encontramos “Pinchás, filho de Elazar, filho de Aarão” servindo como sumo sacerdote diante da Arca da Aliança. Além disso, de acordo com uma opinião, Pinchás é Eliáhu [Elias] (Ialcut Shimoní ibid.), cujo zelo pela palavra de Deus estava embebido no espírito de Pinchás. No futuro, Eliáhu remediará o quebrantamento de seu povo, que estará dividido pelas distâncias das gerações, abrindo assim caminho para a realização da “aliança de paz” na terra. Pois o futuro estará separado do passado, e a função de Eliáhu será criar uma ponte entre as lacunas das gerações, restaurando o espírito da Torá de Deus. Como foi dito na última declaração da profecia: “Lembrai-vos da Torá de Moisés, Meu servo, a quem ordenei, em Horeb, estatutos e preceitos para todo o Israel. Eis que vos mandarei o profeta Elias [Eliá], antes que venha o grande e temível dia do Eterno. E ele fará volver o coração dos pais (para o Eterno) através dos filhos, e o coração dos filhos (para o Eterno) através dos pais, para que Eu não venha a desferir sobre esta terra uma destruição completa” (Malaquias 3:22:24).

Torá Interpretada - Editora Sêfer

 

Brevíssima coletânea de comentários sobre a Porção Pinchás extraída da obra Torá Interpretada à luz dos comentários do Rabino Samson Raphael Hirsch, recém-publicada pela Editora Sêfer.

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