Por que a acusação de que os judeus mataram Jesus não tem fundamento histórico?
A crucificação era um costume persa depois aplicado também pelos romanos. O ritual de crucificação dos romanos começava com uma severa surra, após a qual a pessoa, a quem se cravavam pregos nas mãos e pés, era pendurada em dois pedaços de madeira cruzados. Não era permitido que o corpo da vítima tocasse o solo. O historiador judeu Flávio Josefo, que viveu nos tempos de Jesus, relata sobre milhares de judeus crucificados pelos romanos. É fato, pois, que a crucificação era um procedimento usual dos romanos para executar os criminosos. A acusação dos cristãos de que os judeus crucificaram Jesus pode ser refutada com base nos seguintes pontos:
- Na época em que Jesus apareceu em cena, o San’hedrin, o tribunal máximo de justiça dos judeus, havia perdido toda autoridade para ditar sentenças em casos de pena capital. Esta autoridade era detida de forma absoluta pelos romanos. Portanto, a ordem de executar a Jesus só podia provir de uma suprema autoridade romana, especificamente Pôncio Pilatos.
- De acordo com os relatos de Marcos (14:54) e Mateus (26:57), o San’hedrin foi convocado para uma sessão na mesma noite em que Jesus foi preso. Tratava-se da véspera de Pêssach (Páscoa) que, nesta ocasião caiu no Shabat. Segundo o Talmud,3 o San’hedrin não poderia ter debatido esta sentença já que a) os casos de pena capital eram vistos durante o dia, e b) por certo que o San’hedrin não se reuniria para ver uma causa penal em um dia de festa e certamente não no Shabat. O Evangelho segundo Lucas (22:54, 66) discorda de Marcos e Mateus neste ponto e afirma que o San’hedrin se reuniu na manhã daquele dia.
- Não existe evidência de que a crucificação era uma forma de pena capital usada pelos judeus.4 Os métodos de execução judaicos eram o apedrejamento, a queima, o estrangulamento e a morte pela espada. Os primeiros três métodos são mencionados na Bíblia e o quarto no Talmud.5
Por que, através dos séculos, os judeus foram estigmatizados como “assassinos de Cristo”?
Pôncio Pilatos, o governador romano da Terra de Israel nos tempos de Jesus, é descrito no Novo Testamento como um líder sem controle algum sobre o que sucedia a seu redor. Ainda que o Evangelho segundo Mateus o registre acusando Jesus de ser o “rei dos judeus” e, portanto, como uma ameaça ao poder romano, Pilatos é apresentado como alguém pouco desejoso de condenar Jesus à pena capital. Os responsáveis pela crucificação seriam “os principais sacerdotes e os anciãos”, que clamavam: “Seja crucificado!” (Mateus 27:11-25). Pôncio Pilatos então “lava as mãos” em público e diz: “Sou inocente do sangue deste justo.”, enquanto os judeus respondem: “Que seja seu sangue sobre nós e nossos filhos.” Aqui Mateus transfere a responsabilidade pela crucificação dos romanos aos judeus.
Este relato dos Evangelhos provocou durante 20 séculos o estigma dos judeus como “assassinos de Cristo.” Alguns estudiosos cristãos do Novo Testamento se compraziam em apresentar Pôncio Pilatos como uma vítima das circunstâncias e não como o impiedoso governante responsável pela morte de Jesus. Quando os Evangelhos foram elaborados, segundo dizem estes mesmos estudiosos, as relações entre a Igreja emergente e a comunidade judaica eram muito tensas, e os novos cristãos ansiavam por apresentar uma imagem altamente desfavorável dos judeus.
Por que o episódio de Judas tem tons marcadamente antissemitas?
Conforme o Evangelho segundo Mateus, Judas Iscariote, um dos discípulos de Jesus, apontou para os representantes da comunidade judaica que o procuravam “para prendê-lo com malícia… e matá-lo” (Mateus 26:4). Por esta traição, Judas foi recompensado com trinta peças de prata, as quais, mais tarde, ao arrepender-se de seu ato, entregou ao tesouro do Templo. Os sacerdotes do Templo utilizaram este dinheiro para comprar um lugar para enterrar Jesus. Alguns especialistas em Bíblia afirmam que o excessivo destaque que a teologia cristã concedeu ao incidente de Judas através dos séculos faria parte de um esforço consciente para atribuir aos judeus a responsabilidade pela morte de Jesus. O nome Judas soa tão parecido com judeus, que quando os cristãos condenaram a Judas como o traidor de Jesus, conseguiram o efeito de condenar os judeus por igual.
Na linguagem comum, Judas se integrou como sinônimo de traidor, avarento, e de alguém disposto a vender sua alma por dinheiro. Intencional ou não, quando alguém escuta o nome Judas, costuma associá-lo aos judeus.
Notas
- Mishná San’hedrin 6:11.
- Os romanos exerceram o domínio absoluto da Terra de Israel durante o primeiro século a.e.c. e por vários séculos depois. Em Berachót 58a, o Rabi Shila, um erudito da Babilônia do século III, deixou testemunho de quão firme era este controle. Segundo ele, os judeus, que tinham seus próprios tribunais, não podiam executar condenados à morte. Quando se perguntou porque uma pessoa julgada culpada de adultério era submetida a 39 chibatadas em vez de ser condenada à pena capital, como prescrito em Levítico 20:10, o Rabi Shila respondeu que “como fomos exilados de nossa terra, não temos autoridade para aplicar a pena de morte”.
- San’hedrin 52b.
Perguntas extraídas do capítulo 2 do:
2º Livro Judaico dos Porquês,
de Alfred J. Kolatch
Editora Sêfer