Uma das facetas da festa de Shavuót, que se aproxima, é a história de Rute, a moabita cuja conversão é narrada no Livro de Rute, lido publicamente em quase todas as sinagogas durante essa festa. O judaísmo não é uma religião “exclusivista”, no sentido de que a imortalidade e o Mundo Vindouro não estão reservados exclusivamente aos judeus. Em vez disso, o judaísmo afirma claramente que “os justos de todos os povos participarão da imortalidade e do Mundo Vindouro”.
Isso está em desacordo com as ideologias das outras duas religiões monoteístas, que limitam a imortalidade e a entrada ao paraíso eterno exclusivamente a seus crentes. Por causa dessa divergência fundamental em relação ao destino da alma – paraíso ou danação –, surge outra divergência fundamental em relação ao proselitismo e à conversão de outros a qualquer das religiões monoteístas.
Tanto o cristianismo quanto o islã, por causa do fator de exclusividade de suas crenças, são forçados a tentar converter os outros. Eles acreditam que estão fazendo a esses “outros” o favor supremo, pois após sua conversão se tornarão candidatos à imortalidade e ao paraíso eterno. Não fazê-lo deixaria esses infortunados “condenados à danação eterna”.
Até a conversão forçada, praticada pelo cristianismo e pelo islã, é permitida, e mesmo incentivada, e considerada necessária e benéfica no esquema geral das coisas há longos séculos. O batismo involuntário de milhares de crianças judias entregues a instituições católicas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, a fim de salvarem-nas da máquina de morte alemã, foi visto pela Igreja como um ato de graça e benefício necessário a essas crianças. Isso não foi visto como uma grosseira violação dos diretos pessoais e das crenças tradicionais das famílias delas. Esta foi a resposta dada pelo Papa Pio XII ao Rabino-Chefe de Israel, Yaacov Herzog, quando ele pediu ao Papa – sem qualquer resultado… – que devolvesse essas crianças ao povo judeu ao fim da guerra.
O judaísmo, como fé, não reconhece as conversões forçadas como necessárias nem válidas. De fato, o judaísmo não busca conversos. Em vez disso, ele autoriza potenciais conversos a buscar o judaísmo. Nunca encoraja o proselitismo e, inicialmente, não facilita a conversão. Ele enfatiza ao potencial converso as “dificuldades” de ser judeu num mundo hostil e destaca que, mesmo permanecendo não judeu, ele retém a imortalidade de sua alma e sua parcela no Mundo Vindouro. Essa atitude é exibida dramaticamente nas conversas entre Naomi e Rute, quando a sogra tenta dissuadir sua nora Rute de se converter ao judaísmo e voltar com ela à Terra de Israel e à cidade de Belém (Bet Lechem).
Entretanto, Rute persiste em seu desejo de se juntar ao povo judeu – “Teu povo será meu povo e teu Deus será meu Deus”, ou seja, as obrigações de tua Torá serão também minhas obrigações. Quando a tenacidade da determinação de Rute em se converter e a sinceridade de sua decisão se tronam claras para Naomi, ela desiste de se opor aos desejos de Rute e el é convertida ao judaísmo pela corte rabínica de Bet Lechem.
Isto se tornou o paradigma de todas as leis de conversão ao judaísmo através dos tempos. Os conversos que desejam se tornar judeus por razões patentemente insinceras não são bem-vindos porque não trazem qualquer benefício a si mesmos e ao judaísmo.
Uma das principais razões que levou à guerra civil entre os reis hasmoneus e os líderes rabínicos na época do Segundo Templo foi a conversão forçada ao judaísmo realizada por esses reis junto a milhares de idumeus, conversões às quais os sábios se opuseram fortemente, recusando-se a reconhecê-las como legítimas.
Mais tarde, por meio das maquinações do idumeu Antípatro e seus descendentes, tais como Herodes, esses falsos judeus assumiram o poder e passaram a controlar o Estado judeu, mas a serviço de seus senhores, os romanos, e não de seus súditos, os judeus. Embora certamente seja política comum não mencionar “o elefante na sala” ao se discutir publicamente assuntos sensíveis como “conversão em massa de não judeus ao judaísmo”, a recordação desse incidente, ocorrido há dois milênios na história judaica, está presente no debate em relação ao tema de conversão que enfrentamos hoje em dia na vida judaica.
A Torá nos adverte 36 vezes sobre o respeito e a honra devidos aos conversos ao judaísmo. É obvio, portanto, que esse assunto é muito delicado e requer profundos julgamentos de parte de todos os envolvidos, e deve ser levado em conta na política de acordos de uma sociedade fracionada como a nossa.
Extraído do livro:
Ecos do Sinai – Comentários e análises sobre as porções semanais da Torá
Rabino Berel Wein