Deus ama o convertido. Na Bíblia, Ele instrui os judeus a fazer o mesmo nada menos que trinta e seis vezes — com sucesso apenas parcial. Por que se exige amar os convertidos — algo ainda mais difícil do que a mitsvá de amar o próximo, que já é quase impossível de cumprir?
Uma possível resposta é: para contrabalançar o isolamento do convertido — a palavra bíblica que designa o convertido é Guer, que originalmente significava “estranho”. O isolamento natural que tal “estranho” sente, provavelmente, é uma consequência de que a comunidade judaica se originou a partir de uma família, liderada pelos patriarcas e matriarcas, e que era, desde o seu início, muito unida e voltada para si. Além disto, esta comunidade sempre se considerou o povo escolhido por Deus, para cumprir uma missão especial com a humanidade.
Outra possível resposta, que conecta historicamente os recém-chegados aos judeus é a frase bíblica: “Lembrai-vos que fostes estrangeiros no Egito”. Esta lembrança de algo que o povo judeu sentiu na própria pele deve provocar uma atitude positiva em relação aos convertidos.
Um terceiro motivo é expressar admiração por essa pessoa que tem a integridade de caráter de tomar esta decisão, apesar de seus sentimentos e dos possíveis riscos futuros. Independentemente da motivação original do convertido, o que Deus diz a Seu povo não constitui nem uma sugestão e nem uma cortesia, mas sim um mandamento: “Amai o convertido.”
Este capítulo inicial, cheio de paradoxos, não é para dar respostas, mas sim atingir três metas:
A primeira é mostrar ao leitor como a questão da conversão é complexa — no que diz respeito ao julgamento da motivação interior do candidato; das variáveis da realidade que o convertido enfrentará e como a lei e tradição judaicas as veem; e da previsão de sucesso da prática religiosa do convertido. Os rabinos, professores e juristas do povo judeu, deixaram este assunto inescrutável a critério dos sábios locais —“segundo o modo de ver do tribunal”— preferindo as avaliações rabínicas individuais às presunções generalizadas.
A segunda é ensinar, desde o início, que o judaísmo não é somente uma fé que se satisfaça com respostas simplistas. É uma religião com uma rica tradição legal; uma complexa história que atravessou séculos de dispersão global e confrontou quase todas as realidades concebíveis; uma veneração pelo aprendizado, pela sabedoria e sofisticação. Esperar que tal religião dê respostas rápidas e fáceis, do tipo sim ou não, às questões complicadas é cometer uma grave injustiça.
A terceira meta é que, ao começar este livro pelas perguntas, sem dar as respostas, abre-se um assunto que tem permanecido fechado para muitas pessoas hoje como o tem sido há séculos, e se comece a desmistificar o que tem sido quase um segredo para a comunidade em geral. Não há mágica que transforme um cristão num judeu. A conversão não é o abracadabra exótico e simbólico das organizações de fraternidades; não é uma fórmula secreta. Não se determina a aceitação do candidato por capricho. Julgar “quem é judeu” exige compreensão, empatia, percepção profunda do interior das pessoas e sabedoria para proteger o futuro do povo judeu. Espero que as perguntas seguintes ajudem a iniciar este processo.
Nossas perguntas podem gerar uma consequência secundária: assegurar aos potenciais convertidos que eles não estão sozinhos ao não entenderem totalmente o processo de conversão. Algo que talvez seja mais importante do que ter todas as respostas, é saber quais são as perguntas a serem feitas e ter vontade de procurar as respostas. Muitos judeus natos não sabem as respostas a estas e a várias outras perguntas sobre o judaísmo.
O judaísmo encoraja a conversão? Em caso afirmativo, por que não há movimentos missionários no judaísmo? Em caso negativo, como a Torá pode falar em amor ao convertido — o que implica, no mínimo, em atraí-lo? E como falar sobre idealismo, transformação pessoal e busca da verdade? Não é natural que aqueles dotados de convicções apaixonadas procurem naturalmente convencer os outros da verdade que eles encontraram?
Contudo, não encontramos uma filosofia missionária na literatura judaica e não há exemplos disto na lei judaica. Aparentemente, os judeus não realizam atividades missionárias, embora a história registre numerosos exemplos de conversões ao judaísmo. E registra ainda decretos de muitos países hostis, proibindo os judeus de fazer proselitismo — o que, por si só, é uma indicação de atividade missionária judaica. Além disto, embora seja verdade que os judeus não tenham sido missionários em larga escala, especialmente durante os últimos 1600 anos, a tradição judaica aceita calorosamente os não judeus e exige claramente que sejam aceitos e tratados com condescendência, sem preconceito.
Para o judaísmo não há problema teológico em aceitar os convertidos. Os judeus são um povo, não uma raça, e estão de braços abertos para todas as pessoas sinceras e retas, sem qualquer distinção de cor ou crenças anteriores. De fato, conforme a lei judaica, o povo judeu é tecnicamente considerado gói (povo] e não mishpachá (família] — que lida com linhagens de sangue, “admitindo” forasteiros somente por casamento. Quando os não judeus se convertem ao judaísmo são considerados iguais aos judeus natos e, como eles, filhos de Abrahão e benê berit (filhos da Aliança]. São membros do “povo escolhido”.
Contudo, apesar destes ensinamentos, a história está marcada por convulsões em diversas comunidades judaicas, que fizeram com que os rabinos que as lideravam aparentemente rejeitassem convertidos autênticos.
Como um povo perseguido há tanto tempo, os judeus com frequência tiveram de pagar caro pelo privilégio de aceitar um convertido do país em que moravam. Será que por tal privilégio valia à pena correr o risco de um pogrom (perseguição) promovido pelos cristãos, muçulmanos ou persas furiosos? Outro motivo para uma suspensão temporária pode ter sido o de que, após séculos de ódio feroz, talvez os judeus não imaginassem que alguém iria escolher sua fé — especialmente quando os rabinos pregavam que os não judeus poderiam chegar à salvação sem se converterem, pois, segundo eles, os justos de todos os povos têm “um quinhão no mundo vindouro”.
Pelo fato do convertido ser quase sempre mencionado usando-se superlativos, seria ele maior que o judeu mais justo já nascido ou “uma praga e uma sarna” no corpo da comunidade judaica. Por um lado, existe o fato de que eminentes eruditos, profetas, até mesmo o Rei David e o futuro Messias — todos descendem de convertidos. Por outro lado, há o temor de que, em algum ponto, algum convertido irá fazer o céu desabar sobre as cabeças dos judeus. Parece haver um motivo para que muitos líderes judeus tenham seguido o conselho do Talmud (sobre outro assunto) no caso dos convertidos em potencial: “Aproxime-os com a mão direita e afaste-os com a esquerda”. Esta forte ambivalência revela o trauma na experiência histórica da relação entre os judeus e os convertidos.
Igualmente curioso é que, apesar da existência de convertidos ao longo de toda a história judaica, não existe nenhum texto importante que trate dos costumes e do protocolo de conversão, exceto seis páginas de um pequeno e tardio tratado no Talmud. Até hoje, a questão da conversão é uma espécie de livro fechado.
Mas outras perguntas sobre conversão são mais pertinentes e exigem abertura, sinceridade e clareza. Qual é a atitude da lei judaica atual perante as conversões? Qual é exatamente o processo aprovado de conversão? Quais são as autoridades que a regularizam e legitimam? Como deve ser o relacionamento entre o convertido e a sua família original? Um convertido ao judaísmo deve comemorar os feriados religiosos cristãos por causa do espírito de cooperação? O componente étnico do judaísmo — a cultura, o pensamento e o modo de comer judaicos — devem ser adotados junto com as normas religiosas? Será que gostar de pessoas judias faz parte integrante de gostar do judaísmo? É preciso identificar-se com a história e os objetivos do povo de Deus, ou a relação com Deus já é suficiente?
A conversão motivada exclusivamente para fins de casamento é legítima? E, se assim for, deve-se fazer exigências religiosas ao cônjuge judeu? O judaísmo deve insistir em que o gentio se torne um judeu observante, mesmo que o judeu nato ainda não tenha demonstrado qualquer inclinação para fazer o mesmo? Como é que um judeu se torna verdadeiramente judaico? Este fator será considerado no julgamento da candidatura do cônjuge à conversão? Se houver um casamento após a conversão, quando exatamente deverá ocorrer o mesmo? E qual o status do convertido na comunidade judaica?
O judaísmo crê na conversão infantil — quando alguém obviamente não pode falar de compromisso? Qual é a época ideal para a conversão de crianças? Quem deve decidir — a criança, os pais ou a comunidade judaica?
Qual é a importância do protocolo, o processo formal de conversão? Uma declaração verbal e sincera de compromisso não basta? A circuncisão e a imersão numa banheira ritual são absolutamente obrigatórias, ou pode-se fazer mudanças e ajustes, conforme as circunstâncias pessoais específicas? Que processo é aceito por todos os judeus — pelos tribunais rabínicos de Israel e Inglaterra, Romênia e África do Sul? Quanto tempo deve levar o processo de estudo? Que crenças são parte do compromisso exigido? Qual é o mínimo aceitável das práticas e costumes da fé judaica para uma pessoa ser considerada seguidora da mesma?
Em um sentido real, o assunto da conversão atinge a própria essência da existência do judeu — não apenas a sua experiência, mas sua própria identidade. Um sábio ensinou que o próprio recebimento da Torá no Monte Sinai foi um ato de conversão. Todas as outras questões — como o judaísmo expressa sua fé em Deus; como trata de assuntos como amor, morte e dor; que exigências éticas faz dos seus correligionários — são secundárias. A preocupação central é: quem é judeu e quem não é judeu? O que é um judeu? Como alguém se torna judeu?
Todo o arcabouço da conversão deve tornar-se parte aberta e pública da herança judaica. Se a maioria dos judeus não compreende os conceitos e processos da conversão, como se pode esperar que os gentios os entendam? E, neste caso, como se pode esperar que eles façam perguntas pertinentes que os conduzam a um compromisso com a Torá?
Neste capítulo, ponderamos sobre questões teóricas. No próximo, nos concentraremos nas questões mais complicadas que envolvem todo o arcabouço da conversão e da integração das crenças ao estilo de vida.
Trecho extraído do livro Bem-Vindo ao Judaísmo – Retorno e Conversão – Nova edição!
Autor: Maurice Lamm
Editora Sêfer
Páginas: 430
Quer conhecer antes de comprar? Baixe aqui um trecho desta obra gratuitamente!