O advento de Iom Hashoá sempre desperta em mim turbulência e desconforto. Não é somente porque o Holocausto destruiu seis milhões de pessoas inocentes, simplesmente porque eram judeus – um terço da nossa nação! –, embora só isso já traga grande angústia à minha alma. Seres humanos são, de certa forma, construídos para suportar tragédias – mesmo aquelas indescritíveis – e continuar a vida. Mas, parte do meu desconforto é que eu, e penso que o povo judeu em geral, não encontrei um forma significativa de rememorar essa tragédia histórica.
Todos os museus do Holocausto pelo mundo afora, especialmente o Yad Vashem, aqui em Jerusalém, são magníficos em sua apresentação histórica da terrível face do Holocausto. Mas ninguém deixa os museus com um sentimento de conforto ou mesmo consolo, quanto mais de encerramento.
Não há museu que possa falar ao coração do judeu. Fala aos nossos sentidos ou mesmo ao nosso intelecto e aos nossos corações, mas, de alguma forma, nunca à nossa alma. E é esse vazio no fundo da nossa alma que nos deixa frustrados, não importa quão magníficos possam ser os museus ou quão significativas possam ser as cerimônias recordatórias.
Há numerosos grupos dentro da sociedade judaica que, de alguma forma, não participam de cerimônias do Dia do Holocausto ou de eventos a ele ligados. Há varias razões alegadas para esse comportamento aparentemente insensível, nenhum dos quais satisfatórios para minha mente e alma. Entretanto, sinto no fundo do meu ser que o vazio espiritual que de certa forma acompanha essas cerimônias refletem a ausência de muitos judeus. Não digo isso como crítica a qualquer dessas rememorações. Elas tentam realizar uma tarefa impossível e, por isso, podemos esperar que não atendam ao objetivo. Mas a aceitação intelectual desse fato não aquieta minha alma.
Sempre me identifiquei, junto com a geração pós-Holocausto, com a grande imagem da cena descrita pelo profeta Ezequiel. O profeta vê um largo vale coberto de ossos humanos descarnados e espalhados. O Midrash nos ensina que esses eram os restos das dezenas de milhares da tribo de José que tentaram escapar da escravidão do Egito antes que a redenção comandada por Moisés viesse a ocorrer.
Eles caíram vítimas das duras condições do deserto e da inimizade das tribos pagãs que os perseguiram. O profeta não vê esperança para que voltem a viver. Afinal de contas, por esse tempo já deveriam estar mortos há milênios. E o profeta sente também que nunca haviam sido lembrados em rememoração fúnebre.
O Eterno informa ao profeta que esses ossos simbolizam “toda a Casa de Israel”. Toda a Casa de Israel está sobrecarregada com seus mortos anônimos que não tem túmulos nem monumentos para marcar para alguém que alguma vez viveram na terra. O profeta se desespera pelo fato de que não possam reviver e dar continuidade à existência do povo.
Mas o Eterno lhe diz que profetize sobre os ossos secos e a restauração de suas formas humanas. Então, o espírito de Deus os revive e eles voltam a viver e se levantam no vale como um grande exército.
O profeta não nos revela qual o fim da história. O que acontece com essa grande hoste de judeus milagrosamente revividos?
O Talmud oferece duas visões diferentes sobre esse assunto. Uma delas é que a volta deles à vida foi apenas um fenômeno temporário e que logo voltaram a ser ossos secos. Essa opinião foi contestada pelo sábio Iehudá ben Betera. Ele se levantou no salão de estudos e afirmou: “Não permita o Eterno que divulguemos essa opinião tão pessimista. Eles viveram, casaram, tiveram filhos e tiveram uma vida plena. Eu sou um de seus descendentes e, como prova disso, tenho em minhas mãos os tefilin de meus antepassados (que eles também usaram).”
Creio que a única conclusão a que podemos chegar com relação às tragédias judaicas é o reconhecimento da continuidade das gerações e da tradição que une todo o povo judeu. Nosso passado, aqueles que já se foram e até aqueles que nos são desconhecidos, cujas cinzas e ossos se confundem com a paisagem desse continente amaldiçoado, vivem através de nós – através de nossas realizações e lutas em favor da Torá e de Israel.
Nós usamos seus tefilin – muitos de nós literalmente e outros figurativamente. Essa realização em relação aos tefilin sempre falará às nossas almas e nos ajudará a rememorar verdadeiramente o Holocausto e a resiliência do povo judeu de sobreviver às tragédias mesmo que sejam de dimensões incalculáveis.
Extraído do livro ECOS DO SINAI, da Editora Sêfer
Autor: Berel Wein
Páginas: 261
O rabino e historiador Berel Wein escreve semanalmente no Jerusalem Post sobre temas da “parashá” semanal da Torá e comenta o cotidiano de Israel. Este livro reúne alguns desses textos que mesclam conhecimento bíblico profundo, mas de leitura agradável, com insights para o homem moderno de qualquer religião.
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