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Calendário Judaico Purim

Meguilat Ester – O Livro do Exílio

Purim é uma extraordinária festa do calendário judaico, e se distingue de todos as outras pelo caráter que foi conquistando ao longo das gerações, mas, principalmente, por sua fonte primária – a própria Meguilat (rolo de) Ester.

Por Adin Steinsaltz

Pode se constatar a natureza diferente dos costumes de Purim e da Meguilat Ester quando comparada com Chanucá, a festa judaica mais próxima do ponto de vista temporal e de significado. Embora os Livros dos Macabeus não tenham se tornado parte do cânone da Bíblia Hebraica, eles pertencem ao seu ambiente filosófico e estilístico tanto em termos dos eventos a que se relacionam, como no caráter das personagens principais e nas questões religiosas e nacionais que emergem de seu contexto.

Comparado aos Livros dos Macabeus, a Meguilat Ester parece estar naquele ponto que separa o sublime do ridículo: o pomposo e volúvel Achashverósh; o perverso e mesquinho Haman; Ester, cuja ascensão à grandeza lembra a história de Cinderela; e Mordechai, o justo, que se viu envolvido em intrigas da corte de um tirano oriental. De acordo com os comentaristas, o nome de Deus não aparece em parte alguma da Meguilá. Nenhuma vez sequer, nem mesmo na forma de apelo. Não estranha, portanto, que nos tempos da Mishná, havia divergência entre os sábios se a deveria ser incluída nas Sagradas Escrituras.

A pista para todas essas peculiaridades está no fato de que Purim é a Festa do Exílio, e a Meguilat Ester, o Livro do Exílio. Em certo sentido, a Meguilat Ester é o modelo básico da vida do povo judeu no exílio. Sua história inteira, que mais parece um rudimentar melodrama e conto mítico desvinculado da realidade, assume um sentido verdadeiro, sério, até mesmo trágico, quando visto pelo retrovisor da história judaica não só no tempo de Mordechai e de Ester, mas também por toda a história judaica nos anos de exílio.

Achashverósh – o grande rei que governa “cento e vinte e sete províncias”, e passa a maior parte do tempo em bebedeiras e haréns, e inadvertidamente quase promulga um decreto para destruir e matar os judeus sem levar em consideração todas as consequências – é mero fruto da imaginação? Praticamente nenhuma geração se passa sem que se encontre alguém como ele, de um jeito ou de outro. Achashverósh pode ser uma figura insignificante, tosca e ridícula; embora, sabe-se, até um tirano tolo e fraco pode trazer destruição terrível para os judeus no exílio.

Quanto a Haman – a respeito de quem se contam várias lendas, e que, de alguma forma, se tornou de facto o governante do reino, decidindo que a aversão pessoal, ódio, superstição ou qualquer outro tipo de absurdo é justificativa suficiente para matar todos os judeus –, não é preciso pesquisar muito para considerá-lo, muitas vezes, real e ameaçador. Na Meguilá, Haman é mesmo uma figura cômica. No entanto, ao longo da nossa história, muitas lágrimas e muito sangue acompanham essa personagem. O discurso inflamado de Haman, incitando o rei contra determinado povo disperso entre os povos do seu reino e para quem as leis são diferentes das dos outros; que não observa as leis do rei; e, portanto, o rei não deveria tolerá-lo (Ester 3:8), não mudou muito nos 2.500 anos passados desde então. Sem muitas variações, esse discurso é repetido até hoje pelos modernos Hamans por este mundo afora. Não rimos mais dessa figura patética. Hoje, a tememos.

É possível ilustrar como essa história estranha, desconcertante e ridícula da Meguilat Ester – que poderia ser muito cômica, se não fosse trágica – tem se repetido geração após geração, em diferentes partes do mundo. Segundo o Midrash, os protagonistas da Meguilá são apenas figuras, de modo que Achashverósh e Haman representam muito mais que a si mesmos, pois constituem os protótipos de centenas e milhares de outros como eles que surgiram do mal fundamental da existência judaica no exílio: um povo sem apoio verdadeiro, cujos direitos são sempre esquecidos, cujas deficiências são sempre visíveis, e sempre alvo do capricho de qualquer governante – o eterno bode expiatório.

Deste modo, a Meguilat Ester é o pergaminho da “Face Divina Escondida”, do povo judeu no seu exílio, no qual as maiores ameaças contra a sua própria existência começam com o que parece ser uma comédia, e mesmo os milagres que acontecem durante o seu resgate derivam da natureza e da terra como lugar de banimento.

Só uma perspectiva profunda, que vê o futuro judaico baseada em uma fé forte e inabalável, poderia levar a Meguilat Ester a ter sido incluída nos livros canônicos da Bíblia Hebraica. Pois esse livro é a essência da vida judaica no exílio, e da fé que, independentemente de todas as razões externas, esconde o “Guardião de Israel”. Ela nos ensina que o povo judeu deve aprender a viver esse tipo de vida, esperando milagres escondidos nos meandros tortuosos e sinuosos da história. Daí que se deve acreditar que “o socorro e a redenção chegarão aos judeus”, o que em momentos de aflição, assimilação e disfarces não ajudarão nem aqueles que encontram assento no próprio palácio do rei. E que, apesar de tudo, há esperança.

A história da Meguilat Ester continuará enquanto o exílio continuar a existir, e enquanto o mundo persistir em funcionar com a “Face Divina Escondida” e o “Nome Divino Escondido”. Que venha logo o dia em que a Meguilá não será mais algo tão grave, e quando a pudermos ler sabendo que se trata apenas de uma história de tempos passados que não mais voltarão.

Para conhecer os livros do rabino Adin Steinsaltz publicados em português, acesse aqui.

Comentário

  • Estér, mesmo inconsiente,foi a ,responsável por uma revolução no interior de corte Persa,tendo como figura central do espirito indomável do povo Judeu na figura de Mordechai,
    por isto esta festa deve estar sempre viva no coração do povo de Israel.liberdade

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