Há muitos anos, quando eu voltava de uma viagem a Israel, meus pais me buscaram no aeroporto e me disseram, com tristeza, que íamos ao funeral do meu primo, que havia morrido em um acidente de carro. No funeral, o rabino disse uma coisa que me deixou enfurecido e desafiou minha fé em Deus. Em seu discurso, ele citou um ditado iídiche: “O que sabemos? As pessoas tentam descobrir e Deus ri.”
O que o rabino quis dizer é que apenas sob a nossa perspectiva os acidentes terríveis parecem terríveis. Se olharmos o verso da tapeçaria da vida, veremos fios de lã ligados aleatoriamente. Deus, no entanto, vê toda a linda imagem na parte da frente do bordado, e Ele ri porque tudo está em ordem, tudo faz sentido.
Mas as palavras do rabino me aborreceram. Bom para Deus que Ele sabe de tudo. Mas e a gente? Senti como se fôssemos pequenos ratos estúpidos correndo com dor e medo, tentando encontrar o caminho certo em um labirinto enquanto Deus ri. Não gostei nem um pouco daquela imagem de Deus. Ela apenas confirmava as ideias que tinha na infância, das quais eu tentava me livrar com tanta dificuldade.
Mas eu estava enganado. Para mim, o rabino quis dizer que Deus é transcendente e completamente distante da nossa dor e tristeza neste mundo. Isso não é verdade. Sim, a Torá e a Cabalá ensinam que Deus é transcendente, “exterior” ao mundo, um ser perfeito. Mas a Torá e a Cabalá também ensinam que Deus é iminente, está “dentro” deste mundo e Se manifesta como um “aperfeiçoamento” – a própria alma da humanidade, completamente imerso em nossos altos e baixos, nos momentos felizes e nos tristes.
Há uma história sobre um homem de negócios cuja companhia adquiriu uma mina de carvão. Porém, pouco depois da compra, o preço do carvão começou a cair em resposta às oscilações de preços dos combustíveis fósseis. Aflito com a perda financeira, o homem procurou o conselho de um cabalista. O sábio lhe disse: “O Talmud diz que quando uma pessoa sofre, isso faz com que a Shechiná, a presença de Deus no mundo, também sinta o sofrimento. Se você está sofrendo pela perda financeira, isso faz com que Deus sofra junto com você. Então o que você acha? Vale a pena fazer Deus ficar triste por causa de alguns pedaços de carvão?”
A vida é difícil. Mas, mais uma vez, depende de como você a vê. Certa vez, meus filhos passaram horas montando um quebra-cabeça de centenas de peças. Planejei emoldurar depois que ficasse pronto, mas eles tinham outra ideia em mente: celebraram a conclusão destruindo o quebra-cabeça. Por quê? Porque não estavam interessados no término do jogo! Interessavam-se pela empolgação de montar, o desafio e a aventura de fazer. Eles entenderam o que todos nós devíamos entender. Há tanta vida e tanto valor no processo, tanto crescimento e tanta consciência na jornada, por mais difícil que ela possa parecer.
A Cabalá nos ensina que Deus está nessa jornada conosco. Deus está “pessoalmente” envolvido em nossos desafios e lutas, nos altos e baixos. Deus compartilha de nossas dores e problemas assim como de nossos prazeres e sucessos. Saber disso torna as experiências difíceis mais fáceis de lidar e mais significativas. Saber disso também torna os bons momentos ainda melhores. Já ouvi falar que quando dividimos a tristeza com outra pessoa, a tristeza se divide na metade, e quando compartilhamos alegria, ela se duplica. Ainda mais quando descobrimos que Deus compartilha de nossas tristezas e alegrias.
Estamos todos aqui para a jornada. Porém, podemos aproveitá-la ainda mais quando a transformamos em uma jornada sagrada e reconhecemos que Deus está conosco.
Texto extraído da obra A Vida Secreta de Deus, do Rabino David Aaron.