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Estudos Bíblicos

A destruição do Segundo Templo de Jerusalém

A Destruição do Segundo Templo

Esta pintura mostra o Templo Sagrado em chamas, enquanto soldados romanos o invadem com suas armas. Os sacerdotes, em cima do Altar (no centro), continuam a realizar o serviço do Templo enquanto podem, mesmo enquanto levantam seus braços em oração. Soldados romanos são vistos saqueando os vários utensílios de ouro do Santuário – especificamente, o Candelabro, a Mesa dos Pães da Preposição e o Altar de Ouro. Extraída da obra O Templo Sagrado de Jerusalém, da Editora Sêfer.

Nas fronteiras do Império Romano, da Bretanha à Armênia, os povos estavam à espreita de uma oportunidade para livrar-se do jugo romano. Entretanto, na exata hora do levante dos judeus, nenhum outro povo ameaçou simultaneamente a hegemonia romana. Fatalmente divididos internamente, sem conseguir arregimentar nem o apoio da Diáspora judaica, acabaram os judeus por enfrentar sozinhos um inimigo no auge da melhor técnica militar e aureolado por séculos de invencibilidade.

Roma ainda não estava madura para cair. Nero não permite que a derrota sofrida pelo governador da Síria, nas mãos dos rebeldes judeus, se tranformasse numa obstinação contagiando o resto do Império. Em substituição ao titubeante Céstio Galo, Flávio Vespasiano, o mais famoso general romano, recebe ordens para mobilizar um exército de 60.000 homens e marchar contra a Judeia.

O comandante-chefe da Galileia, José ben Matatias, era tudo, menos um grande guerreiro. Talvez o governo dos “moderados” o tivesse escolhido exatamente por essa razão, esperando que iniciasse negociações com o inimigo, em vez de combatê-lo. Sua falta de combatividade não tarda em produzir sérios conflitos com o líder zelote galileu João de Guiscala. A profunda inimizade entre os dois resulta em grave prejuízo para a mobilização de forças e armamentos. Mesmo assim, houve combates ferozes, levando Vespasiano a baixar ordens de “não engajar o inimigo a não ser em condições de absoluta superioridade”.

Sem forças adequadas para enfrentar Vespasiano em campo aberto,os judeus optam por resistir aos romanos nas cidades fortificadas que, no entanto, caem uma a uma sob os ataques maciços dos legionários. João de Guiscala escapa com seus zelotes para Jerusalém e a última fortaleza, Jotapata, comandada por José ben Matatias, cai depois de 47 dias de renhida resistência. Era o fim da campanha da Galileia (67).

Refugiado numa caverna, José ben Matatias ardilosamente salva sua vida do suicídio compactuado com 40 companheiros e rende-se aos romanos. Como chefe dos rebeldes, seu destino era ser executado. No entanto, conduzido à presença de Vespasiano, Matatias “profetiza” que o general estava destinado a tornar-se Imperador e cai na sua graça. Vira persona grata e, adotando o nome de Flávio Josefo, em vez de fazer a guerra, descreve-a.

Além da Guerra dos Judeus, Flávio Josefo escreveu em aramaico e em grego uma História dos Judeus e uma autobiografia, e foi um campeão apologético contra a enxurrada de literatura antijudaica que desde, algum tempo, invadira o mundo helenista. Convidado a estabelecer-se em Roma, tornou-se cidadão romano, recebeu uma pensão do Imperador e teve uma longa e prolífica vida. Sua obra fez dele um dos maiores historiadores de todos os tempos, absolutamente indispensável. Figura controvertida, foi por muitos judeus considerado um traidor da causa patriótica, enquanto que, na ótica dele, zelotes e sicários eram fanáticos, homens como Menahém ben Judah, João de Guiscala e Simeon bar Guiora, bandidos. Já ele, Josefo, aparece como um patriota que lutou contra Roma enquanto era possível, só desistindo quando se convenceu de que não havia outro caminho.

ÓDIO GRATUITO

Vespasiano limita-se a liquidar pequenos focos de resistência, evitando um ataque direto contra Jerusalém. Depois das derrotas na Galileia, a capital torna-se ponto de convergência não só para refugiados de todo o país mas, também – e talvez principalmente – para combatentes dispostos a morrer na defesa da cidade e do Templo. O afluxo de tamanha multitude de gente transforma Jerusalém num ninho de discórdia entre apaziguadores e nacionalistas, ricos e pobres, saduceus, fariseus, zelotes e sicários.

A corrupção sistemática, introduzida pelos procuradores, proporcionara, durante decênios, negócios lucrativos, beneficiando uma reduzida classe de colaboracionistas moralmente apáticos. Com o correr dos anos, sua insensibilidade social contribuiu para o crescimento de um proletariado urbano irritado, engrossado por um número cada vez maior de camponeses pauperizados. Enquanto livres, eles haviam historicamente sido o esteio dos movimentos de independência, espinha dorsal dos exércitos macabeus; expropriados, estufaram as fileiras dos socialmente revoltados.

Acima de tudo, ressente-se a nação, neste momento de suprema crise, da falta de uma liderança unificada e respeitada. Até mesmo cada um dos principais movimentos está dentro de si mesmo subdividido, em facções moderadas e radicais. Uma ala dos fariseus, os “pombos”, não tem nenhuma confiança na guerra contra Roma, enquanto outra não exclui de modo algum o recurso às armas para a redenção nacional. Os zelotes estão polarizados em facções de galileus, jerusalemitas, idumeus, sicários, religioso-políticos e social-messiânicos. Parece que até entre os essênios ocorreram divisões, uns aguardando, enclausurados nas encostas do Mar Morto, o desenrolar dos acontecimentos, enquanto outros saíram do seu isolamento para cerrar fileiras na defesa do Templo. E os seguidores do messias crucificado Jesus de Nazaré desidentificaram-se nesse exato momento com o destino judeu, retirando-se em massa para a cidade de Pela, na Transjordânia.
E em meio a esta anarquia, num desafio à corrosão social aparentemente absurdo, o sumo sacerdote Joshua ben Gamala não tem coisa mais importante com que se ocupar do que promover uma reforma escolar, introduzindo o ensino popular obrigatório, “professores devendo ser nomeados em todos os distritos e em cada vila e as crianças serão enviadas à escola a partir da idade de seis a sete anos”. (TB Bava Batra 21a)

Desmoralizado após o fracasso da campanha da Galileia, cai o governo aristocrático dominado por Anan ben Anan. O homem forte, dominando Jerusalém, passa a ser o líder dos zelotes galileus, João de Guiscala. Anan, o sumo sacerdote, e outros líderes da aristocracia, são sumariamente executados. Mas os zelotes jerosolimitas se recusam a obedecer a um galileu e tem início uma disputa fratricida entre os seguidores de Eleazar ben Simeon e os de João de Guiscala. Os dois só concordam em juntar suas forças no momento em que uma terceira facção zelote aparece repentinamente às portas de Jerusalém. São muitos milhares de revolucionários comandados por Simeon bar Guiora. Os zelotes idumeus, cansados tanto dos jerosolimitas de Eleazar quanto dos galileus de João de Guiscala, abrem as portas para Simeon bar Guiora. Mais do que os outros líderes, Guiora é uma figura escatológica, com grande respaldo entre os mais pobres, introduzindo logo à sua chegada medidas sociais como libertação de escravos e confisco dos bens dos mais ricos.

A insana rivalidade entre as facções atinge seu clímax quando uns passam a incendiar os depósitos de víveres dos outros. As chamas do fanatismo devoram estoques que teriam bastado para anos. Não só carestia e fome passam a decidir o destino da cidade; Sinat Hinam, também: Ódio Gratuito, diriam os sábios mais tarde – judeus não se entendendo com judeus – fez com que Jerusalém caísse nas mãos dos pagãos.

 

A QUEDA DE JERUSALÉM

Nero suicidara-se. No auge dos conflitos sucessórios, Tibério Júlio Alexandre, o renegado judeu, no alto cargo de governador do Egito, proclama Vespasiano Imperador (1º de julho de 69). As legiões da Judeia e da Síria prestam-lhe o juramento de fidelidade e Vespasiano embarca de Cesareia para Roma, deixando a guerra contra os judeus a cargo de seu filho.

Tito inicia o cerco de Jerusalém, tendo sob seu comando quatro legiões completas, partes de duas outras, vinte coortes de infantaria, oito esquadrões de cavalaria e numerosas tropas auxiliares, além, obviamente, do que havia de mais moderno em máquinas de assédio. A maioria dos cronistas militares pouco espaço dedicaria futuramente à guerra dos judeus contra Roma. Judeus como aguerridos patriotas não faziam parte do cardápio habitual dos historiadores. Contudo, o tamanho do exército que Tito colocou em campo bem justifica a descrição da campanha da Judeia, por ninguém menos do que Tácito, como um dos maiores eventos da história militar de Roma.

O assédio de Jerusalém dura seis meses. Todas as vezes que os judeus lançam seus contra-ataques, destruindo os arietes e fundíbulos que batiam incessantemente contra os muros da cidade, os romanos têm de começar tudo de novo. Contudo, era mais fácil para os romanos do que para os judeus repor suas perdas e reabastecer-se. Além do mais, por trás dos muros, Eleazar ben Simeon, João de Guiscala e Simeon bar Guiora continuam entregues à rivalidade, deixando a defesa de Jerusalém sem comando unificado e sem coordenação estratégica. E os romanos contam com dois inestimáveis aliados: a fome e as epidemias.

Do topo do Monte Scopus, Tito e Tibério Júlio Alexandre – especialmente chamado para assumir o comando do assalto a Jerusalém – observam os muros que cercam a cidade caírem um em seguida ao outro, sempre após sangrentos combates. João de Guiscala acaba entrincheirado na fortaleza Antônia, Guiora na Cidade Alta. Outros defensores são encurralados nos pátios do Templo. Nos demais bairros, toda a população é massacrada: homens, mulheres e crianças. Quando a Antônia cai, Guiscala consegue escapar e alguns dos seus homens rompem o cerco e juntam-se a Guiora para a última defesa.

Historiadores divergem sobre se Tito deu ordem para incendiar o Templo. Josefo, suspeito, diz que Tito e Tibério J. Alexandre eram contra e que teria sido ato espontâneo de um soldado. De qualquer maneira, o Santuário foi totalmente consumido pelo fogo. Era o ano 70 da Era Comum, pelo calendário judaico o dia 9 de Av, igual data em que 656 anos antes o Primeiro Templo fora destruído por Nabucodonosor.

A Cidade Alta ainda resiste por mais 29 dias. Guiscala e um punhado de guerreiros tentam escapar, mas são apreendidos. As circunstâncias em que Simeon bar Guiora é capturado são misteriosas. Josefo escreve que ele apareceu repentinamente, sozinho, sobre as ruínas do Templo incinerado, vestido com uma túnica branca e um manto de púrpura, aguardando de braços erguidos ser preso e acorrentado pelos espantados romanos. Os dois líderes são remetidos para Roma juntamente com 700 dos mais robustos entre os guerreiros aprisionados, a fim de adornar o cortejo triunfal com que Vespasiano e Tito celebram sua vitória. João de Guiscala é encarcerado pelo resto da vida; Simeon bar Guiora, considerado o último chefe de Estado judeu, é condenado à morte.

 

EPÍLOGO

A queda de Jerusalém e a destruição do Templo decidiram o curso da guerra mas não a terminaram de vez. Judeus em muitas cidades helenistas continuaram a ser expulsos e pequenas comunidades isoladas foram totalmente exterminadas. Entre essas, sobressai a de Qumran, cujos extraordinários documentos, os – Manuscritos do Mar Morto – cinquenta anos após sua descoberta, em 1947, ainda aguardam a completa decifração e interpretação. E focos de resistência armada continuaram entrincheirados nas fortalezas de Herodion, Maquero e Massada. Esta última, reduto dos sicários chefiados por Eleazar ben Jair, resistiu mais três anos. Para tomá-la, os romanos tiveram que construir uma rampa de cerca da metade da altura da montanha rochosa que, de um lado, se eleva a 400 metros sobre a encosta do Mar Morto.

Quando, finalmente, galgaram o rochedo e ocuparam o reduto dos sicários, encontraram sete sobreviventes, cinco mulheres e duas crianças. Novecentos se recusaram a cair prisioneiros. A última ordem do dia de Eleazar ben Jair dizia: “Nossas mulheres morrerão sem terem sido violentadas, nossos filhos morrerão sem terem sido escravos”. Mil e novecentos anos depois da tragédia, os tesouros históricos descobertos no topo da montanha foram depositados no Museu de Israel e os restos humanos enterrados com honras militares.

A Terra de Israel tornou-se província romana, a maior parte propriedade particular de Vespasiano. Cem mil homens, mulheres e crianças foram vendidos, inflacionando os mercados de escravos. Josefo fala em 1.197.000 mil mortos; mesmo a mais módica avaliação de Tácito de 600.000 é uma cifra estarrecedora. Os que tiveram sorte fugiram para o Egito, Ásia Menor, África do Norte; alguns chegaram até a Arábia, radicando-se em Medina, onde seus descendentes viveriam por seis séculos, até que uma nova religião, nascida dos seus ensinamentos, os expulsaria.

Povo e cidade de Roma comemoraram a vitória dos seus exércitos erguendo o Arco de Tito (um dos mais belos monumentos romanos preservados), cujos relevos mostram o cortejo triunfal dos vencedores e a procissão dos vencidos, carregando os troféus retirados do Templo de Jerusalém. Constituiu-se tradição para os judeus romanos não passar por baixo do monumento que celebrava a derrota do seu povo. E o governo romano eternizou o feito histórico pela cunhagem de moedas comemorativas, ostentando a orgulhosa legenda Judaea Capta – Judaea Devicta.

Biógrafos dos heróis, há muitos; e dos guerreiros, e dos nobres, e dos sacerdotes. Quantos há dos horrores da guerra, de todas as guerras? Dos moribundos à beira das estradas, da fome e da sede, das famílias destroçadas, das mulheres estupradas, dos pais sem filhos, dos filhos sem pais? Das colunas intermináveis de homens, mulheres e crianças arrastadas em direção aos mercados de escravos dos quatro cantos da Terra, onde serão manuseados como a mais vil e ordinária mercadoria do mundo?

 

 

CRONOLOGIA
antes da era comum

até 6 Arquelau, etnarca da Judeia
até 34 Herodes Felipe, tetrarca da Gaulanitis e territórios vizinhos
até 39 Herodes Antipas, tetrarca da Galileia
6-41 Judeia, Samária e Idumeia sob os primeiros procuradores romanos
c. 10 Morte de Hilel, em Jerusalém
26/36 Pôncio Pilatos, procurador
30/33 Jesus de Nazaré
41/44 Agripa I rei da Judeia, Samária, Galileia, e Gaulanitis etc.
44/66 Toda a Terra de Israel sob os procuradores posteriores
45/64 Paulo de Tarso
66 Guerra dos judeus contra Roma
70 Queda de Jerusalém. Destruição do Templo. Execução de Simeon bar Guiora, último chefe de Estado judeu.
73 Queda de Massada.


Extraído de Uma História do Povo Judeus, volume 1, capítulo 17,de Hans Borger, Editora Sêfer.

Apresentação esmerada da história do povo judeu, desde o patriarca Abraão até a expulsão dos judeus da Espanha (volume 1), e desde os guetos da Polônia e da Rússia à chegada do nazismo e o despertar do nacionalismo judaico com o início da restauração da antiga pátria em Israel (volume 2), utilizando rica iconografia, mapas, tabelas e linhas cronológicas, que facilitam a compreensão do leitor.

 

 

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