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Pensamento Judaico

A democracia é uma instituição judaica?

Tendo sobrevivido às eleições para a Knesset, ocorridas nesta semana, com todas as incertezas que toda eleição prove aos assim chamados vencedores e perdedores, agora talvez seja uma ocasião apropriada para olhar o processo democrático de eleições sob a perspectiva da história judaica.

À primeira vista, o judaísmo não parece ser a favor de um processo eleitoral para a escolha de líderes. Moisés foi escolhido por Deus para liderar Israel, e não por voto popular. O sacerdócio – o status de cohen – foi reservado a Aarão e seus descendentes também por orientação Divina. Josué foi indicado por Moisés para sucedê-lo como líder do povo, mais uma vez por instrução de Deus. Já os juízes indicavam a si mesmos, mas alguns deles, como Jessé, Gideão, Avimelech e Sansão, foram confirmados por causa de suas realizações na defesa de Israel contra seus inimigos.

A maior objeção a uma poderosa monarquia dinástica foi proferida pelo grande profeta Samuel. Ele objetou contra a maneira pela qual o povo exigia ser conduzido por um rei “conforme todas as outras nações”. Saul veio a ser um monarca que falhou, e somente David provou ser o monarca ideal para Israel. Até seu filho Salomão, no fim de seu reinado, não era mais visto favoravelmente, e os reis de Israel e de Judá, mesmo os ungidos pelos profetas de Deus, se mostraram negativos ou no máximo razoáveis. Todo o período do Segundo Templo, com raras exceções, viram líderes tirânicos e corruptos nos mais altos níveis.

Foi no campo da educação da Torá que ideias e ideais democráticos surgiram. Um lenhador como Hilel pôde se tornar Nassi – chefe da ieshivá e do San’hedrin. Decisões haláchicas eram tomadas por maioria de votos entre os eruditos. O Raban Gamliel foi temporariamente deposto da posição de Nassi – um impeachment – por causa de sua maneira não democrática de tratar os outros eruditos. O Rabi Elazar ben Azariá abriu o local de estudo para todos, e não somente para a elite ou aristocratas. Durante o período da composição e edição do Talmud, os chefes das principais ieshivót da Babilônia eram escolhidos pela opinião popular dos estudantes e dos outros eruditos. As ieshivót da França, durante o tempo do Rashi, era notáveis por sua abertura e tolerância para com diferentes opiniões e estilos.

Como no exílio europeu não houve um governo judaico independente (exceto, talvez, pelo “Concelho dos Quatro Países” nos séculos 16, 17 e parte do 18 na Europa Oriental), os líderes judeus eram escolhidos e reconhecidos por aprovação popular. Eleições, que muitas vezes causaram divisões e discussões, eram realizadas para escolher o rabino da comunidade. Mesmo os líderes leigos da comunidade estavam sujeitos a aprovação popular, e sempre enfrentavam a ameaça de serem depostos se a população estivesse muito desgostosa de sua direção.

Nas ieshivót, muitas vezes os estudantes escolhiam quem seriam os principais eruditos que lhes dariam aulas e dirigiriam a instituição. A história das ieshivót da Europa Oriental está marcada por incidentes e revoltas dos estudantes, e esses sempre tinham a opção de decidir deixar uma instituição para ir estudar em outra (votavam com os pés).

O mundo chassídico, em seu primeiro século, se baseava na meritocracia. Os oponentes da chassidut riam do mundo chassídico do século 18, afirmando “Se alguém diz que é Rebe, ele é Rebe!” Entretanto, até certo ponto, isso era um elogio, porque a chassidut abriu o campo da participação na arena pública do judaísmo para milhões de pessoas que não podiam alcançar os padrões da elite e dos grandes eruditos. Foi somente na metade do século 19 que a chassidut se tornou proeminentemente dinástica, embora mesmo então houvesse espaço para a criação de novas dinastias, que se tornaram populares.

No século 20, a vida judaica era quase totalmente governada por eleições, diferentes partidos e campanhas eleitorais contínuas – uma situação que, obviamente, continuou no Estado de Israel. Em todas as facetas do mundo judaico, a opinião popular reina – para o bem ou para o melhor. Muitos dos grandes líderes do mundo da Torá não eram pessoas detentoras de posições públicas, mas eram pessoas “eleitas” para ter seus seguidores, por aclamação e reconhecimento popular. A vida judaica é, portanto, bastante democrática – poderíamos até dizer que democrática demais – porque tende a criar divisões e caos. Mas, como disse certa vez Winston Churchill: “Democracia é uma forma terrível e ineficiente de governar, mas ainda é melhor do que qualquer outra forma que o homem, até hoje, tenha imaginado.”

 


Trecho extraído do livro ECOS DO SINAI – Uma viagem pelo calendário judaico
Autor: Berel Wein
Editora Sêfer
Páginas: 261

O rabino e historiador Berel Wein escreve semanalmente no Jerusalem Post sobre temas da “parashá” semanal da Torá e comenta o cotidiano de Israel. Este livro reúne alguns desses textos que mesclam conhecimento bíblico profundo, mas de leitura agradável, com insights para o homem moderno de qualquer religião.

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