Em Pêssach, um número maior de peregrinos do que em todas as outras festas de peregrinação subia a Jerusalém.
Nas demais festas, havia três mitsvót a cumprir: subir para o Templo em Jerusalém; oferecer o sacrifício da festa; alegrar-se. Mas em Pêssach havia uma mitsvá adicional a ser cumprida: o oferecimento do sacrifício de Pêssach. Não consta na Torá punição para quem não subisse a Jerusalém nas outras festas de peregrinação; mas consta a punição de carêt [morte prematura por punição Divina] para quem não subisse em Pêssach e deixasse de oferecer o sacrifício no momento adequado.
As mulheres, de modo geral, são isentas do cumprimento das mitsvót positivas que incidem durante períodos delimitados; assim, não precisavam subir a Jerusalém nas festas de peregrinação. No entanto, em Pêssach, elas eram tão obrigadas quanto os homens de subir a Jerusalém e oferecer o sacrifício pascal.
Por todas essas razões, as mutidões que afluíam a Jerusalém para Pêssach eram muito maiores do que em qualquer outra época do ano.
Quem visita Jerusalém hoje em dia se pergunta como a cidade conseguia absorver os milhões de peregrinos, sacerdotes, levitas e o resto do povo que para lá peregrinava nas festas, além dos seus habitantes permanentes. Como cabiam tantas pessoas no pátio do Templo quando o sacrifício de Pêssach era oferecido?
Os nossos sábios contam: “Assim como a pele do cervo esfolado encolhe e fica muito menor do que quando cobria a sua carne, assim também a Terra de Israel – quando povoada, ela se estende para conter a todos, mas quando vazia, destituída de seu povo, ela encolhe” (Talmud, Guitín 57a).
Quando o povo judeu residia na sua própria terra e o Santíssimo repousava a Sua Presença Divina em Jerusalém, jamais surgiu alguém que dissesse: “Não há lugar para passar a noite em Jerusalém”, ou: “Não há espaço para mim no pátio do Templo.” Os nossos sábios não contaram esse como um dos milagres que ocorriam no Santuário, por considerarem-no característico da cidade: sempre havia espaço no pátio do Templo para todos os peregrinos que traziam o sacrifício de Pêssach. Mas se eles deixassem de vir, então Jerusalém encolheria e o Templo pareceria pequeno demais para acomodar a todos – evitando assim a vinda de estrangeiros.
O Midrash relata que, certa vez, o Rei Agripa decidiu realizar um recenseamento em Jerusalém. Ele disse aos sacerdotes: “Separem para mim um rim de cada oferenda pascal.” Eles separaram, e quando terminaram de contar descobriram que havia 1.200.000 rins – o dobro do número de pessoas que estiveram presentes no Êxodo do Egito! Mas esse número não constituía o total da população, pois não havia sequer uma oferenda que não fosse compartilhada por pelo menos 10 pessoas – ou, segundo o Rabi Chia, “por pelo menos 40 ou 50 pessoas”, ou segundo o Bar Capara, “por pelo menos 100 pessoas” – sem contar o número de pessoas impuras que não podiam oferecer o sacrifício e os judeus que se encontravam em terras distantes (Eichá Rabá).
O relato de uma testemunha ocular
No livro Shevet lehudá, citado no Sidur do Iaabêts, há o relato de uma testemunha ocular – um procurador romano que governou Jerusalém pouco antes da destruição do segundo Templo –, que assistiu à cerimônia do sacrifício de Pêssach. A sua descrição detalhada corresponde à imensa quantidade de leis e minúcias ordenadas pela Torá e pelos sábios. Ele também narra a beleza da solenidade e a impressão que esta lhe causou. O seu relato nos permite apreciar a enormidade da perda que sofremos e nos impulsiona a orar a Deus para que Ele nos restitua o serviço no Seu Grande Templo, brevemente, em nossos dias.
“Quando chega o mês que eles chamam de Nissán, emissários e mensageiros são enviados aos arredores de Jerusalém por ordem do rei e dos tribunais. Eles têm a missão de ordenar a todos que tragam ovelhas e bovinos à cidade, para que os peregrinos possam se alimentar e oferecer sacrifícios. Quem desobedece a essa ordem tem todos os seus bens confiscados para uso no Santuário.
Todos os donos de animais correm para atender ao chamado. A caminho de Jerusalém eles guiam os seus rebanhos e manadas por um rio para limpá-los de qualquer sujeira. Quando chegam às montanhas que circundam Jerusalém, eles são tão numerosos que nem se consegue avistar a grama – é tudo branquidão, devido à brancura das lãs de tantas ovelhas.
A oferenda – que eles chamam de Pêssach – é trazida no dia 14 do mês. Quando chega o dia 10 do mês, eles saem e adquirem um animal para sacrificar. Enquanto esperam enfileirados para fazer a compra, ninguém pede para passar na frente nem oferece o seu lugar – nem mesmo para alguém do nível do Rei David ou do Rei Salomão.
Eu perguntei aos sacerdotes se esse era um comportamento correto, e eles responderam que o propósito disso é mostrar que perante Deus ninguém tem prioridade na preparação de Seu serviço, e menos ainda na execução de Seu serviço. Nessas situações todos são iguais.
Quando chega o dia 14 do mês, eles sobem no lul, uma torre alta do Templo que possui uma plataforma semelhante ao nosso campanário, pegam três trombetas de prata e as tocam. A seguir, eles anunciam: Povo de Deus, ouve! Chegou a hora do abate da oferenda pascal em nome Daquele que fez morar nessa casa sagrada o Seu nome. Ao ouvirem essa proclamação, todos vestem roupas festivas, pois, a partir do meio-dia, esse dia passa a ser considerado festivo, devido à realização de sacrifícios.
Fora do acesso ao grande pátio, há 12 levitas portando bastões de prata. Dentro, há outros 12 portando bastões de ouro. Os levitas de fora são encarregados de manter a ordem entre os peregrinos para ninguém se ferir em meio a toda a agitação e para que não haja tumultos nem brigas na entrada do pátio. Aconteceu certa vez, em Pêssach, que um idoso foi esmagado junto de sua oferenda pela pressão da multidão. Os levitas de dentro são encarregados de manter a ordem entre os que deixam o pátio; eles fecham os portões do pátio quando o espaço fica lotado.
No lugar onde se abate o sacrifício, há fileiras de sacerdotes com colheres de prata e ouro nas mãos. Os sacerdotes de uma fileira têm na mãos colheres de prata, e os de outra fileira, colheres de ouro; tudo isso é extremamente bonito e esplendoroso.
O sacerdote que encabeça cada fileira recebe uma colher de sangue do animal abatido e passa-a ao seu colega, que por sua vez passa-a ao seu colega, até chegar ao Altar. O sacerdote mais próximo do Altar devolve a colher vazia e esta é passada de mão em mão até chegar ao final da fileira. O procedimento é tal que cada sacerdote recebe uma colher cheia numa mão e uma colher vazia na outra, e as colheres vão e voltam ininterruptamente. Eles são tão ágeis nesse serviço e as colheres passam tão rápido que parecem flechas lançadas por um atirador exímio.
Os sacerdotes passaram 30 dias praticando esse procedimento, para ficarem traquejados e poderem desempenhar essa função sem erro.Ali há duas plataformas elevadas nas quais ficam dois sacerdotes segurando trombetas de prata. Eles as tocam toda vez que um novo grupo de sacrifícios é oferecido, para que os levitas, que se encontram nas suas próprias plataformas, saibam que é hora de começar a cantar o Halêl com alegria e gratidão, acompanhados de seus instrumentos musicais. O oferecedor do sacrifício também recita o Halêl. Se o abate não estiver concluído, ele repete o Halêl. Abatidos os sacrifícios, os peregrinos seguem para os pátios, onde há ganchos de ferro e pinos nas paredes para que os animais abatidos sejam pendurados e esfolados. Há também feixes de varas para que, na falta de ganchos vazios para pendurar os animais abatidos, dois homens possam suspender uma vara entre os ombros e pendurar nela o animal. As partes do animal a serem oferecidas no Altar são entregues, e o oferecedor do sacrifício deixa a área feliz, como um guerreiro vitorioso retornando da batalha. Deixar de trazer o sacrifício de Pêssach no momento adequado é considerado muito vergonhoso entre os judeus.
Quando os sacerdotes executam essa tarefa, eles vestem túnicas vermelhas… para que nenhuma gota de sangue que cair sobre suas vestimentas seja notada. Eles permanecem descalços e as mangas das suas roupas chegam só até os cotovelos, para não atrapalhar o seu trabalho. Nas cabeças, eles usam um pequeno turbante feito de três cúbitos de tecido. Segundo me contaram, o sumo sacerdote usa um turbante feito de 40 voltas de tecido.
Os fornos usados para assar os sacrifícios ficam nas entradas das casas, segundo eles, para manifestar a fé que têm e para se alegrarem na festa. Depois que assam o sacrifício, eles o comem com muitos cantos de louvor que podem ser ouvidos de longe. Nenhum dos portões de Jerusalém é fechado nessa noite, em respeito aos muitos visitantes que passam pelas ruas [e para demonstrar que eles não têm medo].”
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Texto extraído da obra
Tudo isso seria muito bonito se não houvesse a matança de animais. O Eterno nunca exigiu sacrifícios mas, pela ignorância e falta de evolução espiritual foi permitido.
Quem pediu os sacrifícios foi o Eterno.