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História Judaica

A Escolha de Israel

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No terceiro mês da sua partida da terra do Egito, os israelitas chegaram ao Sinai, que, na opinião de muitos eruditos, localiza-se exatamente a leste do golfo de Ácaba.

 

Esse deserto ardente, com as suas falésias escarpadas e montanhas vulcânicas, foi a cena da sempre memorável Aliança que fez do Eterno o Deus de Israel e de Israel o povo do Eterno. A Aliança do Sinai teve as suas raízes na aliança de Deus com Abrahão, a qual por seu turno teve antecedentes na aliança Divina com Noé. Esta última, como se verá mais adiante, constitui um importante momento no processo da história universal, tal como se desenrola nos primeiros capítulos da Bíblia; é dentro do âmbito desta história universal que o significado da Aliança do Sinai pode ser encontrada.

​A história começa com a criação do mundo por Deus e a formação do homem à Sua imagem. Mas o processo da criação não cessou quando o mundo e o homem se encontravam feitos, pois aquilo que fora criado tinha de ser desenvolvido e cuidado, e esta tarefa coube à Sua criatura. Uma vez feito à imagem do Criador, o homem deve ser conforme o caráter Divino e igualmente criar. Tem de trabalhar e cooperar com Deus na manutenção e no desenvolvimento da obra que Ele entregou aos seus cuidados.

A base desta cooperação criadora é a aceitação do Criador, a qual deve exprimir-se na obediência à lei moral. Esta se divide em duas classes: (1) justiça, que trata do reconhecimento dos direitos humanos, e (2) retidão, que acentua a aceitação dos deveres.

O primeiro preceito da lei de justiça foi comunicado à humanidade através de Noé quando, após o Dilúvio, Deus fez com ele uma aliança pela qual impunha o respeito pela santidade da vida humana. Para reforçar este respeito, Ele proibiu, por um lado, o consumo de sangue animal devido ao sangue ser o símbolo da vida e, como tal, ser tratado como sagrado, e, por outro lado, prescreveu a pena de morte para o derramamento voluntário de sangue humano.

Estes preceitos foram obviamente oferecidos como modus vivendo​para uma sociedade que tinha de ser recriada após ter sido muito afetada devido à “violência” (Gênesis 6:11), e de modo nenhum pretendiam ser o conteúdo total da lei de justiça. Mas esta, por mais largo que seja o seu âmbito, e na medida em que apenas procura salvaguardar os direitos humanos, não passa do aspecto negativo da lei moral. A justiça, por isso, é só reguladora, e não criadora. A criação, no plano humano como no Divino, só entra em completa atividade quando promovida pela retidão. Esta é uma verdade pela primeira vez compreendida e usada como base de ação por Abrahão. Em consequência, Deus fez com ele uma aliança, proclamando-o, e aos seus descendentes, os instrumentos para dar a conhecer à humanidade “o caminho do Eterno para fazer caridade e justiça” (Gênesis 18:19), para assim cumprirem o serviço universal para o qual ele e a sua semente haviam sido escolhidos.

Foi em ratificação da Aliança com Abrahão, em todas as suas implicações, que a Aliança de Deus com Israel no Sinai foi feita. Parte fundamental desta Aliança é a exortação Divina: “E vós sereis para Mim um reino de sacerdotes e um povo santo” (Êxodo 19:6). O encargo assim entregue era simultaneamente nacional e universal. Como “reino de sacerdotes” Israel devia prestar serviço à universalidade do gênero humano, enquanto como “povo santo” devia seguir uma maneira de viver especial – uma vida de santidade – que o marcaria como povo distinto entre as nações do mundo.

O âmbito e a substância da missão sacerdotal universal de Israel foram indicados na revelação inaugural no monte Sinai com a entrega dos Dez Mandamentos. A experiência psicológica envolvida nesta revelação do Sinai, como em todas as outras exposições da Divindade, não pode ser determinada, mas é única no fato de ter sido compartilhada por toda uma nação. Esta experiência nacional coletiva de Israel serviu para autenticar perante o povo as afirmações revelacionais dos patriarcas como indivíduos, assim como as de Moisés. Até então, o povo aceitara-as meramente como questão de tradição e fé, e no pior dos casos ignorava-as. A revelação do Sinai não deixou lugar a dúvidas, quer sobre as afirmações dos Patriarcas, quer sobre o caráter Divino da missão de Moisés.

Decálogo

Em conformidade com o padrão da Aliança de Deus com os Patriarcas, o Decálogo é precedido pela declaração: “Eu sou YHVH (o Eterno), teu Deus, que te tirei da terra do Egito…” (Êxodo 20:2), fazendo dos atos de redenção efetuados por Deus a favor de Israel a base dos seus direitos especiais sobre o povo para o Seu serviço universal, da mesma forma que a salvação de Abrahão de Ur, como vimos, foi a base dos direitos Divinos sobre o Patriarca.

O Decálogo possui uma universalidade única que torna a sua aplicação eminentemente relevante para a missão sacerdotal universal de Israel. As regras de conduta que prescreve são suficientemente compreensíveis para constituir as exigências primárias – religiosas e morais – para todos os povos em todos os tempos. Proíbe a deificação da natureza, assim como a feitura de imagens esculpidas; ordena a observância do Shabat (“sábado”), estendendo as bênçãos dos dias de descanso ao servo não israelita, e mesmo aos animais; a honra a prestar aos pais; o respeito pela propriedade, vida e honra da mulher, e a renúncia a qualquer palavra ou pensamento potencialmente inamistoso para o semelhante. Alguns destes mandamentos têm paralelo em certos antigos textos egípcios ou babilônios, mas em parte nenhuma é a piedade ordenada como obrigação e a conduta moral como dever. Tampouco pode encontrar-se em outro código qualquer coisa correspondente à proibição da luxúria e dos desejos invejosos.

Tão verdadeiras quanto as prescrições práticas do Decálogo são as suas afirmações doutrinais que servem de garantia e essas prescrições. Todas elas estão carregadas de um significado universal que as coloca dentro do âmbito do serviço da missão sacerdotal de Israel.

A declaração de abertura, acentuando os atos de redenção do Êxodo, exprime a verdade religiosa fundamental da atividade de Deus na História. A proibição de adorar a natureza e a sua correlativa, a de fazer “imagens esculpidas”, estabelece o caráter distinto do monoteísmo de Israel, que o separa com nítida distinção de todas as outras formas de crença religiosa – seja politeísta ou monoteísta. Os deuses de todas as outras nações eram identificados com a natureza e, tal como a natureza finita, podiam receber forma; o Deus de Israel transcende todos os fenômenos, e qualquer reprodução plástica ou pictórica Dele só pode ser uma mentira e uma ofensa.

A Lei do Shabat proclama Deus como único Criador, contrariamente à noção que fixa o princípio da criação no poder regenerativo de qualquer elemento natural do qual a própria Divindade é considerada como tendo emergido. E, finalmente, o Decálogo contém cláusulas afirmativas da doutrina da retribuição – recompensa pela obediência e castigo pela rebeldia.

Mas, enquanto o Decálogo indicava a substância e o âmbito da “missão sacerdotal” de Israel, não fornecia os deveres e as obrigações específicas do povo como “povo santo”. Estas foram desenvolvidas nas séries de revelações a Moisés que este transmitiu ao povo e que, incorporando o Decálogo, acabaram por tornar-se a Torá, vulgarmente conhecida como a Lei, da qual o Pentateuco é o registro escrito.


Extraído do livro Breve História do Judaísmo, de Isidore Epstein.

Para mais informações sobre o livro, clique aqui.

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